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Entrevista Enuma Elish

CRIAÇÕES EPOPEICAS

Formados num passado já distante, não tão distante quanto o conceito que os inspira, os Enuma Elish aparecem em 1994, na ilha Terceira, para traçar um projecto apoiado num conceito babilónico de deuses, desventuras e tiranias que deram origem ao universo. Paulo Cunha é o porta-voz de serviço…

Tu antes de começares a cantar tocavas guitarra. Mais tarde vieste a descobrir a tua vocação como vocalista nos Chilli Mozart, banda que acabou por dar origem aos Enuma Elish. Como foi que aconteceu esta “nova” descoberta na tua vida?
Lembro-me de ter 8 ou 9 anos, e já de tentar acompanhar os Bee Gees numa aparelhagem americana (que ainda possuo) de 8-track cartridge. Na mesma altura, um primo ofereceu-me o “Back in Black” dos AC/DC, o que me obrigou redireccionar para a instrumentação, tal era o power e a super difícil vocalização de Brian Johnson. Fui um adolescente que cresceu a ouvir música dos anos 80 com especial incidência no Hard Rock – AC/DC e Van Halen, e dai resultar no ingresso em Guitarra no Conservatório com 14/15 anos. Confesso que abdiquei da voz até ter 19/20 anos, sem contudo deixar de cantarolar alguns grupos como Pink Floyd e outros. Em 91 arranca a cena Grunge e confesso que foi um mundo novo para mim. Os grandes Guns ainda não haviam arrefecido, e já os Nirvana, Pearl Jam, SoundGarden e Alice in Chains faziam as delícias da nova era. Depois de cantarolar Eddie Vedder, foi-me dito que tinha uma voz muito parecida. Aliando isso ao violão, fazia já pequenas tocatas com temas dos PJ em reuniões de amigos e cheguei a tocar na Casa dos Açores em Lisboa. Acabou por se dar o verdadeiro impulso para cantar com Pearl Jam e a confirmação deu-se logo a seguir com os Chilli Mozart.

Ainda lembras-te de como foram esses primeiros tempos?
Os Chilli Mozart formaram-se em finais de 1992, reminiscência de um outro projecto chamado CR&F, do qual também fiz parte. Com a minha ida para Lisboa, a formação alterou-se profundamente e mais tarde, durante as férias cheguei a presenciar grandes concertos dos Chilli. Todos nos conhecíamos e dávamo-nos bem. No Natal de 93, por impossibilidade do então vocalista actuar numa Festa da Cerveja, chamaram-me para cantar Pearl Jam justamente na noite em que regressava de Lisboa. O incrível foi termos ensaiado separadamente, eu em Lisboa e os Chilli na Terceira, aguardando pelo dia do concerto. E correu muito bem… No Verão de 94, a banda é convidada para a Semana do Mar e a minha presença no projecto deu-se em definitivo com a saída do Sérgio por motivos pessoais. O repertório teve de tudo um pouco, com Pantera, Paradise Lost, Megadeth, passando por Black Sabbath, SoundGarden, Stone Temple Pilots e Pearl Jam. O público reagiu de tal forma que a Horta não estava habituada. Stage diving, mosh e invasão de palco, fez com que a organização quase nos expulsasse da ilha… [risos] Foi aqui que tive a certeza que também podia cantar além de tocar guitarra ritmo ou solar uma vez por outra. Enveredamos pouco depois por pequenos concertos acústicos, à semelhança dos Unplugged da MTV, com alinhamentos um pouco mais leves.

Os Enuma Elish surgem só mais tarde, em 1994, mais precisamente. Porque foi que surgiu a ideia de criar um novo projecto, mudar de nome, sonoridade…
Os Enuma Elish surgem inicialmente como projecto paralelo aos Chilli Mozart. Enquanto este se mantinha no regime de covers, para concertos em férias com a minha voz, aquele era um projecto original de doom Metal, um power trio com os elementos restantes sendo a voz gutural do respectivo guitarrista – o Paulo Martins (Bira) – . Um projecto inovador nas ilhas tendo em conta o som praticado e a época. O nome resultou da procura do conceito “recomeço” ou “renascer” para algo totalmente novo, orientado para a criação original, e em que o misticismo e a ambiência presentes na epopeia babilónica Enuma Elish, pudessem ser transpostos para o palco.

Hoje em dia, os Enuma Elish estão conectados a uma sonoridade bem mais “suave” e alternativa, o dark rock. O que foi que aconteceu para virem com o tempo a mudar tão radicalmente?
Para além da minha estadia em Lisboa, o guitarrista Bira desloca-se para o continente para iniciar os seus estudos musicais em finais de 96. Deu-se assim um interregno musical de 4 anos, embora sentíssemos individualmente que um dia voltaríamos. Eu já havia regressado definitivamente no Natal de 99 quando, durante as suas férias, o Bira deixa no ar a vontade de nos juntarmos novamente e concorrermos ao Concurso Angra Rock no Verão seguinte. A nova sonoridade surge assim em 2000, fruto da reunião da antiga formação, com a fusão do conceito Enuma Elish e a minha voz com o violão. Eu cantava agora com o meu próprio timbre, o Bira trazia novas sonoridades do continente, o baterista Fonseca envere-dava por outros géneros, e o baixista Ruben com forte apetência por riffs mais pesados.

O vosso som é algo pouco comum nas nossas ilhas, até certo ponto difícil de definir… Como defines a vossa sonoridade?
Somos uma banda de Rock! E apesar da adversidade de estar sempre alguém ausente, o som que praticamos vai fluindo com alguma naturalidade, o que poderá estar inconscientemente ligado ora às constantes pausas e lufadas de sons trazidos pelo Bira, ora à assimilação e execução musical dos outros noutros projectos e géneros. É se calhar um rock alternativo, mas não deixa de ser rock com toda a certeza. E estamos satisfeitos com a fusão do acústico com os power chords.

Olhando para as vossas origens, podemos comprovar, efectivamente, que todos vocês se encontram em segmentos algo díspares a nível de estilos musicais. Tu, por exemplo, já passaste por vários projectos musicais no campo do jazz, bossa nova, pop/rock, tunas, etc. Como é juntar todo o produto dessas experiências e fundi-los nos Enuma Elish?
Pessoalmente venho aprendendo a lidar com essa diversidade desde a minha estadia em Lisboa. Acho a constante actividade musical inserida noutros géneros muito proveitosa quanto à adequação rápida a diferentes estilos, ritmos e ambiências. Penso que não haverá enriquecimento maior do que partilhar novos sons com novas pessoas. Só assim percebemos o fascínio por este ou aquele género. Todos nos Enuma Elish têm feito isso, uns mais outros menos, e a banda sem descurar o conceito rock, é o resultado da versatilidade e da inclusão dissimulada ou sintetizada das memórias de todos os seus elementos.

Considerando o “novo” campo musical que acabaram por seguir com os Enuma Elish, podemos dizer que o que vocês perderam em brutalidade e peso, ganharam eventualmente em termos de intensidade e profundidade. Tive a reparar no vosso conceito, nas vossas letras, na origem do nome da banda, e cheguei à conclusão que vocês são das poucas bandas açorianas que ainda se dão ao trabalho de criar uma envolvência conceptual coerente que apoie toda a música. Fala-nos desse processo.
Levámos muito tempo a aprender com os outros, com os seus temas e contextos, ritmos e dinâmicas, métrica e fonética das letras e seus conteúdos… e continuamos a aprender! O instrumental tem de contextualizar a letra e vice-versa, e só assim conseguiremos transmitir a mensagem na sua totalidade dentro da qual as ambiências têm de se integrar e condicionar ao mesmo tempo. É tudo interligado! Assim vendo, até parece uma receita fácil. Por outro lado somos muito exigentes com nós próprios e isso vem já desde os Chilli Mozart onde todos os pormenores tinham de lá estar. Temos muitas vezes de votar nas sucessivas alterações a que um novo tema obriga.

Não pude deixar de reparar que vocês têm títulos em português mas cantam em inglês! Porquê?
Essa é uma razão muito simples e objectiva, e nada tem a haver com preferências. Admitimos que o inglês tem uma fonética suave como o sotaque brasileiro, mas admitimos também a possibilidade de cantar em português. A questão é que procuramos chegar a outras comunidades além de interligar as línguas, e instigar aos que nos ouvem, o porquê daquele título e não de outro, e evitar que ouçam os temas só por ouvir, apreciando somente os instrumentos e as melodias presentes.

Entram no novo milénio com uma vitória no Angra Rock! Depois disso arrecadaram ainda um segundo lugar em 2002. Como tem sido, de resto, a aceitação ao vosso trabalho? Acham que estão contentes com o que atingiram até hoje? Que objectivos tinham quando fundaram os Enuma Elish?
A primeira dúvida de todas foi esclarecida. A de procurarmos saber se de facto o regresso teria valido a pena ou não. Achamos que sim! Obtivemos desde logo (2000) boas reacções àquilo que estávamos a reintroduzir e, portanto, os Enuma Elish já não poderiam ser um projecto com uma margem curta de tempo de vida útil. A segunda é a de nos depararmos com críticas muito favoráveis além ilha, o que nos alimenta muito o ego e estimula a criação, desenvolvimento e depuração do nosso som. Já andámos em destaque durante algum tempo na RDP - Antena 1 com um tema a passar no “Danças Virtuais”, “Musica Total” e participámos com muito gosto no “Super Nova”. Sempre levámos tudo demasiado a sério... O gosto de tocarmos juntos acabou-se por revelar num hobby de extrema responsabilidade...

A vossa maqueta já data de 2003. Depois disso como têm sido os últimos tempos dos Enuma Elish? Já têm planos para um nova gravação ou ainda não?
Com a adversidade das ausências, não é fácil termos de recusar convites, ou exigir mais €200 para compensar viagens. Ainda assim acho que temos conseguido marcar a nossa presença através de muita persistência, invertendo a tendência de que as ausências justificam o fim das bandas. Às vezes penso que essa é a nossa mais-valia e desafio... Baseando-me no grande Carlos Paredes, eu diria que os Enuma Elish vivem demasiado a sua música para viver dela... Ela passará sempre pelo reencontro de todos e pelo prazer de tocar. Quanto a discos, andamos a massificar o envio das “maquetas”, facto que nos tem trazido boas surpresas. E a demo é um processo em evolução. Neste momento já possui seis temas contra os cinco iniciais, e o ficheiro multimédia está sempre a sofrer actualizações. O site estará pronto até ao fim do ano e andamos também a pesquisar sobre a possibilidade de gravar o primeiro disco.

Para terminar, o que achas do nosso panorama musical?
Deduzo que te refiras aos Açores... Vejo a coisa complicada quando, para além dos géneros mais ou menos acessíveis praticados e o factor insularidade, é notória o mau estar entre projectos sobretudo quando estão implicados outros intervenientes que lutam pelos seus interesses em detrimento das bandas. Estes “parceiros” conseguem amordaçar de tal forma os agrupamentos com os quais estipulam contratos, que ou os impedem de tocar livremente ou inviabilizam os projectos em fases iniciais. As bandas regionais são essencialmente de garagem, e como tal não possuem meios de pagar instrumentos nem gasolina... Como se justifica venderem a alma ao diabo se acabam por tocar também em coretos, palanques, sem condições, sem luz, etc, correndo o risco de desgastarem a imagem? Depois sinto que a malta passa mais tempo no café, numa base crítica tentando sobrelevar-se constantemente enquanto deveriam passar mais tempo a ensaiar ou mesmo a praticar em casa. Há projectos muito bons nas ilhas. E a concorrência é sempre boa em qualquer actividade. Obriga a qualidade a aumentar. Destaco os Morbid Death pelo seu som, longevidade e perseverança, e considero-os num patamar bastante acima. Acho desnecessária a guerrinha de bastidores... Perdem demasiado tempo e energia, quando deveriam estar a ver escalas, ir a concertos, ou apreciar géneros diferentes. Em suma, vejo muita gente com ideias, vontade e técnica, mas infelizmente relegam tudo isso para segundo plano...

Nuno Costa
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