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Entrevista Primitive Reason

REGRESSO PRIMITIVO

Às vezes esquecemo-nos dos Primitive Reason quando se trata de mencionar as bandas mais criativas e internacionais do nosso país. Definitivamente ímpares na maneira de compor e de misturar estilos e culturas, o "melting pot" que é os Primitive Reason está de novo de volta e na forma de um álbum tradicionalmente "primitivo e crú. Foi sobre este novo álbum - "Pictures In The Wall" - e sobre uma longa carreira e experiência de vida que tivemos oportunidade de conversar com o guitarrista Abel Beja, aquando da sua passagem por cá a 23 de Abril na Semana Académica dos Açores.

De regresso aos Açores, que recordações guardas das vezes que tocaram cá?
Pessoalmente, passei por cá há dois ou três anos na Maré de Agosto, em Santa Maria. Sei que a banda esteve cá também em S. Miguel, mas isso foi em 96 ou 97, antes de irmos para os Estados Unidos. Mas sempre boa onda, pessoas simpáticas, bom peixe! [risos] Foi um festival espectacular e espero que hoje seja ainda melhor!

Esta noite os Primitive Reason vão apresentar o seu novo álbum pela primeira vez aos Açorianos. O que podemos esperar deste novo trabalho? Como o descreverias?
Acho que é um trabalho que remonta um bocado às raízes dos Primitive, no sentido em que auto-produzimos o álbum. Estruturalmente, e mesmo em termos de som, tentámos ser um bocadinho mais crus e naturais. Experimentámos novos estilos sempre tentando evoluir, olhando para o passado e ao mesmo tempo olhando para a frente e tentando descobrir novos caminhos. Acho que existe um resultado coeso no disco, ainda mais ao vivo, agora que temos uma banda sólida. Demorou cerca de um ano e meio, dois anos, até descobrirmos as pessoas certas, e acho que o disco mostra isso – uma banda mais madura mas radical ao mesmo tempo, como sempre.

Este álbum anda à volta de um certo conceito, certo?
Sim, o Guillermo escreveu uma história que também tinha a ver com as letras em que cada música é um sonho, e esta história fala de um paralítico que vive através dos sonhos. Ele não está acordado e anda de sonho em sonho sem saber qual é a sua realidade, sendo essa precisamente a sua realidade. No fundo são histórias que têm também a ver com as nossas vidas, o nosso dia-a-dia e situações pelas quais todos passamos. A música funciona aqui como soundtrack, ajudando a perceber a história. As músicas foram feitas separadas, mas como um todo fazem um sentido ainda maior. Passa-se o mesmo com a história – as letras têm também uma história cada, mas o livro em si é uma história muito mais completa.

Portanto, há mesmo um livro a acompanhar a edição deste novo álbum…
Sim, foi escrito em inglês e traduzido para português e espanhol, tal como as músicas estão escritas em inglês, português e espanhol.

Após terem gravado um álbum no estrangeiro e terem passado por muitos países antes de gravar “The Firescroll”, este novo álbum volta a ser composto enquanto residiam em Portugal. Qual foi o sentimento que circundou a composição deste álbum?
Da última vez ainda estávamos ligados à editora em Nova Iorque. Entretanto, viemos fazer uma tournée em Portugal e não estávamos de acordo com a editora, eles tinham outros planos para nós, por isso decidimos ficar em Portugal uns tempos. Depois disso tirámos férias porque já estávamos dois anos na estrada com o “Some Of Us”, cerca de um ano nos Estados Unidos e um ano e meio em Portugal, e então parámos um bocadinho e cada um foi para o seu lado. Claro que sempre absorvemos as culturas, desde putos gostamos de viajar e explorar, fazíamos inter rails e explorávamos outros países, musical e culturalmente. Isto acaba sempre por ser trazido para o “baralho” quando nos juntamos e fazemos música e essa foi uma boa experiência, mas ainda não estávamos “portugalizados”. Agora que já estamos cá há algum tempo, sentimo-nos mais confortáveis para gravar este álbum. Em Setembro, começamos a escrever as músicas e em Dezembro entrámos em estúdio, em Vendas Novas. Podíamos ter gravado no Brasil ou Inglaterra, mas concluímos que Vendas Novas era um sítio perto de casa, podíamos lá dormir durante um mês e durante esse período era só mesmo estúdio e composição. Mas foi especial viver lá o dia-a-dia, ir às tascas... E então acho que foi essa inspiração que também ajudou a fazer deste um disco especial.

E já que estamos a falar do som deste novo álbum, definir o som dos Primitive Reason é sempre muito complicado. Vocês são um autêntico melting pot!
Olha, foi esta a palavra que usei hoje quando falei com alguém sobre o nosso estilo. Estavam a tentar descrever-nos e eu disse que realmente éramos todos de diferentes sítios. Agora finalmente temos dois elementos nascidos cá, mas fora isso temos o Guillermo que é espanhol, mas veio ainda puto para cá, eu e o James que nascemos em Nova Iorque e vivemos sempre lá (só viemos para cá com os Primitive), o Hélder [baterista] que é luso-francês, mas todos temos raízes portuguesas, o que é uma cena engraçada. Por isso é um verdadeiro melting pot.

Desde 1999 que vocês gravam discos com o Marsten Bailey. Desta vez optaram por mudar de produtor. Porquê?
Aliás, desde 1998, altura do “Tips And Shortcuts”, até ao nosso último que foi o “The Firescroll”. Neste disco ele já não participa, em parte porque também foi para Inglaterra, mas porque também queríamos ser nós a explorar, uma vez que já tínhamos gravado muitos álbuns de alta produção e há sempre coisas que aprendemos. Já era o nosso quinto disco e achámos que já conseguíamos fazer as coisas à nossa maneira. Foi só arranjar alguém que captasse bem o som e depois nós, musicalmente, é que fazíamos o resto. Tentámos não equalizar demasiado os instrumentos, mas sim, captar o som que temos em palco para parecermos precisamente mais primitivos! Queremos que as pessoas venham aos concertos e pensem mesmo: yha, o disco soa à banda! E foi isso que fizemos. Depois juntamo-nos ao Nuno que já andava na estrada connosco há um ano e também era dessa filosofia. Ele nem ouviu as músicas antes de entrarmos em estúdio, só chegámos lá com a maquete do disco e dissemos: Nuno, vamos gravar! Ele então achou muito fixe o material e aí partimos para a gravação. Foi então um momento em que pudemos experimentar muitas coisas, fundamentalmente sermos mais crus, tipo banda de garagem, mas também com bom som, acho que não perdemos a musicalidade.

Vocês têm passado por muitos palcos, muitos concertos, muitos países… Quais são as grandes ilações que tiras dessas experiências, por exemplo, em relação a Portugal e aos músicos portugueses?
Acho que existem coisas negativas e positivas em ambos os lados – Portugal e estrangeiro – mas acho que cá é um bocado diferente, apesar de estar cá só desde 2000/2001 apesar de sempre ter vindo cá desde puto. Mas estar cá e viver disso é diferente porque não tocamos tanto, se calhar damos 30 concertos num ano e num de êxito damos 40! Imagina que lá fizemos isso num mês, tocávamos todos os dias! Era do género, 10 dias seguidos para descansar um. Mesmo assim atrofiávamos quando não tocávamos. Cá é do género, concerto de semana há semana e o pessoal faz grande festa, mas a solidez não é a mesma. Então cá começamos a aperceber-nos de que haviam já bandas a fazer um circuito de bares, e acho que isso é que é preciso. No Estados Unidos, uma banda com o nosso nível, com vários discos e já um público criado, consegue tocar quase todos os dias, fazer tournées de dois meses. Depois parar dois meses para compor e voltar de novo a dois meses de tournée, e assim sucessivamente…

E foi fácil vocês implantarem-se nesse circuito? Ou seja, vocês já tinham conhecimento do meio e como se inserir nele, ou caíram mesmo lá de pára-quedas?
Bem, eu voltei para cá em 99, depois de gravar o “Some Of Us” e nessa altura já conhecia o pessoal, desde a altura do “Alternative Prison”, mas eles ainda estavam indecisos se iam continuar cá e se iam continuar alguns membros – por exemplo, o Micas teve para sair e eu é que ia gravar o segundo disco, mas e ele acabou por ficar. Aí então voltei para os Estados Unidos e estava a começar uma banda com o James em Nova Iorque. Entretanto o Jorge liga-me um dia do aeroporto e diz-me: viemos para os Estados Unidos, vem buscar-nos ao aeroporto! Eles chegaram lá, já tinham um contracto com uma editora mas não tinham casa, nada mesmo. Então nós, como luso-americanos que somos, sempre nos ajudamos uns aos outros, e então eles ficaram connosco. Mais tarde arranjaram um apartamento próprio, certos elementos saíram outros entraram… Então depois começaram a entrar no circuito em Nova Iorque, tiveram grande aceitação, tocaram em salas de culto como o The Knitting Factory, Wetlands, etc. Chega então depois o “Some Of Us” e aí começamos logo a tocar no CBGB’s e outras salas de grande renome lá, e começamos uma tournée pela costa leste com uma outra banda também de Nova Iorque. Começamos a tocar em salas com 100 pessoas, 200 pessoas, às vezes eram 30 para 3 bandas! [risos] Mas de repente começou a haver gente mais interessada, do género, tocavas na Florida e quando voltavas lá já tinhas mais público. Quando percorremos o primeiro circuito, mesmo de autocarro, demorámos 30 dias e logo na outra tournée já fomos com os Misfits. Nesta altura, quando regressámos a certas cidades, havia muita gente que já tinha visto os Fishbone e os Misfits, e já iam lá para nos ver a nós. Digamos que começamos a gerar também um certo culto lá. Hoje em dia vem muita gente perguntar por nós e a lamentar por termos voltado para Portugal… Nós queremos é mostrar a nossa música, e acho que as bandas portuguesas também deviam começar a criar esse circuito de bares e tocar mais, experimentar novos sons e ir lá para fora, porque é muito fácil ser grande cá. Uma banda pode ficar só por aqui, o que também não é nada mau, e se estão contentes, tudo bem! Mas deve haver sempre uma certa insatisfação e, por isso, acho que deviam tentar lá fora.

Vocês sentiram mesmo essa necessidade de ir para fora e aproveitar as vantagens de outro mercado? Estava a ser difícil cá?
Vivemos num país pequeno e há certas alturas em que há concertos, festivais, queimas das fitas, etc…Mas não há um circuito em que uma banda possa sobreviver sem ser muito comercial. O “7 Fingered Friend” fez grande sucesso, felizmente, mas apesar de tudo e de termos criado um certo culto, nunca chegamos a ser uma banda muito comercial ou de dar 50 ou 60 concertos por ano. Era bom, mas é a realidade, e achámos que para sobreviver também temos que ir lá para fora. Porque também há público para nós lá fora e em Espanha eles dizem mesmo: “Nós não temos nada disso cá”! Espanha é muito maior e existem muitas mais bandas, há circuitos, mas só que eles também têm aquelas que se parecem com Limp Bizkit e outras bandas, e eles já não os querem. Por isso, também temos que ir mostrar a nossa música. Acho que também temos que mostrar o que Portugal tem de bom, não é só fado e futebol. Acho que a indústria também devia de apoiar as bandas que querem ir lá para fora, representar o país, como também já houve os Madredeus, Moonspell, etc.

Que há planeado para a promoção a este novo álbum?
Tivemos agora uma tournée de apresentação, fizemos duas semanas de concertos. Agora vamos fazer algumas Semanas Académicas, Queimas-das-Fitas, Super Bock Super Rock, Festival TMN… Depois disso, em Junho, vamos lançar o álbum em Espanha e noutros países como a Inglaterra, mas ainda não sabemos se vamos lançar tudo ao mesmo tempo ou paulatinamente. Agora temos a nossa própria editora mas não temos ainda os meios para podermos estar na estrada e gerir estas situações ao mesmo tempo. Mas vamos para Espanha, voltamos para Portugal e vamos lá para fora outra vez… Queremos aproveitar sempre que pudermos para dar um saltinho lá fora, sem nunca esquecer Portugal, claro.

Vão percorrer Europa e América, ou só América, uma vez que são mais conhecidos por lá?
Desta vez vamos começar pela Europa, da última vez começamos pela América. Ainda por cima queremos ir a Espanha, ainda não estivemos lá e já temos o nosso público, bem como em França, Itália, Holanda, Bélgica… Estamos sempre a receber pedidos, mas também tivemos um tempo em que não queríamos ir lá, a banda não estava suficientemente coesa como achávamos que devia estar e não queríamos desperdiçar essas oportunidades. Porque a primeira imagem é que conta, senão as pessoas…

Para terminar, qual o teu grande desejo como músico, e já agora, como ser humano para o futuro?
Acho que são os mesmos para os dois. Estarmos contentes com o trabalho que fazemos, e acho que todos deveriam estar, não haver gente oprimida, gente que ganhe pouco e não receba o suficiente pelo que trabalha. Há dois diferentes níveis: há gente com muito dinheiro e gente com muito pouco, e era bom que esse desequilíbrio se atenuasse. Gostava também que toda a gente trabalhasse naquilo que gosta, seja qual for a área. No meu caso, isso significa tocar mais, ganhar o suficiente para sustentar esse trabalho, e viver na minha quinta e estar na floresta com os animais… Paz, portanto! Uma das coisas que me deixou feliz por ter deixado Nova Iorque, foi ter-me livrado um pouco da angústia e de tanta coisa negativa que rodeava as pessoas depois dos atentados, e que deixavam qualquer um em baixo. Mas não foi só depois dos atentados. As pessoas vivem o seu dia-a-dia no mau sentido, do tipo, que se lixe o ambiente porque eu estou a viver agora e estou-me a cagar para os outros e para quem vem a seguir. Há que viver o dia-a-dia em união, sem egoísmos… Temos trabalho pela frente!

Nuno Costa
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