Entrevista Sacred Tears
MURMÚRIOS DE INCERTEZA
Lançar a primeira demo seria, numa situação normal, um acontecimento celebrável para qualquer banda. No entanto, curiosamente, para os açorianos Sacred Tears, este representa o período mais controverso da sua história. Durante a fase de gravação de "Whispers Of Loneliness" a banda atravessou um grave período de conflitos, em que se registou, inclusivamente, o abandono de alguns elementos, sabendo-se mesmo pouco [ou nada], neste momento, em relação ao seu futuro. Bruno Santos, ex-teclas da banda, continua a ser, no entanto, o porta-voz da banda. Encarregue de conduzir “Whispers Of Loneliness” à luz do dia, quando esta até correu o risco de ficar irremediavelmente perdida, Bruno trocou palavras bem esclarecedoras sobre tudo o que se passou durante o período que perfez a gravação da demo… Demo que por sinal, é uma das melhores dos últimos tempos nos Açores.
Creio que é inevitável não começar por te perguntar o que causou toda a recente confusão em torno da banda, nomeadamente em relação ao lançamento da vossa demo...
Claro, isso agora passa a ser uma pergunta da praxe![risos] Bem, as coisas já estavam pela cepa torta há algum tempo, na realidade desde que começaram as gravações. A partir daí o ambiente nunca mais foi o mesmo, pelo menos para mim...
Mas houve inclusive membros que ficaram de fora da gravação quando ninguém esperava...
Em relação ao Fábio Alonso [guitarrista ritmo] e ao Ricardo Botelho as decisões de não gravarem foram exclusivamente deles. O Nélio Tavares [vocalista], por motivos pessoais, não conseguiu gravar em cinco meses de estúdio. Após eu lhe ter comunicado que tinha saído da banda, ele aproveitou para me agradecer a oportunidade de ter voltado a sonhar pisar um palco. De facto, foi do Nélio que tive mais pena que saísse, pois ele vivia a música mesmo, mas os seus problemas pessoais tornaram a convivência entre nós impossível. Em relação à Susana [vocalista] – o caso que causou mais polémica – não havia muita disponibilidade da sua parte para os ensaios, para o estúdio e todas aquelas coisas que implicam estar-se numa banda. Quando as gravações estavam quase a terminar com o António Neves [vocalista In Peccatvm], ponderei não usar voz feminina na demo. Mas se tivesse que usar, a primeira pessoa que contactaria, nem que fosse para saber qual a sua disponibilidade, era a Susana. Contudo, houve comentários menos felizes tanto da Susana como do Fábio em relação a mim e isso revoltou-me profundamente, e daí ter decidido que a Susana não seria a vocalista a gravar. Ambos foram informados do motivo da minha decisão. Mas foi uma situação muito complicada porque já sabia, à priori, que isso iria despontar mais polémica e revolta nos restantes membros da banda. Outro motivo que me revoltou também foi o facto de nunca se terem mostrado interessados em saber quem ia substituir o Nélio ou em dar alguma sugestão. Quando souberam que as vozes masculinas estavam gravadas e finalizadas é que se mostraram entusiasmados, querendo saber quando a Susana ia gravar. Isto são dados até agora nunca revelados, apesar de tudo o que já tem sido dito sobre esse assunto...
Segundo declarações da Susana, esta afirma não ter tido conhecimento de que ia ser substituída nas gravações por outra vocalista e que só se apercebeu disso quando a própria demo saiu...
De facto, ela não teve conhecimento de quem iria gravar, pois já lhe tinha dito via MSN que não iria gravar. Se ela entendeu que a gravação não iria ter voz feminina, aí terá sido falha de interpretação dela. Eu imagino que tenha sido um pouco frustrante para a sua parte quando ouviu a “The Return Of Winter” com outra voz feminina, mas eu acho que já que se tem um sonho muito grande convém lutar por ele e não ficar sentadinho è espera que as coisas caiam do céu.
Há bocado referias que o guitarrista ritmo e o baixista não quiseram gravar... Explica-me melhor isso.
Bem, começando pelo baixista: este foi adiando a sua entrada em estúdio por questões pessoais. Mas depois os motivos mostraram-se mais que esses. Ele não se sentia preparado para gravar, tanto tecnicamente como psicologicamente. Levou algum tempo até nos dizer isso, mas felizmente disse. Pediu então que o Ruben Ferreira [guitarrista solo] tentasse gravar o baixo. Mas já lá iam cinco anos que o Ruben não tocava baixo. Então o Ruben Moniz [produtor] sugeriu-nos o Nuno Pacheco [baixista A Different Mind] como músico de estúdio e assim foi. Em relação ao Fábio Alonso, na primeira versão das gravações nós marcámos uma hora para ele vir connosco para estúdio para terminar três músicas. Claro que, num cenário de estúdio, acabas por não teres horas para terminar... optou por faltar por causa das aulas no dia seguinte. Contudo, a sua opção acabou, mais tarde, por resultar numa revolta dele contra mim, com direito a comentários como “tens o rei na barriga”... Essa confusão resultou também na danificação da sua guitarra – uma Jackson nova comprada com o orçamento da banda. Foi neste episódio que as coisas para mim deixaram de ter sentido. Após esta triste ocorrência continuámos as gravações e, por conselho do Ruben Moniz, regravámos as guitarras. Mais uma vez o Fábio foi contactado, mas optou de novo por não gravar, não dando qualquer tipo de justificação. Apontou apenas para que o Ruben gravasse tudo.
Como surgiu a ideia de recorrer ao António Neves e à Joana Cabral para gravar?
Em relação ao António, eu já era admirador de In Peccatvm e continuo a ser e, de facto, era das poucas vozes ainda no activo que, na minha opinião pessoal, se enquadrava mais no estilo dos Sacred Tears. Não tinha um contacto directo com o António, mas como conhecia o André Gouveia [baixista dos In Peccatvm] foi só uma questão de ele me fornecer o seu contacto e, logo à primeira, o António mostrou-se disponível para gravar. Em relação à Joana, eu já sabia que ela cantava. Foi tudo uma questão de eu fazer umas experiências com ela a ver se a voz dela correspondia àquilo que procurava e, de facto, correspondeu. Ela ficou um pouco incrédula com o convite, mas aceitou apesar de ser uma pessoa muito tímida.
Os quatro temas que compõem “Whispers Of Loneliness” representam um fase estilística bastante diferente daquela inicial, quando se formaram em 2002. Como descreves o som dos Sacred Tears hoje em dia?
Sim, de facto houve uma mutação de som muito grande. Começámos com algo tipo Heavy Metal com laivos de Gótico e um pouco ambiental também. Depois de entradas e saídas, passámos a 240kmh pelo Power Metal mas não era para isso que estávamos vocacionados. Então depois, com entrada do novo baterista, começámos numa toada mais agressiva e que veio a provar que seria aquele tipo de som com o qual estávamos mais à vontade. Assim surgiram músicas como a “New Blood” ou a “Mysterious Light” e uma roupagem muito diferente na “Amadeo (The Return Of Winter)”. Surgiu também outra música que esteve quase a entrar no CD mas já não havia mais dinheiro. Não tinha nome mas era ainda mais pesada que a “New Blood“ ou a “Mysterious Light”. Seria então um tema mesmo à Doom/Death com laivos de Black, e por aí ficava. Pode-se dizer que os Sacred Tears praticavam um som às vezes a roçar o Doom, outras o Death, mas o Gótico parecia estar extremamente presente, talvez pelo som ser muito melódico. De referir que não foram elementos “forçados” na nossa música. De facto, saiu tudo naturalmente e se os Sacred Tears continuassem com os seus pilares o som seria mesmo esse - Doom/Death/Gothic
E consegues apontar nomes de bandas como referência?
Pessoalmente, sempre tive como influência para compor Opeth, Lacrimosa, Therion, My Dying Bride, Desire, etc. O Ruben Ferreira tinha como influências algo mais dentro do progressivo e Heavy Metal, bandas como Dream Theater, Metallica, Opeth, etc. Essas misturas creio que resultaram em algo que os Media classificam como uma mistura entre Crematory e Heavenwood. Como podes ver, foi totalmente ocasional, pois nenhuma das bandas serviram como referência.
Liricamente, existe algum fio condutor?
Não creio, embora normalmente as temáticas abordadas pelas bandas praticantes desse género sejam muito semelhantes. Pessoalmente, como letrista na “New Blood” e “Mysterious Light” as únicas inspirações foram experiências pessoais minhas. No entanto, na “New Blood” misturei-as com influências do livro "O Vampiro Lestat" de Anne Rice. Mesmo a “The Return Of Winter”, que fora escrita pelo antigo vocalista Paulo Pacheco, conta experiências pessoais, mas contadas de uma forma muito metafórica. Se houver algum fio condutor será apenas no aspecto temático que é praticamente comum no Doom, Goth.
A nível promocional como esta a ser divulgada a demo?
Bem, devido a estar neste momento sozinho neste “barco”, a demo apenas está a ser divulgada num número muito restrito de entidades, mas posso adiantar que apostei em duas rádios e algumas fanzines e webzines. Claro que estando sozinho a minha lista de entidades a contactar ficou reduzido a uma ou duas dezenas.
E quanto às reacções que delas tens recebido?
Sinceramente, estou muito satisfeito! Até agora foram só críticas muito positivas e creio que isso deveria servir de impulso para que os restantes elementos dos Sacred Tears continuassem o seu trabalho. Pelo menos, e falo por mim, se ainda pertencesse à banda, face às reacções positivas ficaria com muito mais vontade de batalhar para que os Sacred Tearas fizessem mais e melhor.
E a nível de editoras, estás a fazer promoção também?
Não, deixo isso para os restantes membros dos Sacred Tears, pois isso é muito mais do interesse deles do que meu. Estou a tentar promover ao fim ao cabo para poder ter o retorno do dinheiro que investi que foram umas largas centenas de euros. Isso pode soar um pouco "mau" mas não estando na banda o meu objectivo será quase, unicamente, esse. Ao fim ao cabo eles é que tiram o proveito, pois é o nome da banda deles que está nas revistas e eu, no final de contas, nunca vou conseguir recuperar todo o dinheiro investido.
Portanto, não pões em hipótese um regresso?
Ponho mas não a curto prazo. Contudo, para se pôr essa hipótese teria de haver uma remodelação não muito grande no seio da banda para que as coisas pudessem funcionar. E digo-te, quase que em exclusivo, que a remodelação ia ser feita, mas na hora "H" houve membros que deixaram “cair os tomates”. Perdoa-me o termo mas não há outro... e voltaram atrás com a sua decisão. Se assim não tivesse sido os Sacred Tears estariam na sua melhor forma e quem sabe numa mini-tournée a apresentar a demo.
E mesmo da parte da restante banda, pensa-se em arranjar concertos? Tens conhecimento de alguma coisa ou não manténs qualquer tipo de contacto com eles?
Não mantenho contacto com eles, mas pelo que soube eles tentaram arranjar novos elementos ou estão tentando, mas não sei, de facto, se arranjaram. Também pelo que sei desde a minha saída, nunca mais ensaiaram e parece que a vocalista também abandonou a banda, mas não tenho certezas de nada.
Quanto ao teu futuro como músico, uma vez que estás fora dos Sacred Tears, o que podemos esperar da tua parte?
Bem, para já encontro-me a colaborar com os In Peccatvm, com os quais estou bastante satisfeito visto ser fã da sonoridade deles. Fora isto tenho o meu próprio projecto a solo - A Dream of Poe – no qual vou construindo as minhas coisas, mas se esse projecto alguma vez irá ser apresentado ao vivo isso já não te sei dizer...
Para finalizar, algum comentário relativamente ao estado musical dos Açores?
Bem, eu acho que a cena metaleira regional está repleta de talentos. Temos de facto muito boas bandas que deveriam ser mais reconhecidas, mas isso também depende das próprias bandas. E continuo a criticar, de forma construtiva claro, o facto de algumas bandas se sentarem à “sombra da bananeira” à espera que as oportunidades lhes caíam do céu. Acho que no nosso panorama é preciso ser-se muito activo. De facto, ouvem-se bandas a dizer que sai caro ir para estúdio gravar e não fazem nada mais do que lamentarem-se dos preços de gravação no nosso arquipélago e, como tal, não têm material com qualidade suficiente para procederem a uma divulgação, não só nos Açores como fora dele. Contudo, acho que acaba por ser uma questão de “amor á camisola”, pois agora com a Neburrecords essa desculpa já não serve. Ora vejamos, cada tema custa 150€, sem limite de tempo. Uma banda normalmente é constituída por quatro elementos... se dividirmos 150€ por quatro dá 37.5€ o que creio ser uma quantia acessível a todos. Portanto, o conselho que dou: é juntem uns trocos e gravem pelo menos um tema para se poderem divulgar, participar em compilações, etc. Afinal de contas não são todas as bandas que têm um estúdio com a qualidade dos Neburrecords, disponível por 150€/tema. Acho que só havendo esse esforço de parte das bandas é que a cena açoriana poderá evoluir e colocar-se ao lado das bandas do continente. Outro aspecto menos bom e que gostaria de ver alterado, para bem das bandas, é a presença em palco e o seu visual. De facto, poucas são as bandas que reconheço terem uma presença em palco capaz de cativar o espectador. Posso referir os incontornáveis Morbid Death, os Trauma Prone que pelos seus intervenientes outra coisa não seria de esperar, Stampkase e Psy Enemy. Estes são sem dúvida, para mim, aqueles que mais fazem mexer o público. A presença em palco é muito importante para o público não se sentir a fazer um frete. Nós queixamo-nos que o público açoriano não adere, não vai ao mosh, mas isso tem de partir das bandas. Se as bandas estiverem feitas “espetos de pau” em cima do palco, bem podem esperar espectadores na mesma figura. Caso a banda estiver a curtir, se tiver uma presença em palco dinâmica, com certeza que haverá muitos que irão estar no mosh. As bandas acabam por receber o que dão.
www.sacredtears.net
Claro, isso agora passa a ser uma pergunta da praxe![risos] Bem, as coisas já estavam pela cepa torta há algum tempo, na realidade desde que começaram as gravações. A partir daí o ambiente nunca mais foi o mesmo, pelo menos para mim...
Mas houve inclusive membros que ficaram de fora da gravação quando ninguém esperava...
Em relação ao Fábio Alonso [guitarrista ritmo] e ao Ricardo Botelho as decisões de não gravarem foram exclusivamente deles. O Nélio Tavares [vocalista], por motivos pessoais, não conseguiu gravar em cinco meses de estúdio. Após eu lhe ter comunicado que tinha saído da banda, ele aproveitou para me agradecer a oportunidade de ter voltado a sonhar pisar um palco. De facto, foi do Nélio que tive mais pena que saísse, pois ele vivia a música mesmo, mas os seus problemas pessoais tornaram a convivência entre nós impossível. Em relação à Susana [vocalista] – o caso que causou mais polémica – não havia muita disponibilidade da sua parte para os ensaios, para o estúdio e todas aquelas coisas que implicam estar-se numa banda. Quando as gravações estavam quase a terminar com o António Neves [vocalista In Peccatvm], ponderei não usar voz feminina na demo. Mas se tivesse que usar, a primeira pessoa que contactaria, nem que fosse para saber qual a sua disponibilidade, era a Susana. Contudo, houve comentários menos felizes tanto da Susana como do Fábio em relação a mim e isso revoltou-me profundamente, e daí ter decidido que a Susana não seria a vocalista a gravar. Ambos foram informados do motivo da minha decisão. Mas foi uma situação muito complicada porque já sabia, à priori, que isso iria despontar mais polémica e revolta nos restantes membros da banda. Outro motivo que me revoltou também foi o facto de nunca se terem mostrado interessados em saber quem ia substituir o Nélio ou em dar alguma sugestão. Quando souberam que as vozes masculinas estavam gravadas e finalizadas é que se mostraram entusiasmados, querendo saber quando a Susana ia gravar. Isto são dados até agora nunca revelados, apesar de tudo o que já tem sido dito sobre esse assunto...
Segundo declarações da Susana, esta afirma não ter tido conhecimento de que ia ser substituída nas gravações por outra vocalista e que só se apercebeu disso quando a própria demo saiu...
De facto, ela não teve conhecimento de quem iria gravar, pois já lhe tinha dito via MSN que não iria gravar. Se ela entendeu que a gravação não iria ter voz feminina, aí terá sido falha de interpretação dela. Eu imagino que tenha sido um pouco frustrante para a sua parte quando ouviu a “The Return Of Winter” com outra voz feminina, mas eu acho que já que se tem um sonho muito grande convém lutar por ele e não ficar sentadinho è espera que as coisas caiam do céu.
Há bocado referias que o guitarrista ritmo e o baixista não quiseram gravar... Explica-me melhor isso.
Bem, começando pelo baixista: este foi adiando a sua entrada em estúdio por questões pessoais. Mas depois os motivos mostraram-se mais que esses. Ele não se sentia preparado para gravar, tanto tecnicamente como psicologicamente. Levou algum tempo até nos dizer isso, mas felizmente disse. Pediu então que o Ruben Ferreira [guitarrista solo] tentasse gravar o baixo. Mas já lá iam cinco anos que o Ruben não tocava baixo. Então o Ruben Moniz [produtor] sugeriu-nos o Nuno Pacheco [baixista A Different Mind] como músico de estúdio e assim foi. Em relação ao Fábio Alonso, na primeira versão das gravações nós marcámos uma hora para ele vir connosco para estúdio para terminar três músicas. Claro que, num cenário de estúdio, acabas por não teres horas para terminar... optou por faltar por causa das aulas no dia seguinte. Contudo, a sua opção acabou, mais tarde, por resultar numa revolta dele contra mim, com direito a comentários como “tens o rei na barriga”... Essa confusão resultou também na danificação da sua guitarra – uma Jackson nova comprada com o orçamento da banda. Foi neste episódio que as coisas para mim deixaram de ter sentido. Após esta triste ocorrência continuámos as gravações e, por conselho do Ruben Moniz, regravámos as guitarras. Mais uma vez o Fábio foi contactado, mas optou de novo por não gravar, não dando qualquer tipo de justificação. Apontou apenas para que o Ruben gravasse tudo.
Como surgiu a ideia de recorrer ao António Neves e à Joana Cabral para gravar?
Em relação ao António, eu já era admirador de In Peccatvm e continuo a ser e, de facto, era das poucas vozes ainda no activo que, na minha opinião pessoal, se enquadrava mais no estilo dos Sacred Tears. Não tinha um contacto directo com o António, mas como conhecia o André Gouveia [baixista dos In Peccatvm] foi só uma questão de ele me fornecer o seu contacto e, logo à primeira, o António mostrou-se disponível para gravar. Em relação à Joana, eu já sabia que ela cantava. Foi tudo uma questão de eu fazer umas experiências com ela a ver se a voz dela correspondia àquilo que procurava e, de facto, correspondeu. Ela ficou um pouco incrédula com o convite, mas aceitou apesar de ser uma pessoa muito tímida.
Os quatro temas que compõem “Whispers Of Loneliness” representam um fase estilística bastante diferente daquela inicial, quando se formaram em 2002. Como descreves o som dos Sacred Tears hoje em dia?
Sim, de facto houve uma mutação de som muito grande. Começámos com algo tipo Heavy Metal com laivos de Gótico e um pouco ambiental também. Depois de entradas e saídas, passámos a 240kmh pelo Power Metal mas não era para isso que estávamos vocacionados. Então depois, com entrada do novo baterista, começámos numa toada mais agressiva e que veio a provar que seria aquele tipo de som com o qual estávamos mais à vontade. Assim surgiram músicas como a “New Blood” ou a “Mysterious Light” e uma roupagem muito diferente na “Amadeo (The Return Of Winter)”. Surgiu também outra música que esteve quase a entrar no CD mas já não havia mais dinheiro. Não tinha nome mas era ainda mais pesada que a “New Blood“ ou a “Mysterious Light”. Seria então um tema mesmo à Doom/Death com laivos de Black, e por aí ficava. Pode-se dizer que os Sacred Tears praticavam um som às vezes a roçar o Doom, outras o Death, mas o Gótico parecia estar extremamente presente, talvez pelo som ser muito melódico. De referir que não foram elementos “forçados” na nossa música. De facto, saiu tudo naturalmente e se os Sacred Tears continuassem com os seus pilares o som seria mesmo esse - Doom/Death/Gothic
E consegues apontar nomes de bandas como referência?
Pessoalmente, sempre tive como influência para compor Opeth, Lacrimosa, Therion, My Dying Bride, Desire, etc. O Ruben Ferreira tinha como influências algo mais dentro do progressivo e Heavy Metal, bandas como Dream Theater, Metallica, Opeth, etc. Essas misturas creio que resultaram em algo que os Media classificam como uma mistura entre Crematory e Heavenwood. Como podes ver, foi totalmente ocasional, pois nenhuma das bandas serviram como referência.
Liricamente, existe algum fio condutor?
Não creio, embora normalmente as temáticas abordadas pelas bandas praticantes desse género sejam muito semelhantes. Pessoalmente, como letrista na “New Blood” e “Mysterious Light” as únicas inspirações foram experiências pessoais minhas. No entanto, na “New Blood” misturei-as com influências do livro "O Vampiro Lestat" de Anne Rice. Mesmo a “The Return Of Winter”, que fora escrita pelo antigo vocalista Paulo Pacheco, conta experiências pessoais, mas contadas de uma forma muito metafórica. Se houver algum fio condutor será apenas no aspecto temático que é praticamente comum no Doom, Goth.
A nível promocional como esta a ser divulgada a demo?
Bem, devido a estar neste momento sozinho neste “barco”, a demo apenas está a ser divulgada num número muito restrito de entidades, mas posso adiantar que apostei em duas rádios e algumas fanzines e webzines. Claro que estando sozinho a minha lista de entidades a contactar ficou reduzido a uma ou duas dezenas.
E quanto às reacções que delas tens recebido?
Sinceramente, estou muito satisfeito! Até agora foram só críticas muito positivas e creio que isso deveria servir de impulso para que os restantes elementos dos Sacred Tears continuassem o seu trabalho. Pelo menos, e falo por mim, se ainda pertencesse à banda, face às reacções positivas ficaria com muito mais vontade de batalhar para que os Sacred Tearas fizessem mais e melhor.
E a nível de editoras, estás a fazer promoção também?
Não, deixo isso para os restantes membros dos Sacred Tears, pois isso é muito mais do interesse deles do que meu. Estou a tentar promover ao fim ao cabo para poder ter o retorno do dinheiro que investi que foram umas largas centenas de euros. Isso pode soar um pouco "mau" mas não estando na banda o meu objectivo será quase, unicamente, esse. Ao fim ao cabo eles é que tiram o proveito, pois é o nome da banda deles que está nas revistas e eu, no final de contas, nunca vou conseguir recuperar todo o dinheiro investido.
Portanto, não pões em hipótese um regresso?
Ponho mas não a curto prazo. Contudo, para se pôr essa hipótese teria de haver uma remodelação não muito grande no seio da banda para que as coisas pudessem funcionar. E digo-te, quase que em exclusivo, que a remodelação ia ser feita, mas na hora "H" houve membros que deixaram “cair os tomates”. Perdoa-me o termo mas não há outro... e voltaram atrás com a sua decisão. Se assim não tivesse sido os Sacred Tears estariam na sua melhor forma e quem sabe numa mini-tournée a apresentar a demo.
E mesmo da parte da restante banda, pensa-se em arranjar concertos? Tens conhecimento de alguma coisa ou não manténs qualquer tipo de contacto com eles?
Não mantenho contacto com eles, mas pelo que soube eles tentaram arranjar novos elementos ou estão tentando, mas não sei, de facto, se arranjaram. Também pelo que sei desde a minha saída, nunca mais ensaiaram e parece que a vocalista também abandonou a banda, mas não tenho certezas de nada.
Quanto ao teu futuro como músico, uma vez que estás fora dos Sacred Tears, o que podemos esperar da tua parte?
Bem, para já encontro-me a colaborar com os In Peccatvm, com os quais estou bastante satisfeito visto ser fã da sonoridade deles. Fora isto tenho o meu próprio projecto a solo - A Dream of Poe – no qual vou construindo as minhas coisas, mas se esse projecto alguma vez irá ser apresentado ao vivo isso já não te sei dizer...
Para finalizar, algum comentário relativamente ao estado musical dos Açores?
Bem, eu acho que a cena metaleira regional está repleta de talentos. Temos de facto muito boas bandas que deveriam ser mais reconhecidas, mas isso também depende das próprias bandas. E continuo a criticar, de forma construtiva claro, o facto de algumas bandas se sentarem à “sombra da bananeira” à espera que as oportunidades lhes caíam do céu. Acho que no nosso panorama é preciso ser-se muito activo. De facto, ouvem-se bandas a dizer que sai caro ir para estúdio gravar e não fazem nada mais do que lamentarem-se dos preços de gravação no nosso arquipélago e, como tal, não têm material com qualidade suficiente para procederem a uma divulgação, não só nos Açores como fora dele. Contudo, acho que acaba por ser uma questão de “amor á camisola”, pois agora com a Neburrecords essa desculpa já não serve. Ora vejamos, cada tema custa 150€, sem limite de tempo. Uma banda normalmente é constituída por quatro elementos... se dividirmos 150€ por quatro dá 37.5€ o que creio ser uma quantia acessível a todos. Portanto, o conselho que dou: é juntem uns trocos e gravem pelo menos um tema para se poderem divulgar, participar em compilações, etc. Afinal de contas não são todas as bandas que têm um estúdio com a qualidade dos Neburrecords, disponível por 150€/tema. Acho que só havendo esse esforço de parte das bandas é que a cena açoriana poderá evoluir e colocar-se ao lado das bandas do continente. Outro aspecto menos bom e que gostaria de ver alterado, para bem das bandas, é a presença em palco e o seu visual. De facto, poucas são as bandas que reconheço terem uma presença em palco capaz de cativar o espectador. Posso referir os incontornáveis Morbid Death, os Trauma Prone que pelos seus intervenientes outra coisa não seria de esperar, Stampkase e Psy Enemy. Estes são sem dúvida, para mim, aqueles que mais fazem mexer o público. A presença em palco é muito importante para o público não se sentir a fazer um frete. Nós queixamo-nos que o público açoriano não adere, não vai ao mosh, mas isso tem de partir das bandas. Se as bandas estiverem feitas “espetos de pau” em cima do palco, bem podem esperar espectadores na mesma figura. Caso a banda estiver a curtir, se tiver uma presença em palco dinâmica, com certeza que haverá muitos que irão estar no mosh. As bandas acabam por receber o que dão.
www.sacredtears.net
Nuno Costa