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Entrevista Fear My Thoughts

SEM MEDO DO “ESCURO”

A fórmula por muitos considerada a mais correcta para assegurar uma carreira duradoira é a da “reinvenção”, do progresso e experimentação constantes. Para os germânicos Fear My Thoughts esse princípio sempre foi tido em conta, mas no seu regresso em disco, com “Isolation”, esse assume redimensionada importância. Depois de um soberbo álbum como “Vulcanus”, orientado para o Death Metal melódico mas já dando mostras de que algo poderia estar a mudar, a banda não teve o mínimo receio de arriscar num novo trabalho em que a melodia assume um papel de destaque, o rock progressivo clássico ganha fulgor, a imagem passa a ser mais negra e até a produção parece ter recuado no tempo e fugido a convicções modernas. São com esses elementos que recebemos o sexto longa-duração deste colectivo militante na Century Media e que vem a ganhar muitos pontos na corrida pela meta da personalidade própria e livre de condicionalismos “trendy”, como já raramente encontramos nos dias de hoje. A 26 de Julho, próximo sábado, os açorianos terão oportunidade de testemunhar ao vivo as enormes qualidades dos Fear My Thoughts que com esta data marcam a sua estreia absoluta em Portugal, concretamente no festival “F..I.M.”, a ter lugar no Coliseu Micaelense, em Ponta Delgada.

Creio que não restam dúvidas de que “Isolation” marca uma nova etapa musical na carreira dos Fear My Thoughts…
Para muitos ouvintes e fãs soa a uma etapa completamente nova. Porém, para nós, como artistas e músicos nesta banda, representa apenas um novo passo no âmbito do nosso progresso. É como se tudo fosse um “círculo”, pois o “Isolation” tem muito em comum com os nossos primeiros dois discos, o “23” e “Vitriol”.

Partindo do título do vosso novo álbum, passando pela orientação da sua música até ao artwork, parece que este transmite claramente uma aura mais introspectiva e, de certa maneira, mais gótica e melancólica. Também é assim que vêem “Isolation”?
Nós não nos identificamos com a cena Gótica e nem ouvimos bandas deste género, mas compreendo ao que te referes e estás correcto, acho. O disco tem um sentimento muito dark, mas não “malévolo” ou dentro daquele cliché romântico/gótico. Enquanto os nossos antigos discos versavam sobre montes de assuntos políticos e sócio-culturais, este novo é muito mais pessoal e autobiográfico e, portanto, muito emocional num sentido.

Uma das análises que podemos fazer de “Isolation” é de que reflecte uma banda muito inteligente por refrescar-se musicalmente dentro da sua própria carreira e ao mesmo tempo afastando-se de tendências. Este é um evidente manifesto de maturidade e independência criativa, bem como assegura uma longa carreira, pois não estão dependentes do sucesso que uma tendência esteja a ter.
Sim, para nós é muito importante termos a nossa própria identidade como banda e como artistas. Esta é uma das “crenças” dessa banda – não seguir nenhuma tendência e não aceitar limites e categorias. Eu sinto muito a falta disso na música de hoje em dia. A vontade de criar algo “fresco” e original foi-se para muitas pessoas, havendo a tendência para se repetirem infinitamente. Este é o grande problema.

Entretanto, estou certo de que sabiam dos riscos de assumirem uma orientação musical bastante diferente da vossa anterior. Têm estado a ouvir comentários como “estou chocado com a música do vosso novo disco” ou “definitivamente, preferia a dureza antiga dos Fear My Thoughts”?
Sim, sem dúvida, estávamos à espera deste tipo de reacções e alguns comentários chegaram mesmo a ser dolorosos para nós. Contudo, ao longo do tempo as pessoas foram-se envolvendo no trabalho, entrando nesta nova direcção e foram-nos chegando cada vez mais reacções positivas. Muitas pessoas manifestaram-se da seguinte forma: “Primeiro não gostei do disco, mas dei-lhe mais duas ou três hipóteses e depois disso passei a adorá-lo.” É verdadeiramente estranho, mas conseguimos compreender perfeitamente quando as pessoas deixam de gostar de nós. Quando é assim digo-lhes: “Oiçam o “Vulcanus” ou o “Hell Sweet Hell” ou qualquer disco dos At The Gates, porque eles é que foram os fundadores deste estilo e “rockam” mais do que qualquer um dos seus clones, incluindo os Fear My Thoughts! [risos] Para nós, o “Isolation” é muito mais brutal do que os seus antecessores porque comporta um sentimento “desesperante” e um som muito mais sujo, o que acaba por ser, realmente, mais brutal do que qualquer uma das produções “clínicas” e estéreis que vemos todos os dias. Mas esta é apenas a minha opinião…

Realmente, vocês levaram essa “revolução” até ao mínimo detalhe. A produção está “vintage” e sem o impacto sonoro das produções comuns hoje em dia. Foi deliberado, portanto…
Totalmente! Como disse antes, quisemos alcançar um feeling “live” com este disco. Produções muito modernas soam sempre plásticas e iguais. Não consegues recriar essa sensação ao vivo, uma vez que sobrepuseste seis guitarras, quatro vozes e a tua bateria soa como se fosse de outro planeta! Mas isto não se trata da realidade! A realidade para nós é duas guitarras, uma voz e um kit de bateria real. E foi assim que fizemos. Nada foi copiado, movido ou quantizado e todas as notas foram, realmente, tocadas neste álbum.

Será que podemos entender também a entrada do Martin como uma força impulsionadora desta mudança musical, à parte de ele cantar mais melódico do que o Mathias?
Nós tínhamos tomado essa direcção ainda antes do Martin se ter juntado a nós. Ele era apenas a ligação que faltava para completarmos o “círculo”.

Foi fácil arranjar substituto para o Mathias? O Martin é um bom rapaz? [risos]
O Mathias era uma pessoa impecável e muito divertida em palco. Mas ele deixou-nos e um dia depois falámos com o Martin para ele juntar-se a nós. O Martin era grande amigo dos Fear My Thoughts há bastante tempo, por isso conhecíamo-lo muito bem. Ele é um fantástico vocalista, pianista e guitarrista e, para além disso, uma das pessoas mais positivas e agradáveis que conheço. Ainda me pergunto como ele conseguiu escrever letras tão obscuras… [risos]

A saída do Mathias foi um momento muito chocante para vós? Que razões apresentou?
Não foi uma grande surpresa para nós. Ele andava já cansado de estar em digressão e estar a tocar o tempo todo. Ele está a estudar na universidade, casou e tornou-se pai – tem agora uma filha. Portanto, foi altura de ele estabelecer prioridades. Não o forçámos a nada, ele é que sentiu que tinha que sair e seguir a sua vida.

Os Fear My Thoughts são, acima de tudo, um grupo de músicos muito ecléticos. Que bandas vos terão influenciado mais na composição de “Isolation”?
Sim, nós gostamos de estilos musicais muito diversos. Não houve, no fundo, nenhuma banda nova que nos tivesse influenciado na concepção destes novos temas, mas sim um conjunto de bandas que adoramos há anos e que tiveram mais impacto na hora de compor desta vez. E falo de bandas como King Crimson, Radiohead, Amplifier, Opeth, Alice In Chains, Soundgarden, Porcupinte Tree, Dredg, Amon Düül, Led Zeppelin, Pink Floyd, Neurosis, Mastodon… Apenas para referir alguns.

Markus, ambos sabemos que um dos grandes pretextos desta entrevista é a vossa vinda aos Açores para actuarem no dia 26 de Julho, no Coliseu Micaelense. Isto alguma vez vos passou pela cabeça?
Para nós, naturais da zona “principal” da Europa, os Açores são um lugar muito exótico, um lugar muito bonito no meio do Atlântico! Eu acho que quando temos oportunidades de tocar em sítios desses é como que um sonho tornado realidade. Já tocámos em quase todos os clubes da Alemanha e já vimos tudo, por isso, tocar nos Açores é deveras entusiasmante para nós. E vamos usar esta oportunidade única para passar umas férias em S. Miguel depois do festival!

Acrescentaria ainda que estão a fazer parte de uma espécie de “revolução” local em termos de Heavy Metal!
Wow, isto é uma honra enorme para nós! Como disse, estamos muito excitados por ir tocar aos Açores. A maior parte de nós não é daquele tipo de pessoa “urbana”. Adoramos estar fora das cidades e explorar a natureza!

O que sabiam dos Açores antes de surgir o convite para virem actuar?
A única coisa que sabia acerca dos Açores era da existência do seu “anti-ciclone”! [risos] Ouve-se muito sobre ele no boletim metereológico.

Atendendo ao facto de que os locais sempre se viram privados de uma vida “metaleira” normal, embora os Açores tenham um movimento underground bastante intenso, o que poderia dizer para ajudar a manter a fé dos músicos nas suas carreiras e ao público no desenvolvimento das ilhas?
Sejam, simplesmente, vós próprios e façam o que gostam. Ou seja, existem tantas tendências musicais, como o Metalcore, por exemplo, que é uma vertente muito forte na Europa e nos Estados Unidos, mas, por isso, existem milhares de bandas exactamente iguais. O que tenho a aconselhar é que “soem” açorianos, incorporem as influências da vossa cultura e da vossa história na vossa música. Isto soa tão a treta nacionalista-socialista, mas eu sei que percebem o que quero dizer! [risos] Usem o que gostam nas vossas vidas para criar o vosso próprio nicho, é a isto que me refiro. Trata-se tudo de ter uma identidade própria.

Quais são as vossas expectativas em relação ao público açoriano?
Eu penso que o pessoal vai “rockar”… bem como nós!

Podemos já dizer que vão voltar dos Açores com uma estória especial para contar? Ou seja, partindo do facto de que vão tocar num sitio de que a maioria nem sequer ouviu falar, muitos menos da sua tradição no que respeita ao Metal? [risos]
Espero que tenhamos muita coisa positiva a contar desta viagem.

Por fim, dou-lhe “airplay” para dizer o que quiser…
Pessoal, estamos todos muito felizes por irmos tocar ao vosso festival… e estamos também muito contentes por irmos ver baleias, talvez! [risos]


Nuno Costa
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