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As torturas da Moda

O cenário era campestre e romântico, exactamente como a famosa marca internacional imaginou para o catálogo da sua colecção de Primavera/Verão de 2010. A modelo era jovem - de apenas 17 anos - e tinha a pele clara e os cabelos loiros muito longos, como tinha sido pedido à agência portuguesa. Os vestidos leves e esvoaçantes, ao estilo hippie-chic, estavam pendurados em cabides num charriot e o cenário estava montado, com um escadote de madeira velha no meio de um campo de oliveiras.

Depois de ser maquilhada e penteada numa rulote com aquecimento, a modelo despiu o casaco de lã grossa e trocou-o por um dos vestidos leves de Verão com que teria de posar naquele dia gélido de Janeiro. Ficou arrepiada com a temperatura que fazia em Arraiolos, no Alentejo, às 8h30 da manhã, mas não se importou de fazer o sacrifício: aquele era o trabalho mais bem pago que a agência lhe tinha arranjado até então. Um dia - três mil euros.

"Queria lá saber se ficava constipada, isso não me incomodava. Partir o pé é que não estava nos planos", diz à SÁBADO a estudante de comunicação que prefere não revelar o nome ou denunciar a agência que a representava.

O incidente ocorreu logo no primeiro shooting: ao subir para o escadote, sentiu-se pouco segura por causa do piso irregular, da saia demasiadamente comprida e das sandálias com sola compensada. Mas não se queixou - no Porto, onde vive, tinha ouvido dezenas de vezes que aquela era uma oportunidade única para a sua carreira: protagonizar um catálogo que, meses depois, estaria espalhado pelas principais capitais da moda. Uma oportunidade que, logo que o pé falhou o degrau mais elevado, pensou que tinha perdido. "Quando caí, senti dores inacreditáveis. Olhei para o tornozelo e vi o osso fora do lugar. Percebi que tinha partido o pé."

Não foi levada imediatamente para o hospital mais próximo. Depois de se acalmar e de a levarem para a rulote, tentaram convencê-la a tirar só mais algumas fotografias, para não desaproveitar o fotógrafo que tinha vindo de Londres de propósito para a produção de moda. O tornozelo inchado e negro ficaria tapado com as saias compridas e ela podia posar sentada, encostada a uma árvore ou ao escadote.

A modelo, cheia de dores, nem queria acreditar na proposta. "Telefonei para a agência a queixar-me e a pedir ajuda e a resposta do lado de lá ainda me surpreendeu mais: disseram-me que era uma pena desperdiçar aquele trabalho, aquele dinheiro todo. Era um dos clientes mais importantes, devia lembrar-me disso quando parasse de chorar e tomasse a minha decisão." Em algumas agências, os manequins têm um seguro para este tipo de acidentes. Mas esta só dá essa garantia aos modelos mais antigos e famosos.

"Eu não tinha maneira de me ir embora sozinha, estava longe de casa, não tinha dinheiro no telemóvel para chamar um táxi... Acabei por ceder", confessa arrependida nove meses depois. "E não fiz mais algumas fotografias como tinham prometido - fiquei o dia inteiro, até começar a anoitecer." A manequim tomou cinco analgésicos e pôs gelo no pé nos intervalos, mas dificilmente conseguiu disfarçar as dores enquanto o flash disparava. Quando finalmente chegou ao hospital, o médico ficou impressionado com o tempo que estivera naquele estado. "Andei com gesso e muletas quatro meses." O catálogo, que os pais gostam de exibir aos amigos, saiu em Maio e tem apenas quatro fotografias suas, em vez das 20 a 25 previstas.

Vera Moura
in Sábado

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