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Ao vivo - October Loud/Dia 2

OCTOBER LOUD/DIA 2
27.10.07 - Hatin' Wheeler/Spinal Trip/Strapping Lucy/A Dream Of Poe - Salão de S. José, Ponta Delgada

Depois de uma noite de descanso merecida, com algumas nódoas negras potencialmente a dificultar o sono, era hora de regressar ao Salão de S. José, um local habitualmente de práticas “mais católicas”, mas que aqui acolheu um evento “negro” e não de piores intenções, graças ao pároco local que é, de facto, uma prova de mente de arejada dentro de uma sempre tradicionalista Igreja. Um dos aspectos mais notáveis da história deste festival.

Desta feita não tão pontuais, tanto o público como a organização, se bem que para os segundos o atraso terá sido, obviamente, um compasso de espera deliberado a ver se se criavam condições para a primeira banda começar o seu trabalho, a segunda noite do October Loud começou, estranhamente, menos marcante que a primeira, “graças” a um público [ou à falta dele] que parecia não se ter empenhado tanto desta vez para dar continuidade à toada extenuante que se vivera um dia antes. O facto de ser fim-de-semana e se promover normalmente nesta altura o descanso e as práticas familiares podem ter sido motivos para este estranho atraso, para além de que o doom dos A Dream Of Poe também não terá contribuindo, já que se reconhece a pouca simpatia do público micaelense por este subgénero do metal. Contudo, quem estivesse lá, pelo menos pela curiosidade atendendo a que se tratava de uma estreia, não teria de forma alguma ficado desiludido. A Dream Of Poe mostrou-se um colectivo de sobriedade majestosa e muito sabedor dos seus objectivos. As composições do teclista, guitarrista e mentor do projecto, Bruno Santos, demonstram que o músico degusta avidamente este estilo e possui muito bom gosto. Apresentaram-se, como se impunha, numa toada sempre arrastada e monolítica, o suficiente para nos deixar confortavelmente hipnotizados. Os acordes “fundos” e melancólicos embalavam-nos em sentimentos negros, de Outono, gerando um ambiente muito acolhedor na sala. Para ajudar a isso, a visão de Bruno Santos e Paulo Pacheco a brindar e beber vinho tinto durante os intervalos dos temas. É curioso ver como o manancial de bandas nos Açores começa a estender-se a cada vez mais estilos. Uma forma de riqueza que nos apraz verdadeiramente. Ponto alto ainda para a versão de “Pressure” dos Anathema.

Numa noite de estreias, subiram ao palco os Strapping Lucy. Por falar em variedade, os Açores têm também agora um representante na área do death metal de inspiração sueca, directamente influenciado pelos Arch Enemy. Prova cabal disso é o refrão de “Aeon Apocalypse”. Após a primeira actuação da noite já tínhamos percebido que o som não estava nas melhores condições e com os Strapping Lucy a situação agravou-se ainda mais, prejudicando consideravelmente a sua actuação. De um denso som grave éramos quase incapazes de distinguir as notas dos instrumentos. Sendo assim e contando apenas com um som forte de bateria, os Strapping Lucy não tiveram a estreia que se esperava, pelos motivos já apontados, mas também porque, à excepção do frontman Cristóvão, a banda esteve literalmente parada, e na bateria João Oliveira demonstrou muitas dificuldades em manter o tempo certinho. Ainda assim, o potencial de alguns temas, por si só, conseguiu “desordenar” as posições do público mais chegado às grades.

Com os Spinal Trip não se previa nenhuma novidade. Não eram estreantes, mas, no entanto, eram um dos nomes mais esperados do cartaz. Isso é já habitual, pois a banda apresenta cada vez mais carisma e uma identidade vincada. Ainda assim, houve lugar a surpresas na sua actuação. Filipe Dias parece finalmente se ter desprendido e perdido a timidez que se vinha notando há anos nas suas prestações. Podemos ouvir agora, em todo o seu esplendor, o seu registo berrado – carregado de uma raiva e disciplina técnica impressionantes – e um tom limpo igualmente convincente. Ao contrário do que foi acontecendo às bandas que surgiram na mesma altura que os Spinal Trip, o grupo oriundo de Ponta Delgada tem vindo a amaciar o seu som e vai aproximando-o de bandas como Glassjaw e Chevelle, em cruzamento com o balanço de uns Deftones que se vai mantendo há muito no modo de compor da banda. Contudo, a banda é capaz de ter muita personalidade e o seu som não soa a cópia descarada de ninguém. Fica sim a prova de que os Spinal Trip sabem cada vez melhor como construir bons temas. Peso e melodia em doses perfeitas fazem com que as suas actuações nunca falhem os seus propósitos. Destaque ainda para o mimo que foi recordar “Cynical Smile”, o primeiro tema da banda, que foi dedicado ao seu guitarrista André Batista que em breve partirá para o continente.

Por fim, a estreia mais aguardada, ou não tivéssemos nas fileiras dos Hatin’ Wheeler Honório Aguiar, ainda para mais de novo na voz após uma experiência na guitarra com os Trauma Prone, aquele que foi o frontman da banda de metal mais popular de sempre nos Açores – Tolerance 0. Sabíamos à partida que este não era um projecto gerado sob as mesmas características que a sua antiga banda ou mesmo as dos Trauma Prone. Proclamou-se desde o início que este era um projecto mais descontraído, gerado sem grandes preocupações técnicas. Portanto, a atitude e o espírito é que mandavam e isto foi fielmente transposto para a sua actuação. Já sabíamos bem que Honório Aguiar sempre foi uma personagem prolífera, um verdadeiro entertainer que sempre soube marcar as suas actuações com algo de surpreendente. Com os Hatin’ Wheeler isso manteve-se para gáudio de todos. Embora o seu som chegasse, por si só, para satisfazer o público, foi na postura dos seus músicos em palco, forma de comunicar e o pormenor delicioso de oferecer vodka ao público para beber em conjunto que fez do seu concerto um momento inesquecível. O público desinibiu-se ainda mais e foi um final de noite deveras emotivo. O que falta a muitas bandas, os Hatin’ Wheeler têm para dar e vender – a atitude. Foi muito agradável rever um projecto em S. Miguel apostado em reavivar as raízes do punk/hardcore ainda que o balanço do metal mais moderno tenha lugar cativo nas suas composições. Coros simples e directos típicos do hardcore puseram imediatamente o público a cantar e até uma balada soube deliciosamente no repertório variado deste colectivo. Não há nada a registar de inovador na música dos Hatin’ Wheeler, mas o espírito exemplar que este colectivo apresentou promete tornar os seus concertos em autênticos momentos de diversão e partilha. Um regresso destes músicos em grande.

Para finalizar, só resta, de facto, congratular os responsáveis por este evento pela coragem da iniciativa e ao público pela entrega e espírito que irradiou para o recinto do Salão de S. José no passado fim-de-semana. O convívio também foi nota de realce no exterior do recinto, provando que, tanto a comunidade metaleira como os músicos deste género em S. Miguel, começam finalmente a construir o espírito saudável que é preciso para “a cena” local progredir sem obstáculos.

Texto: Nuno Costa
Fotografia: Rui Melo [www.metalicidio.com]
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