Entrevista Cycles
[FINALMENTE] RENASCIDA
Se há casos de persistência e personalidade no nosso cenário underground, então os Cycles são certamente um deles. Com um álbum na forja há já dois anos, os Cycles tiveram que ultrapassar um caminho repleto de obstáculos psicológicos e físicos para trazer à luz do dia “Phoenix Rising”. Finalmente acolhido por uma editora – a Independent Records -, o primeiro álbum dos portuenses Cycles está já disponível, com distribuição a cargo da banda, e espelha um percurso começado a traçar em finais de 2001 por elementos muito experientes do nosso panorama heavy como, por exemplo, Filipe Moreira e Carlos Barbosa [Fears Tomb/Karnak] Vera Sá [Godless Beauty, Scarlet Veil, Martyrivm] e Augusto Peixoto [Dove, In Solitude, Paradigma]. É com enorme prazer que vemos mais uma banda portuguesa alcançar o seu álbum de estreia e ultrapassar uma situação que, para muitos, teria sido fácil concluir com um abandono. Contactámos o baterista (e designer) Augusto Peixoto para falar sobre “Phoenix Rising”, este período difícil e uma outra série de assuntos que vieram subtilmente à conversa e que a tornou tão agradável para esse vosso escriba.
Lembro-me de estar a falar com o Filipe Moreira há mais de um ano e já ele na altura demonstrava uma enorme ansiedade em lançar este álbum. Entretanto, e infelizmente, este feito veio a atrasar-se ainda mais. Todos sabemos, pelo menos por alto, que isso se deveu a problemas com as editoras, certo? Queres explicar-nos o que se passou?
Bem, realmente contactámos várias editoras e houve pelo menos duas interessadas. Infelizmente, esse interesse foi algo que atrasou ainda mais a edição do álbum e nos prejudicou seriamente ao ponto de ficarmos com a sensação que o álbum nunca iria sair.
Digamos que houve "promessas" que apenas resultaram como "manobras" para atrasar a edição deste álbum...
De certa forma, foi isso. Mas não queria estar muito a falar de determinadas situações, pois isso teria que ser aprofundado e com certeza iria mexer com muita coisa... E cheio de más intenções já o mundo está cheio! O meu tempo de polémico já passou e com 34 anos já me sinto "cota" para isso. Não sei se sabes mas já vai fazer 20 anos, em meados de 2006, que ando nisto. Por exemplo, quando comecei a ouvir metal o nosso vocalista tinha um ano julgo... Portanto, é muito ano metido no underground e em vez de ver isto a andar para a frente vejo talvez o contrário...
Já que falas nisso, ainda te lembras como entraste para esse "mundo"?
Como entrei? Boa pergunta... Mas acredito que se deveu à paixão que sinto pelo metal, paixão essa que tenho a certeza que ainda existe porque senão já não estava nisto.
Há bocado falavas na diferença de idades entre os membros dos Cycles... Explica-nos lá como é que isso se conjuga dentro da banda.
Existem 3 elementos cujas idades não são assim tão diferentes, ou seja, os dois guitarristas e eu somos pessoas que já andamos no metal há muitos anos, bem como a Vera [baixista], apesar de ser mais nova. Somos uma banda com imensa experiência no que toca a passagens por bandas. Só o nosso vocalista é que se poderá considerar novato mas, como já está na banda há mais de 3 anos, já tem experiência e está completamente ligado ao nosso "feeling" de gurus do metal! (risos)
De facto, não conhecia o Henrique antes...
O Henrique tocava e cantava em bandas de garagem da zona onde morava. Acho que os Cycles foram a primeira experiência a sério que teve. O facto dele ter entrado para a banda ajudou certamente a solidificar o nosso som, o que foi óptimo, pois foi algo que sempre andamos à procura.
Relativamente às dificuldades que estavam a surgir para lançar o vosso álbum, chegaram alguma vez a esmorecer ou a pensar em coisas menos "saudáveis" para a banda?
Certamente! Esta banda já esteve para acabar e digo-te isto com muita sinceridade. Mas a união faz a força e os anos que os guitarristas têm em comum, tocando há mais de 11 anos juntos, a minha persistência conhecida por muitos aliada à vontade de vencer os obstáculos, fez-nos repensar e assumir esta banda como algo que nos está enraizado e que, por mais que nos tentemos desfazer dela, não iría-mos conseguir.
Os temas de “Phoenix Rising” têm precisamente quanto tempo desde que foram compostos?
Bem, alguns mais de 4 anos talvez... Quando entrei para a banda (ainda se chamavam Karnak) haviam já alguns temas compostos, tais como a "Paradise" (agora "Foul Paradise" por questões de direitos de autor), a “End Of December” e a “World Of Sand”. Entretanto, esses temas foram arranjados e actualizados, pois a minha forma de trabalhar, experiência e visão complementarizou-se com as ideias que o Filipe e o Carlos tinham para a banda e, mais tarde, com a ajuda do grande Luís Barros, passaram a soar como podes testemunhar no álbum. Só temos pena de talvez não podermos voltar a trabalhar com ele...
Porquê?
Porque não há dinheiro para outra aventura dessas!(risos) A qualidade paga-se bem neste país e como para mim, e acredito que para os restantes elementos da banda, o Luís Barros é simplesmente o melhor produtor português, não temos capacidade financeira de momento para tornar a investir fortemente noutro álbum.
Bem, mas até lá nunca se sabe o que se pode passar... Vocês estão agora a lançar o vosso álbum, vão começar os concertos, logo depois verão o que podem fazer atendendo às receitas.
Não me parece... As bandas em Portugal, e particularmente as ligadas ao metal, ainda têm que “pagar” a maior parte das vezes para tocar, portanto, eu neste “departamento” não sou crente e sinceramente nem acredito que o álbum vá vender assim tão bem. Quem compra álbuns prefere comprar estrangeiros e alguns com qualidade duvidosa... Sendo assim, somos pessimistas e, como tal, se acontecer algo que nos surpreenda melhor ainda, pois será uma coisa completamente imprevisível.
Mas explica-me melhor: “pagar” para tocar como?
Então se vais tocar a um local em que nem te dão cachet ou ajudas de custo, ou nem sequer dividem as entradas pela banda, isso é o quê? Há muitas bandas a tocar neste país sob estas condições e as pessoas ainda pensam: "cuidado, estes fulanos tocam muito"! Mas a maior parte não sabe que eles estão lá a "pagar" para tocar.
Aqui também muitas vezes as bandas têm que levar o backline todo e não lhes pagam nada por isso...
Exacto. Agora faz as contas aos anos que tocamos, os concertos, por poucos que tenham sido (no meu caso não foram poucos), e diz-me quanto dinheiro investimos em algo que nem sequer retorno teve? Depois há os casos em que, por exemplo: ainda há pouco tempo demos um show que deveria começar a uma determinada hora e começou bem mais tarde. Como era um Festival, os Cycles nem podiam queixar-se muito pois estávamos colocados a meio do cartaz, agora a banda headline tocou tipo 5/6 da manhã... É um absurdo! Portanto, em 20 anos a tocar em bandas acho que realmente nada mudou, ao contrário do que alguns apregoam. Tirando os casos dos chamados “privilegiados”...
(risos) Referes-te a quê? Cunhas?
Hmmm... Eu se calhar também as tenho, mas como nunca me agarrei a elas para vencer, prefiro pensar que o que consegui até hoje foi com o meu "suor" e com algumas lágrimas também... As cunhas servem para dizer que as conheço, nada mais do que isso.
Sim, mas estava-me a referir àqueles que têm a “papinha” toda feita...
Eu sei, e quem anda nisto sabe como é... Mas foi algo que sempre tentei elucidar com quem toco: "pensemos em nós e não no que os outros têm ou conseguem".
Sim, é realmente importante este sentimento presente nos músicos. Mesmo musicalmente, pois só assim talvez se consiga criar algo genuíno...
Completamente. Mas é algo extremamente raro de conseguir...
Do mesmo modo que não há necessidade de se seguir modas... No vosso caso, isso não acontece pois vocês mantém-se bem tradicionais!
Sim, somos metaleiros tradicionais que sempre ouviram metal tradicional! (risos) Para quê esconder isso?
Supostamente, isso só deveria acontecer quando somos putos e andamos naquela fase de descobrir e estabelecer a nossa identidade. Mas em pouco tempo descobrimos que não há nada mais belo e prático do que sermos aquilo que somos no fundo...
Pois, mas há quem nunca descubra. Ao longo dos anos toquei com músicos que queriam ser iguais aos seus ídolos e influenciar os outros a serem quem eles queriam que fossem... Eu nunca fui assim e nunca quis isso para os outros. Talvez por isso ainda ande por aqui e eles não. Estes são os chamados “pára-quedistas”! (risos)
Sim, realmente só os mais genuínos prevalecem, este é mesmo o verdadeiro “segredo”: o deixar fluir do ser...
Exacto. Aliás, como dizia o malogrado e grandioso Chuck Schuldiner: “Floating Of Emotion”. Mas não concordo que seja o “segredo”, acho que se trata mais da simplicidade com que vês as coisas. Se fosse “segredo” não mostrávamos a ninguém! (risos) Nunca me fartei do que fiz e não é agora que me vou fartar. Sempre adorei o que fiz e o que toquei em todas as bandas pelas quais passei (Dove, In Solitude e até mesmo Paradigma apesar da sua curta existência). Se assim não fosse, estava a ser falso comigo mesmo, com quem toco e, acima de tudo, com quem respeita e aprecia o meu trabalho.
Os temas de "Phoenix Rising" estão muito longe daquilo que os Cycles fazem hoje em dia ou não?
Nem por isso. Continuamos a ser os mesmos cinco elementos a tocarem a música que gostamos, mas poder-se-á dizer que os temas novos estão mais equilibrados. Mas no álbum a maioria deles já o está, portanto... (risos) Acho que os outsiders é que poderão julgar isso, mas já tocámos dois temas novos ao vivo - "My Darkest Friend" e "Revolt" - e as críticas têm sido excelentes, o que é bom sinal. Já estamos a preparar aquele que será o nosso segundo álbum e os temas estão a sair muito balanceados. Há mais equilíbrio entre melodia e o peso, o que advém daquilo que sempre quisemos fazer e pretendemos fazer. Podes escutar os temas de que te falei numa gravação oficial que temos ao vivo gravada num show do Hard Club no ano passado. A nível de downloads tem sido incrível a adesão a esse "álbum" ao vivo... Digo isto dessa forma, porque a nossa baixista não acha muita graça a considerarmos este disco uma edição oficial!(risos)
Realmente só tive conhecimento desse disco há pouco tempo... Como o podemos adquirir?
Através de partilha na internet. Mandem um mail para a banda que nós “desenrascamos” os interessados!
Já que falamos em edições, diz-nos lá: "Phoenix Rising" sai quando precisamente, que é o que toda a gente está realmente ansiosa por saber?
Já saiu! (risos) Pelo menos já temos as mil cópias, mas como a nossa editora não faz distribuição teremos mais uma luta pela frente – arranjar distribuidora. Se não aparecer, terão que nos comprar por encomenda, nos concertos ou a alguém que tenha interesse em o vender. O álbum chegou 5ª feira passada à editora. As promos já foram quase todas...
Para quem não sabe, as promos de “Phoenix Rising” foram distribuídas pelos media mediante a cobrança dos seus portes de envio...
Sim, mas até nisso a minha ideia surtiu efeito. Como temos muitas dificuldades financeiras, surgiu-me a ideia de pedir aos media interessados em que eles mesmos pagassem os portes de envio. Com isso vim a saber quem realmente apoia a cena e quem não apoia e apregoa o contrário.
Augusto, há pouco dizias que alguns temas de “Phoenix Rising” já têm mais de 4 anos... Como ainda te sentes em relação a eles? Já estás digamos que “farto” deles? (risos)
Não! (risos) Por exemplo a “Paradise” ainda me dá uma pica enorme de ouvir! É onde a voz do Henrique ficou melhor. Ele quando entrou para banda teve somente um mês para preparar o álbum, o que não foi nada benéfico. Mas mesmo assim, fez na minha opinião um excelente trabalho dada as limitações, embora saiba que vá haver crítica que não vai ter isso em conta. Mas enfim, nada é perfeito... Por isso, ele está ansioso por tocar ao vivo para demonstrar o seu potencial. A “Paradise” é também o tema que conta com dois solos do Paulo Barros (guitarrista dos Tarantula), e um deles é dos melhores solos que ouvi até hoje e dos melhores solos que já fez em todos os anos que o conheço! Temos também um vídeo da “World Of Sand” que foi o vocalista dos Shadowsphere que fez e está excelente dada as limitações. Foi editado a partir de umas filmagens que a minhas esposa fez de um concerto nosso no Hard Club há dois anos. Podem encontrá-lo na internet através do servidor Stormbringer.
Por falares em internet, já reparei que não tens “problemas” nenhuns quanto à pirataria! (risos)
Nada! Sou a favor dos MP3 e sou da opinião que se tu gostares mesmo do álbum vais comprar o original. Para além de que ajuda a promover as bandas, claro... É como o caso de eu criar imagens ou fazer capas: não me chateio se alguém pegar numa ideia minha ou mesmo num work e o reinterpretar à sua maneira. O que fiz está feito! Eu faço mesmo. A originalidade não se pensa, nasce! Se pensas que consegues ser original de uma forma propositada, estás a fazer uma valente “merda” sem originalidade nenhuma! Agora, se fizeres uma cena com paixão e te sentires orgulhoso, talvez isso realmente se torne original, quem sabe... Mas como eu nunca quis ser original nem me preocupo com isso, apesar de achar que os Cycles têm um som algo original... (risos)
Olha, por falares nisso e transpondo isso para a música... Tu, por exemplo, o que achas de bandas que compõem mais com a cabeça do que com o "coração", se é que se pode pôr as coisas nesses termos...
São “cabeçudos”!(risos)
Por exemplo, bandas como Meshuggah ou bandas “matemáticas”...
Adoro bandas como Watchtower, Cynic, Coroner porque eles faziam o que gostavam e a sua música transpirava isso, pois se fazes por ser técnico a música soa plástica e, principalmente, sem interesse nenhum.
Mas no caso dos Meshuggah, como eles têm um estilo tão próprio, acaba afinal de contas por ser algo genuíno, vindo do coração...
Há quem goste da banda A, B ou C, e há quem goste da D, e por aí além... Os Meshuggah são uma cena marada, feita por gajos marados! (risos) A minha “maradice” como tá virada para outro lado não são algo com que possa dizer que me identifico! (risos) Acho os Spiral Architet mais marados, por exemplo, apesar de serem os Watchtower modernos...
Que perspectivas tens para “Phoenix Rising”? Alguns temas já andam a ser divulgados há bastante tempo, ora na demo que vocês lançaram ora ao vivo, e por essas reacções o que consegues perspectivar para “Phoenix Rising”?
Nada... O que tiver de vir que venha com agrado! Os Cycles já se autopromoveram o suficiente e, como este álbum sai com um atraso significativo, não é algo que seja novo, a não ser os temas que não foram ouvidos em condições, pois todos já foram tocados ao vivo.
Temos também no álbum uma convidada, a Patrícia Rodrigues [ThanatoSchizo]. Como surge esta colaboração?
A Patrícia surgiu por iniciativa do Luís Barros e foi uma mais valia para os temas em que participa. Ela e o Guilhermino foram duas pessoas que nos apoiaram logo quando o Luís surgiu com a ideia, o que para nós foi um acto louvável.
Resume-nos o contexto lírico de “Phoenix Rising”.
As letras falam de assuntos pessoais. São na maior parte deles muito introspectivos. Outros têm a ver com a sociedade, algo típico das bandas thrash com as quais estamos bastante ligados. Temos também temas muito “loucos” com letras extremamente maradas! (risos) O álbum fecha com uma trilogia e há também um tema dedicado ao meu falecido pai que é a "balada" à la Cycles chamada "Epitaph" (uma em que a Patrícia entra). Existem algumas ligações líricas em alguns temas pelo conteúdo que transmitem, mas nada conceptual, a não ser a trilogia final.
Saindo agora um pouco do mundo dos Cycles e entrando no mundo do design: tu fazes muitos trabalhos nessa área, inclusive, ilustrações para capas de CD’s e já és algo reconhecido por isso. Conta-nos como nasceu esse “bichinho”?
Eu sempre estive ligado ao desenho desde miúdo e, como em tudo na vida, há evolução, e como fui desenhador gráfico durante 15 anos tive que me actualizar e comecei a trabalhar com computadores e com o Photoshop. A partir desse momento dediquei-me à criação e ao design. Tenho desenvolvido algumas capas para bandas como, por exemplo, Oratory – “Interludium” –, uma banda Italiana chamada Exwatt, Shadowsphere – “Darklands” – e fiz ainda o artwork final para o “Thrash Killing Machine” dos Pitch Black. Tenho também um site que tem tido grande receptividade a nível mundial – www.irondoomdesign.deviantart.com. É bom saber que és acarinhado pelas pessoas e saber que os teus trabalhos criam impacto.
Não só tu como também o Henrique fazem trabalhos na área do design. Fala-nos também um pouco do seu Dream Design.
O Henrique é um puto maravilhoso com quem tenho imenso orgulho em partilhar ideias. Ele em termos de web design, para mim, é do melhor que há. Gosto muito de alguns trabalhos dele mas em termos de paginas Web ele bate muitos aos pontos, aqueles que são considerados famosos. Mas como em tudo na vida, nem sempre os melhores são os mais bem vistos ou os considerados como tal, portanto...
Augusto, tu és designer e músico... Consegues escolher um desses ramos em que te sintas melhor ou te satisfaça mais?
Não, apesar de que o design tem-me trazido mais frutos, mas a música é a minha maior paixão se queres realmente saber. Mas talvez só 0,1% em relação à arte digital! (risos)
Agora que têm finalmente uma editora como tem decorrido as coisas? Eles têm já planos para vos promover?
Não. A Independent Records edita o álbum como um especial favor de amizade que me une ao dono, nada mais que isso. Estamos a estudar formas de promoção mas não nos vamos chatear muito com isso. Acho que é uma daquelas edições de ficar na prateleira pelo atraso que teve no seu lançamento e que só sai por um favor enorme de alguém que coloca a amizade acima do dinheiro. Como te digo, a distribuição vai aparecer se os interessados se interessarem realmente.
Se há casos de persistência e personalidade no nosso cenário underground, então os Cycles são certamente um deles. Com um álbum na forja há já dois anos, os Cycles tiveram que ultrapassar um caminho repleto de obstáculos psicológicos e físicos para trazer à luz do dia “Phoenix Rising”. Finalmente acolhido por uma editora – a Independent Records -, o primeiro álbum dos portuenses Cycles está já disponível, com distribuição a cargo da banda, e espelha um percurso começado a traçar em finais de 2001 por elementos muito experientes do nosso panorama heavy como, por exemplo, Filipe Moreira e Carlos Barbosa [Fears Tomb/Karnak] Vera Sá [Godless Beauty, Scarlet Veil, Martyrivm] e Augusto Peixoto [Dove, In Solitude, Paradigma]. É com enorme prazer que vemos mais uma banda portuguesa alcançar o seu álbum de estreia e ultrapassar uma situação que, para muitos, teria sido fácil concluir com um abandono. Contactámos o baterista (e designer) Augusto Peixoto para falar sobre “Phoenix Rising”, este período difícil e uma outra série de assuntos que vieram subtilmente à conversa e que a tornou tão agradável para esse vosso escriba.
Lembro-me de estar a falar com o Filipe Moreira há mais de um ano e já ele na altura demonstrava uma enorme ansiedade em lançar este álbum. Entretanto, e infelizmente, este feito veio a atrasar-se ainda mais. Todos sabemos, pelo menos por alto, que isso se deveu a problemas com as editoras, certo? Queres explicar-nos o que se passou?
Bem, realmente contactámos várias editoras e houve pelo menos duas interessadas. Infelizmente, esse interesse foi algo que atrasou ainda mais a edição do álbum e nos prejudicou seriamente ao ponto de ficarmos com a sensação que o álbum nunca iria sair.
Digamos que houve "promessas" que apenas resultaram como "manobras" para atrasar a edição deste álbum...
De certa forma, foi isso. Mas não queria estar muito a falar de determinadas situações, pois isso teria que ser aprofundado e com certeza iria mexer com muita coisa... E cheio de más intenções já o mundo está cheio! O meu tempo de polémico já passou e com 34 anos já me sinto "cota" para isso. Não sei se sabes mas já vai fazer 20 anos, em meados de 2006, que ando nisto. Por exemplo, quando comecei a ouvir metal o nosso vocalista tinha um ano julgo... Portanto, é muito ano metido no underground e em vez de ver isto a andar para a frente vejo talvez o contrário...
Já que falas nisso, ainda te lembras como entraste para esse "mundo"?
Como entrei? Boa pergunta... Mas acredito que se deveu à paixão que sinto pelo metal, paixão essa que tenho a certeza que ainda existe porque senão já não estava nisto.
Há bocado falavas na diferença de idades entre os membros dos Cycles... Explica-nos lá como é que isso se conjuga dentro da banda.
Existem 3 elementos cujas idades não são assim tão diferentes, ou seja, os dois guitarristas e eu somos pessoas que já andamos no metal há muitos anos, bem como a Vera [baixista], apesar de ser mais nova. Somos uma banda com imensa experiência no que toca a passagens por bandas. Só o nosso vocalista é que se poderá considerar novato mas, como já está na banda há mais de 3 anos, já tem experiência e está completamente ligado ao nosso "feeling" de gurus do metal! (risos)
De facto, não conhecia o Henrique antes...
O Henrique tocava e cantava em bandas de garagem da zona onde morava. Acho que os Cycles foram a primeira experiência a sério que teve. O facto dele ter entrado para a banda ajudou certamente a solidificar o nosso som, o que foi óptimo, pois foi algo que sempre andamos à procura.
Relativamente às dificuldades que estavam a surgir para lançar o vosso álbum, chegaram alguma vez a esmorecer ou a pensar em coisas menos "saudáveis" para a banda?
Certamente! Esta banda já esteve para acabar e digo-te isto com muita sinceridade. Mas a união faz a força e os anos que os guitarristas têm em comum, tocando há mais de 11 anos juntos, a minha persistência conhecida por muitos aliada à vontade de vencer os obstáculos, fez-nos repensar e assumir esta banda como algo que nos está enraizado e que, por mais que nos tentemos desfazer dela, não iría-mos conseguir.
Os temas de “Phoenix Rising” têm precisamente quanto tempo desde que foram compostos?
Bem, alguns mais de 4 anos talvez... Quando entrei para a banda (ainda se chamavam Karnak) haviam já alguns temas compostos, tais como a "Paradise" (agora "Foul Paradise" por questões de direitos de autor), a “End Of December” e a “World Of Sand”. Entretanto, esses temas foram arranjados e actualizados, pois a minha forma de trabalhar, experiência e visão complementarizou-se com as ideias que o Filipe e o Carlos tinham para a banda e, mais tarde, com a ajuda do grande Luís Barros, passaram a soar como podes testemunhar no álbum. Só temos pena de talvez não podermos voltar a trabalhar com ele...
Porquê?
Porque não há dinheiro para outra aventura dessas!(risos) A qualidade paga-se bem neste país e como para mim, e acredito que para os restantes elementos da banda, o Luís Barros é simplesmente o melhor produtor português, não temos capacidade financeira de momento para tornar a investir fortemente noutro álbum.
Bem, mas até lá nunca se sabe o que se pode passar... Vocês estão agora a lançar o vosso álbum, vão começar os concertos, logo depois verão o que podem fazer atendendo às receitas.
Não me parece... As bandas em Portugal, e particularmente as ligadas ao metal, ainda têm que “pagar” a maior parte das vezes para tocar, portanto, eu neste “departamento” não sou crente e sinceramente nem acredito que o álbum vá vender assim tão bem. Quem compra álbuns prefere comprar estrangeiros e alguns com qualidade duvidosa... Sendo assim, somos pessimistas e, como tal, se acontecer algo que nos surpreenda melhor ainda, pois será uma coisa completamente imprevisível.
Mas explica-me melhor: “pagar” para tocar como?
Então se vais tocar a um local em que nem te dão cachet ou ajudas de custo, ou nem sequer dividem as entradas pela banda, isso é o quê? Há muitas bandas a tocar neste país sob estas condições e as pessoas ainda pensam: "cuidado, estes fulanos tocam muito"! Mas a maior parte não sabe que eles estão lá a "pagar" para tocar.
Aqui também muitas vezes as bandas têm que levar o backline todo e não lhes pagam nada por isso...
Exacto. Agora faz as contas aos anos que tocamos, os concertos, por poucos que tenham sido (no meu caso não foram poucos), e diz-me quanto dinheiro investimos em algo que nem sequer retorno teve? Depois há os casos em que, por exemplo: ainda há pouco tempo demos um show que deveria começar a uma determinada hora e começou bem mais tarde. Como era um Festival, os Cycles nem podiam queixar-se muito pois estávamos colocados a meio do cartaz, agora a banda headline tocou tipo 5/6 da manhã... É um absurdo! Portanto, em 20 anos a tocar em bandas acho que realmente nada mudou, ao contrário do que alguns apregoam. Tirando os casos dos chamados “privilegiados”...
(risos) Referes-te a quê? Cunhas?
Hmmm... Eu se calhar também as tenho, mas como nunca me agarrei a elas para vencer, prefiro pensar que o que consegui até hoje foi com o meu "suor" e com algumas lágrimas também... As cunhas servem para dizer que as conheço, nada mais do que isso.
Sim, mas estava-me a referir àqueles que têm a “papinha” toda feita...
Eu sei, e quem anda nisto sabe como é... Mas foi algo que sempre tentei elucidar com quem toco: "pensemos em nós e não no que os outros têm ou conseguem".
Sim, é realmente importante este sentimento presente nos músicos. Mesmo musicalmente, pois só assim talvez se consiga criar algo genuíno...
Completamente. Mas é algo extremamente raro de conseguir...
Do mesmo modo que não há necessidade de se seguir modas... No vosso caso, isso não acontece pois vocês mantém-se bem tradicionais!
Sim, somos metaleiros tradicionais que sempre ouviram metal tradicional! (risos) Para quê esconder isso?
Supostamente, isso só deveria acontecer quando somos putos e andamos naquela fase de descobrir e estabelecer a nossa identidade. Mas em pouco tempo descobrimos que não há nada mais belo e prático do que sermos aquilo que somos no fundo...
Pois, mas há quem nunca descubra. Ao longo dos anos toquei com músicos que queriam ser iguais aos seus ídolos e influenciar os outros a serem quem eles queriam que fossem... Eu nunca fui assim e nunca quis isso para os outros. Talvez por isso ainda ande por aqui e eles não. Estes são os chamados “pára-quedistas”! (risos)
Sim, realmente só os mais genuínos prevalecem, este é mesmo o verdadeiro “segredo”: o deixar fluir do ser...
Exacto. Aliás, como dizia o malogrado e grandioso Chuck Schuldiner: “Floating Of Emotion”. Mas não concordo que seja o “segredo”, acho que se trata mais da simplicidade com que vês as coisas. Se fosse “segredo” não mostrávamos a ninguém! (risos) Nunca me fartei do que fiz e não é agora que me vou fartar. Sempre adorei o que fiz e o que toquei em todas as bandas pelas quais passei (Dove, In Solitude e até mesmo Paradigma apesar da sua curta existência). Se assim não fosse, estava a ser falso comigo mesmo, com quem toco e, acima de tudo, com quem respeita e aprecia o meu trabalho.
Os temas de "Phoenix Rising" estão muito longe daquilo que os Cycles fazem hoje em dia ou não?
Nem por isso. Continuamos a ser os mesmos cinco elementos a tocarem a música que gostamos, mas poder-se-á dizer que os temas novos estão mais equilibrados. Mas no álbum a maioria deles já o está, portanto... (risos) Acho que os outsiders é que poderão julgar isso, mas já tocámos dois temas novos ao vivo - "My Darkest Friend" e "Revolt" - e as críticas têm sido excelentes, o que é bom sinal. Já estamos a preparar aquele que será o nosso segundo álbum e os temas estão a sair muito balanceados. Há mais equilíbrio entre melodia e o peso, o que advém daquilo que sempre quisemos fazer e pretendemos fazer. Podes escutar os temas de que te falei numa gravação oficial que temos ao vivo gravada num show do Hard Club no ano passado. A nível de downloads tem sido incrível a adesão a esse "álbum" ao vivo... Digo isto dessa forma, porque a nossa baixista não acha muita graça a considerarmos este disco uma edição oficial!(risos)
Realmente só tive conhecimento desse disco há pouco tempo... Como o podemos adquirir?
Através de partilha na internet. Mandem um mail para a banda que nós “desenrascamos” os interessados!
Já que falamos em edições, diz-nos lá: "Phoenix Rising" sai quando precisamente, que é o que toda a gente está realmente ansiosa por saber?
Já saiu! (risos) Pelo menos já temos as mil cópias, mas como a nossa editora não faz distribuição teremos mais uma luta pela frente – arranjar distribuidora. Se não aparecer, terão que nos comprar por encomenda, nos concertos ou a alguém que tenha interesse em o vender. O álbum chegou 5ª feira passada à editora. As promos já foram quase todas...
Para quem não sabe, as promos de “Phoenix Rising” foram distribuídas pelos media mediante a cobrança dos seus portes de envio...
Sim, mas até nisso a minha ideia surtiu efeito. Como temos muitas dificuldades financeiras, surgiu-me a ideia de pedir aos media interessados em que eles mesmos pagassem os portes de envio. Com isso vim a saber quem realmente apoia a cena e quem não apoia e apregoa o contrário.
Augusto, há pouco dizias que alguns temas de “Phoenix Rising” já têm mais de 4 anos... Como ainda te sentes em relação a eles? Já estás digamos que “farto” deles? (risos)
Não! (risos) Por exemplo a “Paradise” ainda me dá uma pica enorme de ouvir! É onde a voz do Henrique ficou melhor. Ele quando entrou para banda teve somente um mês para preparar o álbum, o que não foi nada benéfico. Mas mesmo assim, fez na minha opinião um excelente trabalho dada as limitações, embora saiba que vá haver crítica que não vai ter isso em conta. Mas enfim, nada é perfeito... Por isso, ele está ansioso por tocar ao vivo para demonstrar o seu potencial. A “Paradise” é também o tema que conta com dois solos do Paulo Barros (guitarrista dos Tarantula), e um deles é dos melhores solos que ouvi até hoje e dos melhores solos que já fez em todos os anos que o conheço! Temos também um vídeo da “World Of Sand” que foi o vocalista dos Shadowsphere que fez e está excelente dada as limitações. Foi editado a partir de umas filmagens que a minhas esposa fez de um concerto nosso no Hard Club há dois anos. Podem encontrá-lo na internet através do servidor Stormbringer.
Por falares em internet, já reparei que não tens “problemas” nenhuns quanto à pirataria! (risos)
Nada! Sou a favor dos MP3 e sou da opinião que se tu gostares mesmo do álbum vais comprar o original. Para além de que ajuda a promover as bandas, claro... É como o caso de eu criar imagens ou fazer capas: não me chateio se alguém pegar numa ideia minha ou mesmo num work e o reinterpretar à sua maneira. O que fiz está feito! Eu faço mesmo. A originalidade não se pensa, nasce! Se pensas que consegues ser original de uma forma propositada, estás a fazer uma valente “merda” sem originalidade nenhuma! Agora, se fizeres uma cena com paixão e te sentires orgulhoso, talvez isso realmente se torne original, quem sabe... Mas como eu nunca quis ser original nem me preocupo com isso, apesar de achar que os Cycles têm um som algo original... (risos)
Olha, por falares nisso e transpondo isso para a música... Tu, por exemplo, o que achas de bandas que compõem mais com a cabeça do que com o "coração", se é que se pode pôr as coisas nesses termos...
São “cabeçudos”!(risos)
Por exemplo, bandas como Meshuggah ou bandas “matemáticas”...
Adoro bandas como Watchtower, Cynic, Coroner porque eles faziam o que gostavam e a sua música transpirava isso, pois se fazes por ser técnico a música soa plástica e, principalmente, sem interesse nenhum.
Mas no caso dos Meshuggah, como eles têm um estilo tão próprio, acaba afinal de contas por ser algo genuíno, vindo do coração...
Há quem goste da banda A, B ou C, e há quem goste da D, e por aí além... Os Meshuggah são uma cena marada, feita por gajos marados! (risos) A minha “maradice” como tá virada para outro lado não são algo com que possa dizer que me identifico! (risos) Acho os Spiral Architet mais marados, por exemplo, apesar de serem os Watchtower modernos...
Que perspectivas tens para “Phoenix Rising”? Alguns temas já andam a ser divulgados há bastante tempo, ora na demo que vocês lançaram ora ao vivo, e por essas reacções o que consegues perspectivar para “Phoenix Rising”?
Nada... O que tiver de vir que venha com agrado! Os Cycles já se autopromoveram o suficiente e, como este álbum sai com um atraso significativo, não é algo que seja novo, a não ser os temas que não foram ouvidos em condições, pois todos já foram tocados ao vivo.
Temos também no álbum uma convidada, a Patrícia Rodrigues [ThanatoSchizo]. Como surge esta colaboração?
A Patrícia surgiu por iniciativa do Luís Barros e foi uma mais valia para os temas em que participa. Ela e o Guilhermino foram duas pessoas que nos apoiaram logo quando o Luís surgiu com a ideia, o que para nós foi um acto louvável.
Resume-nos o contexto lírico de “Phoenix Rising”.
As letras falam de assuntos pessoais. São na maior parte deles muito introspectivos. Outros têm a ver com a sociedade, algo típico das bandas thrash com as quais estamos bastante ligados. Temos também temas muito “loucos” com letras extremamente maradas! (risos) O álbum fecha com uma trilogia e há também um tema dedicado ao meu falecido pai que é a "balada" à la Cycles chamada "Epitaph" (uma em que a Patrícia entra). Existem algumas ligações líricas em alguns temas pelo conteúdo que transmitem, mas nada conceptual, a não ser a trilogia final.
Saindo agora um pouco do mundo dos Cycles e entrando no mundo do design: tu fazes muitos trabalhos nessa área, inclusive, ilustrações para capas de CD’s e já és algo reconhecido por isso. Conta-nos como nasceu esse “bichinho”?
Eu sempre estive ligado ao desenho desde miúdo e, como em tudo na vida, há evolução, e como fui desenhador gráfico durante 15 anos tive que me actualizar e comecei a trabalhar com computadores e com o Photoshop. A partir desse momento dediquei-me à criação e ao design. Tenho desenvolvido algumas capas para bandas como, por exemplo, Oratory – “Interludium” –, uma banda Italiana chamada Exwatt, Shadowsphere – “Darklands” – e fiz ainda o artwork final para o “Thrash Killing Machine” dos Pitch Black. Tenho também um site que tem tido grande receptividade a nível mundial – www.irondoomdesign.deviantart.com. É bom saber que és acarinhado pelas pessoas e saber que os teus trabalhos criam impacto.
Não só tu como também o Henrique fazem trabalhos na área do design. Fala-nos também um pouco do seu Dream Design.
O Henrique é um puto maravilhoso com quem tenho imenso orgulho em partilhar ideias. Ele em termos de web design, para mim, é do melhor que há. Gosto muito de alguns trabalhos dele mas em termos de paginas Web ele bate muitos aos pontos, aqueles que são considerados famosos. Mas como em tudo na vida, nem sempre os melhores são os mais bem vistos ou os considerados como tal, portanto...
Augusto, tu és designer e músico... Consegues escolher um desses ramos em que te sintas melhor ou te satisfaça mais?
Não, apesar de que o design tem-me trazido mais frutos, mas a música é a minha maior paixão se queres realmente saber. Mas talvez só 0,1% em relação à arte digital! (risos)
Agora que têm finalmente uma editora como tem decorrido as coisas? Eles têm já planos para vos promover?
Não. A Independent Records edita o álbum como um especial favor de amizade que me une ao dono, nada mais que isso. Estamos a estudar formas de promoção mas não nos vamos chatear muito com isso. Acho que é uma daquelas edições de ficar na prateleira pelo atraso que teve no seu lançamento e que só sai por um favor enorme de alguém que coloca a amizade acima do dinheiro. Como te digo, a distribuição vai aparecer se os interessados se interessarem realmente.
Para terminar Augusto, uma palavrinha para o pessoal dos Açores e um apelo para que oiçam o trabalho dos Cycles.
Adoro o pessoal daí! Ao longo dos anos tive contacto com essa gente maravilhosa e só tenho a dizer bem! Já nos convidaram para ir aí tocar mas, infelizmente, não havia poder financeiro para tal... Mas foi bom ao mesmo tempo, não me estou a ver andar de avião! (risos) Quanto aos Cycles, só tenho a pedir que acreditem no nosso trabalho e que dêem força a quem realmente luta para merecer isso.
www.cycles.com.sapo.pt