Especial Peter Steele
R.I.P. [1962-2010]
Desta vez foi a sério. Se o sarcasmo e o humor mórbido sempre foram imagens de marca dos Type O Negative, que é como quem diz, de Peter Steele [principal ideólogo do grupo oriundo de Brooklyn], os comunicados publicados no dia 15 de Abril de 2010 pelos seus integrantes deram como certo o desaparecimento do emblemático vocalista/baixista de ascendência polaca, russa e islandesa. Para desilusão de muitos, esta não se tratava de mais uma brincadeira semelhante àquela que se verificou em 2005 no site do grupo que ilustrava uma lápide com o nome de Steele. Na altura, depois de se especular que podia ter sido obra de um hacker, afinal tudo de se tratava de uma “graçola” da banda para assinalar a sua nova parceria editorial com a SPV Records.
Petrus T. Ratajczyk, “dois metros” de voz grave e retumbante sucumbe a uma paragem cardíaca na madrugada de 14 de Abril com 48 anos e deixa um legado artístico singular e influente. A platina com “Bloody Kisses”, o ouro com “October Rust” e um rating average invejável por uma discografia de sete álbuns, onde até se pode cometer o absurdo de incluir um “híbrido” disforme chamado “The Origin Of The Feces”.
Desde cedo foi perfeitamente perceptível a excentricidade de Steele, quer pelas suas atitudes pessoais quer musicais. Incluir gemidos femininos orgásticos, sons de cassetes a enrolar e discos riscados, até meras faixas de silêncio para fazer “troça” dos ouvintes, acabava por ser muito pouco para quem assinou, por exemplo, uma capa como a de “The Origin Of The Feces”. Já para não falar dos nomes dos temas, alguns demasiado extensos para serem aqui enunciados, a exemplo de “I Know You’re Fucking Someone Else”, “Kill All The White People” ou “Halloween In Heaven”, entre muitos outros de uma agudeza irónica ou provocativa que ajudou em muito a estabelecer, acima de tudo, um perfil. Mesmo assim a maluqueira maior terá sido mesmo a de agarrar num fundo de uma editora destinado a gravar um disco ao vivo e, em vez disso, segundo ficou para a história, comprar vodka e promover festas e orgias. Terá sido por isso concebido “The Origin Of The Feces”… na cave do teclista Josh Silver, em vez de Brighton Beach, com um ambiente simulado [e até faixas já gravadas com outro nome].
O sentido perverso e erótico de próprio Steele poderá também tê-lo motivado a posar para a revista “Playgirl”, mas sabendo da sua personalidade poderá muito bem ter sido uma eficaz forma de “fazer pela vida”, promover a sua banda ou… simplesmente divertir-se. Com Steele praticamente nada era um dado adquirido. Era, manifestamente, um personagem imprevisível.
Pese embora o som obscuro que compunha, chegando a ser profundamente depressivo em “World Coming Down” [1999], o músico preferia descrever a sua arte como “trevas regadas de humor” e até não se achava uma pessoa melancólica ou com tendências suicidas. No entanto, em outras ocasiões confessou que tinha fantasias homicidas-suicidas com namoradas… A verdade é que a morte de vários familiares próximos, pouco depois do lançamento de “October Rust” originou uma fase muito conturbada da sua vida, bem expressa na aura que emana de “World Coming Down”. Nesta fase o antigo funcionário do New York City Parks Department, onde a certa altura da sua vida foi condutor de camiões de lixo, entrega-se ao álcool e expurga todos os seus demónios em composições verdadeiramente tocantes.
Em 2003, por altura do lançamento de “Life Is Killing Me”, Peter enfrenta problemas com a lei e é condenado, ainda que por pouco tempo, a pena de prisão por posse de narcóticos. O seu vício pelas drogas empurra-o para uma clínica de reabilitação e, já em 2005, “desaparece” por algum tempo sem deixar rasto – o que deu azo a novos boatos sobre a sua morte. Na verdade, encontrava-se num profundo estado de depressão e o próprio entregou-se aos cuidados de um hospital psiquiátrico. Ainda antes de lançar o seu derradeiro álbum, “Dead Again” [2007], cumpriu prisão por ter agredido um “rival amoroso” e é aconselhado pela família a voltar ao hospital. O flagelo do consumo de drogas conduzira-lhe a um estado de “paranóia” que lhe tirava o discernimento necessário.
A última das conhecidas “extravagâncias” de Steele foi mesmo ter-se confessado convertido ao catolicismo. “Não existem ateus nas trincheiras, costuma-se dizer, e fui um ateu de trincheira durante muito tempo. Depois de passar por uma crise de meia-idade e com muitas coisas a mudarem rapidamente, apercebi-me da minha mortalidade. E quando começa-se a pensar na morte, pensa-se também no que estará depois dela. A partir daí deseja-se que haja um Deus. Para mim, é um pensamento assustador ir para o “nada”. Também não consigo acreditar que pessoas como Estaline e Hitler estejam no mesmo lugar que Madre Teresa”, confessou Steele, em 2007, numa entrevista à Decibel Magazine.
Apesar da face mais debilitada e decadente de Steele, este sempre fora uma personalidade de convicções muito fortes e susceptível de ser admirada, sobretudo, pela sua competência artística. Neste momento, à semelhança do que já aconteceu com muitos outros ícones já desaparecidos, o Metal ficou irremediavelmente mais pobre. Que lhe saibam seguir e respeitar as pisadas. Aqui fica o nosso tributo e “minuto de silêncio”.
Nuno Costa
Desta vez foi a sério. Se o sarcasmo e o humor mórbido sempre foram imagens de marca dos Type O Negative, que é como quem diz, de Peter Steele [principal ideólogo do grupo oriundo de Brooklyn], os comunicados publicados no dia 15 de Abril de 2010 pelos seus integrantes deram como certo o desaparecimento do emblemático vocalista/baixista de ascendência polaca, russa e islandesa. Para desilusão de muitos, esta não se tratava de mais uma brincadeira semelhante àquela que se verificou em 2005 no site do grupo que ilustrava uma lápide com o nome de Steele. Na altura, depois de se especular que podia ter sido obra de um hacker, afinal tudo de se tratava de uma “graçola” da banda para assinalar a sua nova parceria editorial com a SPV Records.
Petrus T. Ratajczyk, “dois metros” de voz grave e retumbante sucumbe a uma paragem cardíaca na madrugada de 14 de Abril com 48 anos e deixa um legado artístico singular e influente. A platina com “Bloody Kisses”, o ouro com “October Rust” e um rating average invejável por uma discografia de sete álbuns, onde até se pode cometer o absurdo de incluir um “híbrido” disforme chamado “The Origin Of The Feces”.
Desde cedo foi perfeitamente perceptível a excentricidade de Steele, quer pelas suas atitudes pessoais quer musicais. Incluir gemidos femininos orgásticos, sons de cassetes a enrolar e discos riscados, até meras faixas de silêncio para fazer “troça” dos ouvintes, acabava por ser muito pouco para quem assinou, por exemplo, uma capa como a de “The Origin Of The Feces”. Já para não falar dos nomes dos temas, alguns demasiado extensos para serem aqui enunciados, a exemplo de “I Know You’re Fucking Someone Else”, “Kill All The White People” ou “Halloween In Heaven”, entre muitos outros de uma agudeza irónica ou provocativa que ajudou em muito a estabelecer, acima de tudo, um perfil. Mesmo assim a maluqueira maior terá sido mesmo a de agarrar num fundo de uma editora destinado a gravar um disco ao vivo e, em vez disso, segundo ficou para a história, comprar vodka e promover festas e orgias. Terá sido por isso concebido “The Origin Of The Feces”… na cave do teclista Josh Silver, em vez de Brighton Beach, com um ambiente simulado [e até faixas já gravadas com outro nome].
O sentido perverso e erótico de próprio Steele poderá também tê-lo motivado a posar para a revista “Playgirl”, mas sabendo da sua personalidade poderá muito bem ter sido uma eficaz forma de “fazer pela vida”, promover a sua banda ou… simplesmente divertir-se. Com Steele praticamente nada era um dado adquirido. Era, manifestamente, um personagem imprevisível.
Pese embora o som obscuro que compunha, chegando a ser profundamente depressivo em “World Coming Down” [1999], o músico preferia descrever a sua arte como “trevas regadas de humor” e até não se achava uma pessoa melancólica ou com tendências suicidas. No entanto, em outras ocasiões confessou que tinha fantasias homicidas-suicidas com namoradas… A verdade é que a morte de vários familiares próximos, pouco depois do lançamento de “October Rust” originou uma fase muito conturbada da sua vida, bem expressa na aura que emana de “World Coming Down”. Nesta fase o antigo funcionário do New York City Parks Department, onde a certa altura da sua vida foi condutor de camiões de lixo, entrega-se ao álcool e expurga todos os seus demónios em composições verdadeiramente tocantes.
Em 2003, por altura do lançamento de “Life Is Killing Me”, Peter enfrenta problemas com a lei e é condenado, ainda que por pouco tempo, a pena de prisão por posse de narcóticos. O seu vício pelas drogas empurra-o para uma clínica de reabilitação e, já em 2005, “desaparece” por algum tempo sem deixar rasto – o que deu azo a novos boatos sobre a sua morte. Na verdade, encontrava-se num profundo estado de depressão e o próprio entregou-se aos cuidados de um hospital psiquiátrico. Ainda antes de lançar o seu derradeiro álbum, “Dead Again” [2007], cumpriu prisão por ter agredido um “rival amoroso” e é aconselhado pela família a voltar ao hospital. O flagelo do consumo de drogas conduzira-lhe a um estado de “paranóia” que lhe tirava o discernimento necessário.
A última das conhecidas “extravagâncias” de Steele foi mesmo ter-se confessado convertido ao catolicismo. “Não existem ateus nas trincheiras, costuma-se dizer, e fui um ateu de trincheira durante muito tempo. Depois de passar por uma crise de meia-idade e com muitas coisas a mudarem rapidamente, apercebi-me da minha mortalidade. E quando começa-se a pensar na morte, pensa-se também no que estará depois dela. A partir daí deseja-se que haja um Deus. Para mim, é um pensamento assustador ir para o “nada”. Também não consigo acreditar que pessoas como Estaline e Hitler estejam no mesmo lugar que Madre Teresa”, confessou Steele, em 2007, numa entrevista à Decibel Magazine.
Apesar da face mais debilitada e decadente de Steele, este sempre fora uma personalidade de convicções muito fortes e susceptível de ser admirada, sobretudo, pela sua competência artística. Neste momento, à semelhança do que já aconteceu com muitos outros ícones já desaparecidos, o Metal ficou irremediavelmente mais pobre. Que lhe saibam seguir e respeitar as pisadas. Aqui fica o nosso tributo e “minuto de silêncio”.
Nuno Costa