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Entrevista Androniki Skoula

ALIANÇAS DIVINAS
“O metal e a música clássica estão entre os poucos géneros musicais em que o rigor técnico está em concorrência coerente com uma composição criativa.”

A comunhão de princípios entre o metal e a música clássica são a base para muitas pródigas colaborações. Por este prisma encontramos a imponente voz e personalidade da mezzo-soprano grega Androniki Skoula a dar corpo a temas dos conterrâneos Septic Flesh e Rotting Christ. A justa homenagem feita ao seu talento, tem seguimento nos Chaostar, uma arrojada mistura de música sinfónica e extrema, idealizada pelo guitarrista Christos Antoniou (Septic Flesh). Porque nem só de guturais vive o metal, fomos falar com uma devota de Maria Callas que tem emprestado uma dimensão multicéfala a vários projectos extremos.

Você teve alguma influência externa para ingressar no mundo da música (pais, amigos) ou foi autónoma nesse aspecto?
Não tive qualquer influência da minha família. Pode soar estranho, mas os meus familiares mais próximos não têm qualquer relação com a música ou alguma vez tiveram tendência de se aproximar dela. Isso sem mencionar a música clássica em particular, que lhes completamente desconhecida, a todos os níveis. Ao contrário deles, expressei o meu amor pelo piano e pelo canto desde muito cedo. Apenas o meu avô, que era um músico auto-didacta, detectou a minha inclinação para a música e encorajou-me ferozmente a cantar. Ele foi o único que me deu como presente um piano que ainda tenho em casa.

A sua paixão começa a revelar-se concretamente em que idade e como? Há relatos de algum episódio engraçado?
Era muito jovem, não tinha mais do que cinco anos, quando comecei a expressar a minha afeição pela música. Parecia que tinha nascido com uma tendência interior e imparável para cantar. Estava a divertir-me muito e a minha família começou a aperceber-se de que aquilo eram os meus primeiros passos no meu futuro envolvimento com a música. Não registo nenhum acontecimento específico que me tenha puxado para esse ramo. Dei por mim a cantar tudo o que ouvia. Talvez se tenham dado alguns episódios engraçados que estejam registados em vídeo (a minha mãe tem uma obsessão por câmaras), em que eu estou a cantar aos cinco anos agarrada a uma escova do cabelo a fazer de microfone – continuo a fazer isso quando estou praticando.

Os seus pais apoiaram-na então sempre, apesar de saberem que a música é uma vida algo arriscada…
Os meus pais apoiaram-me totalmente durante todos estes anos em que estou envolvida na música. O seu contributo tem sido muito valioso. O interessante é que os meus pais e parentes mais próximos não têm relação nenhuma com a música. Os meus pais, em particular, são totalmente indiferentes a essa realidade e agora parece-me claro que foram apenas pacientes, esperando provavelmente que algum dia a minha “pancada” pela música passasse. Mas, aparentemente, esta não vai parar. Inclusive, os meus pais estão sempre a apoiar-me no meu desejo de combinar a minha primeira profissão como arquitecta com a de cantora. Graduei-me há dois anos como arquitecta na National Technical University of Athens, algo que realmente desejava e pelo qual lutei muito. Mas eles nunca me pediram para renunciar ao meu amor pela música em prol da arquitectura. Também por isso eles merecem o seu crédito.

A sua infância talvez não tenha sido igual à de muitas crianças. Tinha ainda tempo para brincar ou as suas “brincadeiras” tinham sempre que ver com música, já que desde tenra idade começou a frequentar o conservatório?
É verdade que uma criança que tem tendência a se envolver em múltiplas actividades não tem tanto tempo livre como as outras crianças. Posso dizer que fui uma delas, embora não sinta que não tive tempo livre suficiente. Divertia-me frequentemente, fazendo amigos e sociabilizando. Aproveitei aqueles anos como uma criança normal. O que eventualmente diferenciava era o meu extremo sentido de responsabilidade em relação a tudo em que me envolvia. Fui eu própria que escolhi estudar música e arquitectura, e não havia espaço a desculpas e falhas. Tomei as minhas decisões enquanto criança, portanto tinha que uma maneira de combinar algum tempo livre com intenso estudo. Sei que essa forma de lidar com a vida parece stressante. Admito que esta era a única coisa que me faltava: serenidade mental em detrimento de muitas ideias stressantes que eu impunha a mim própria.

Até que ponto acha que o conservatório é responsável pelo seu desempenho vocal?
Todo o desempenho vocal deve-se a um estrito e persistente trabalho no conservatório. Neste ponto, gostaria de salientar que existem muitas noções erradas em torno desse assunto. As pessoas tendem a dizer que o sucesso em um campo é devido a um talento herdado, mas isso é completamente errado! O talento não é suficiente. Sei que é difícil para muitas pessoas aceitá-lo, mas na vida só um trabalho forte e persistente nos recompensa, após anos. Uma pessoa talentosa tem de trabalhar as suas capacidades de todas as maneiras. Talvez seja o conservatório ou muitas horas de treino por dia, mas a verdade é que existem formas de procurarmos melhorias. Para nós, os cantores de ópera, é adquirido o desenvolvimento técnico no conservatório é de importância máxima. Uma grande voz que deseja cantar obras de Verdi e Mozart tem que estar exaustivamente treinada no conservatório. Trabalhar lá tem duas dimensões. O que eu já referi tem a ver com a melhoria da técnica e a familiarização para com as exigências de cada compositor perante o aluno. A outra dimensão, a mais negligenciada mas de grande importância, tem que ver com o facto de o conservatório apresentar-nos a Era musical e seus variados aspectos. Estar num conservatório significa que o aluno fará o seu primeiro contacto com instrumentos, compositores clássicos, música moderna, colegas com opiniões diferentes sobre música, professores com exigências diferentes e, finalmente, graduam-se com uma total concepção total de música. Para mim isso é o mais importante, pois no futuro todos esses conhecimentos serão frutíferos se o aluno tiver, naturalmente, potencial.

Enquanto muito jovem, nunca se importou por música dita “normal” da idade? Digamos que teve sempre uma mentalidade madura nesse aspecto?
A resposta é negativa. Estou aberta a todos os sons musicais e a experimentação. Desde criança que nunca discriminei estilos musicais. Interesso-me por todos os sons que me pareçam interessantes, por isso não me estou a referir a alguns géneros como música “normal”. Se te referes a música mainstream, posso dizer que existem por aí alguns exemplos que provam que alguns artistas sofrem de um estigma específico numa época musical específica.

Tanto quanto sei, o seu maior ídolo é Maria Callas. Ouvi-a já aos cinco anos?
Na verdade, Maria Callas é o meu derradeiro protótipo… “La Divina” como habitualmente nos referimos a ela. É engraçado, mas eu nunca ouvi ópera até aos 17 anos. Acredito que a maioria das pessoas envolvidas na música clássica tenham uma influência significativa da sua família ou foram levadas a ouvi-la por outros. No meu caso isso não aconteceu. Primeiro comecei a avaliar os sons clássicos à volta da época da Maria Callas. Claro que antes eu estava familiarizado com a música clássica apenas por estudar piano, mas ópera era algo desconhecido para mim. Adorava escutar peças de piano de Choplin, Shubert, Bach, entre outros, mas a minha sabedoria em relação a óperas era muito ténue. Então depois de chegar aos 17 anos, percebi que tinha que fazer algo mais com a minha voz e, sucessivamente, comecei a ouvir ópera. Depois de algum tempo tornou-se uma obsessão. Hoje é para mim uma forma de viver. É incrível como as coisas mudam tão rapidamente na vida… Maria Callas, a derradeira cantora, a performer inultrapassável, “estigmatizou” a minha vida. Não se trate de uma cantora tecnicamente infalível, mas é, sobretudo, uma cantora com uma voz muito própria. Isso e extremamente difícil em ópera. A maioria das cantoras do género podem ser muito boas a cantar Verdi ou Puccini, mas a maioria carece de mostrar o seu próprio tom de voz. Callas era soberba nisso. Posso dizer que se derem a ouvir a um amante de ópera milhares de vozes operísticas, ele distinguirá de certeza a voz de Callas. É por isso que ela inspirou-me e influenciou-me tanto. Para mim ela é o “ventre” onde a severidade clássica encontra a emoção e a paixão, dando origem a tantas performances e obras-primas inesquecíveis. Como cantora este é exactamente o meu objectivo. Não obstante se canto bem ou mal, quero fazer as pessoas entenderem que sou eu própria a expressar as minhas emoções e pensamentos… e acho que essa é a parte mais difícil.

Como é que surge o interesse pela arquitectura?
Na verdade, a arquitectura foi o meu primeiro interesse, era uma das minhas maiores paixões e lutei muito para entrar para a universidade. Tendo em conta que tinha grande inclinação para a pintura e para o desenho arquitectónico, esta era, para mim, a profissão ideal. Apesar disso, quando somos jovens, não temos a experiência necessária para definir o nosso futuro. Nunca sabemos o que a vida nos reserva. Posto isto, quando tinha 12 anos, cheguei à conclusão que queria ser arquitecta enquanto estudaria música à parte. E foi o que fiz. Eventualmente, estou conseguindo combinar vários aspectos da minha vida profissional, e isso é muito interessante, embora extremamente cansativo. A arquitectura, na verdade, tem muitas coisas em comum com as artes, música e filosofia. Todos esses campos têm temas em comum, como o equilíbrio entre formas, quebrar regras que controlem a criatividade, procurar diversos e opostos aspectos do que academicamente aprendemos, revelando assim novas formas e ritmos estéticos, entre muitas outras coisas. Portanto, não é de estranhar que tenha sido atraída para este campo desde nova.

Se calhar menos óbvio ainda é o seu envolvimento com bandas de Metal. Como se tornou conhecida dos Rotting Christ e Sceptic Flesh ao ponto ser convidada para tocar nos seus discos?
O meu envolvimento com as referidas bandas é a melhor coisa que já me aconteceu até hoje, desde que a minha carreira foi posta em causa. Tenho que salientar que sem o seu apoio nada teria acontecido. A história toda começou quando fui apresentada como uma cantora com potencial ao Chris Antoniou (Septic Flesh) através do seu irmão Seth (Septic Flesh). O Chris estava à procura de um vocalista para os Chaostar e foi então que me solicitou para um ensaio. Ele parecia satisfeito comigo e rapidamente gerou-se uma cooperação e grande amizade. Como devem entender, os Chaostar representam um grande desafio para mim e é a melhor oportunidade para mostrar as minhas capacidades. Estarei sempre grata ao Chris pelo convite que me fez, independentemente do que vier a acontecer nos próximos anos. Então, quando Sakis Tolis (Rotting Christ) procurava uma segunda voz para o álbum “Aealo”, o Chris falou de mim. Nessa altura recebi um telefonema do Sakis a convidar-me para fazer segundas vozes. Concordei com grande prazer e logo consumei a minha primeira colaboração com bandas de Metal. A minha segunda colaboração foi no papel de vocalista secundária no último álbum dos Septic Flesh. Posso garantir que trabalhar com essas bandas é uma experiência muito boa para mim. Como cantora clássica foi mais do que um simples desafio encontrar formas de ir ao encontro das suas expectativas. Acredito copiosamente que as vozes secundárias são algo que tem que estar em absoluta concordância com os sons mais significativos e ter um idioma musical idêntico. Portanto, fui trocando ideias até as bandas estarem satisfeitas. A par das minhas colaborações, o mais importante agora é que a hora dos Chaostar chegou. A banda fará o seu primeiro concerto em Atenas no dia 8 de Janeiro com os Rotting Christ. Nesta ocasião mostraremos toda a nossa magia e paixão pela música. Sons muito particulares combinados com metal extremo e melodias caóticas, todos criados pelo Chris, farão a sua primeira aparição perante as pessoas que apoiam os Chaostar desde a sua formação. A banda tem uma carreira de sucesso há mais de 12 anos e agora teremos a apresentação de toda a sua massa musical pela primeira vez. Pessoalmente, comprometo-me a dar o melhor e estou certa que o público vai se divertir.

Já gostava de Metal antes dessas colaborações? Gosta também de outras bandas neste género?
Claro, já adorava metal antes das colaborações, mas admito que me fui interessando cada vez mais com o passar dos anos. É impressionante como se torna cada vez maior o meu desejo de conhecer as bandas de Metal mais antigas que nunca tive a oportunidade de ouvir ou acompanhar a evolução das bandas que já conhecia. Quer-me parecer que o metal tem tantos aspectos criativos e interessantes… Sempre adorei bandas como os Iron Maiden, Megadeth e Death, embora hoje as minhas preferências sejam totalmente orientadas para bandas como Gojira e Meshuggah. Adicionaria ainda às bandas referidas os Depeche Mode e Suede, as quais estão enquadradas noutra Era musical. Gosto de ter múltiplas preferências musicais e venerarei para sempre vozes como as de Bruce Dickinson, Lisa Gerard, David Gahan e Diamanda Galas.

Do conhecimento técnico e teórico que tem da música, particularmente, clássica, que paralelos estabeleceria com o Heavy Metal?
Indiscutivelmente o paralelismo entre o metal e a música clássica é muito preciso. Primeiro, ambos géneros combinam virtuosismo e capacidade de compor. Talvez possamos dizer que o metal e a música clássica estão entre os poucos géneros musicais em que o rigor técnico está em concorrência coerente com uma composição criativa. Um compositor de metal e um de música clássica não está contente só por escrever uns sons bonitos e imaginativos; exige também uma expressão extremamente cuidadosa. Isto não é uma coisa simples de fazer. É como tentar descobrir como, quando e porque os violinos fazem parte de uma composição e de que forma. Também esses dois géneros, na minha humilde opinião, têm grande tendência para transmitir uma mensagem global e épica ou questões que recorrentemente dominam as nossas vidas. Existe um vocabulário mental entre eles que pode ser combinado e acredito verdadeiramente que as cantoras de ópera têm lugar no universo metálico. Afinal… encontrem os vossos próprios paralelismos. A rapidez e o rigor técnico de um violino num concerto de Mozart não estão muito longe de uma guitarra eléctrica num concerto de metal.

Como está a correr o trabalho de gravação do primeiro álbum dos Chaostar?
Está a correr muito bem. Neste momento estamos muito concentrados no concerto com os Rotting Christ, mas ao mesmo tempo o Chris continua a trabalhar no álbum. Este trabalho é baseado numa ideia inovadora e arriscada, que aspira a abordar a antiga tragédia grega “Medea” através de um conceito “fresco”. O nosso objectivo é criar composições inspiradas pela tragédia grega, recorrendo a uma mistura clássica, ambiental e metálica, baseada na antiga língua grega. Portanto, este trabalho não pretende apenas reproduzir excertos de “Medea”; deseja sim mostrar a visão dos Chaostar sobre essa obra-prima grega. Decididamente não o lançaremos dentro de um ano, o que significa que nos aguarda muito trabalho.

É dito ainda que gosta muito de estudar várias culturas, o que a faz ter grande capacidade idiomática. Quer falar-nos disso?
É verdade, adoro dedicar-me a diferentes culturas, embora acredite que haja realmente muitas e muitas coisas que eu tenha que aprender. É evidente que me sinto privilegiada por estar tão familiarizada com a antiga civilização grega e, para além disso, acho muito interessante que através da arquitectura tenha tido a oportunidade de conhecer as artes e filosofias inglesas, francesas, alemãs, americanas, italianas e russas. O facto de falar muito bem francês ajudou-me a perceber a sua civilização e ideais. Sempre me entusiasmou a sua interpretação da vida, da liberdade, dos direitos humanos e da estética. O facto de em ópera se cantar em várias línguas, dependendo do compositor, é também um incentivo para aprendermos mais sobre outras civilizações.

Acha que se pudesse dedicava a sua vida ainda a mais áreas?
De momento, acredito que a arquitectura e o canto clássico são suficientes, mas não hesitaria a dedicar-me a outras áreas. Contudo, as minhas prioridades são os Chaostar e os meus estudos e quero dedicar-me a eles sem distracções.

Androniki tem o perfil de uma pessoa muito ambiciosa. Será um desejo de perfeição? Há quem sofra com isso…
Bom, considero-me sem reservas uma pessoa muito ambiciosa, independentemente de atingir sucesso. Baseio os meus ambiciosos planos num trabalho estrito e implacável, que me enchem de esperança em relação ao meu futuro. Tenho sempre uma enorme crença em mim e isso tem que ver com a nossa resistência perante as adversidades da vida. O trabalho incansável e incisivo, em qualquer que seja a área, é um poder que se acumula nas nossas vidas. Consequentemente, a perfeição não é apenas um conceito, mas uma estratégia para manter o equilíbrio entre nós e as nossas ambições. Respondendo mais directamente à questão, não tenho dúvidas de que qualquer tipo de ambição torna-se numa jornada stressante e dolorosa para aqueles que a procuram.

A solo, tem planos para editar algum trabalho?
A minha única prioridade no momento é os Chaostar. Considero-os um trabalho de equipa, muito mais importante do que um álbum a solo. Estou concentrada na promoção e introdução da imagem da banda e nada mais.

Nuno Costa

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