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Entrevista Dico

“Sou um estudioso compulsivo do Metal português”

Imbuído pelo seu amor à sabedoria e, particularmente, pelo Metal, Dico (ex-músico e jornalista) lança agora “Breve História do Metal Português”. Um arrojado e meticuloso projecto em que o seu autor, num nível de rigor e qualidade que lhe é reconhecido, traz à luz do novo século uma história com mais de 40 anos, muitas vezes deturpada e esquecida. Dico, deu a honra à SounD(/)ZonE de publicá-lo, numa série de textos que vai agora na sua segunda parte. E porque este é um projecto inédito em Portugal, façamos-lhe justiça com o devido reconhecimento e divulgação.

Como surge a ideia de escrever “Breve História do Metal Português”?
Propus-me cumprir este objectivo por volta de 2005 mas só em Julho de 2010 lancei mãos à obra, começando a pesquisar, a organizar a informação e a redigir os textos. Há já vários anos que me apercebi da urgência de dar a conhecer às pessoas toda uma história oculta e esquecida dos primórdios do Metal português. Inúmeros fãs e muitos jornalistas continuam a pensar que a música pesada nacional surgiu do nada nos anos 80, ignorando todo um percurso anterior com início na segunda metade dos anos 60. É nessa época que reside a verdadeira génese do Metal português. Fico estupefacto quando leio ou oiço dizer que os NZZN são pioneiros do Heavy Rock made in Portugal porque foram "os primeiros" a editar um single dentro do género. Já antes dos NZZN haviam editado discos bandas de Heavy Rock como os Beatnicks, Xarhanga, Psico, Heavy Band ou Arte & Ofício, para mencionar apenas algumas. Aliás, tive oportunidade de dar o meu testemunho sobre o tema para a tese de mestrado Distorções e Outros Malabarismos: A Música 'Heavy' em Portugal na década de 70 e a Categorização Musical (disponível para consulta na Biblioteca Nacional e na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa), de Miguel Almeida, que integrou a equipa de redactores da Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX na categoria de Metal. Mas voltando à pergunta, apesar de tudo o meu principal objectivo para realizar este projecto foi a minha própria satisfação, o gozo intelectual e cultural de aprender mais sobre o tema. Sou um estudioso compulsivo do Metal português.

Não tendo tido contacto directo com algumas das épocas e pessoas abordadas nesta reportagem, como tem decorrido o processo de documentação?
De facto, tendo eu 40 anos só possuo memória musical dos acontecimentos a partir dos 11 anos de idade, ou seja, desde 1982, mas nunca me limitei a ouvir música e a ver concertos. Sempre ambicionei muito mais do que isso, o que me levou, aos 12 anos, a comprar as minhas primeiras revistas de música. Rapidamente me tornei um coleccionador/comprador compulsivo de revistas, jornais e livros da especialidade, característica que mantenho até hoje e que, aliás, tem vindo a acentuar-se ainda mais, o que não é bom para a carteira. Sou ávido de informação musical. Essa condição permitiu-me reunir um acervo informativo respeitável ao longo dos anos, uma boa base de trabalho para os meus projectos. Mas é óbvio que a Internet e o considerável volume de registos áudio de bandas nacionais que possuo (embora não seja coleccionador de discos) ajudam bastante.

Como classificaria a importância deste trabalho para a comunidade Rock/Metal nacional, especialmente para a mais jovem?
Entendo que este trabalho de investigação é da maior relevância para o Metal português, não só porque reúne uma contextualização muito completa – a nível histórico, social, político e cultural/musical – mas também porque dá a conhecer bandas e situações completamente estranhas a muitos fãs. Mas a minha opinião é suspeita, obviamente. Contudo, a importância que as pessoas derem a este empreendimento advirá da sensibilidade que manifestarem para descortinar a real influência de “Breve História do Metal Português” no âmbito do nosso Underground.

Dos (poucos) meios que tem ao seu dispor, a elaboração de “Breve História do Metal Português” está a corresponder às suas metas previstas?
Não estabeleci propriamente metas, a não ser de intransigente rigor e exigência em todas as fases do processo. Em especial, os textos de contextualização histórica, social, política e musical das várias décadas têm-me dado imenso trabalho, muito mais do que poderia imaginar. Têm-se revelado enormes desafios, mas não poderia ser de outra forma. Era imperativo que os leitores mais jovens mergulhassem bem fundo na realidade das épocas retratadas para melhor entenderem a realidade musical de então. Só poderia consegui-lo fazendo uma contextualização transversal, completa e diversificada. Da mesma forma, há biografias, como as dos Beatnicks e dos Heavy Band que me tomaram imenso tempo, dada a existência de algumas fontes com informações contraditórias e pouco organizadas sobre estas bandas. De resto, os objectivos definidos foram meramente temporais, em termos de concretização das várias fases do projecto. Defini que entre cada texto teria que haver um intervalo de dois meses, mas ainda assim é pouco tempo. Por motivos profissionais e pessoais nem sempre é possível cumprir esse deadline. Por outro lado, os leitores dirão de sua justiça. Ficaram melhor informados após lerem as prosas sobre os anos 60 e 70? Sabem agora mais sobre as raízes do Metal português do que antes da sua publicação? Acham que este trabalho detém o nível de rigor e qualidade que lhe é exigido?

Sem querer desvendar surpresas, mas o que podemos esperar dos próximos capítulos deste projecto? Cada vez maior nível de detalhe, por exemplo?
O nível de detalhe irá manter-se, sem dúvida, pois essa é a única forma que conheço de trabalhar e mantê-la-ei sempre. Mesmo resumida, disponibilizo ao leitor 100% da informação de que disponho. Quanto aos conteúdos, o formato de biografia irá manter-se apenas até à primeira metade dos anos 80 e só para os agrupamentos menos conhecidos (por exemplo, não faz sentido biografar os Mac-Zac, posteriormente designados Tarântula, pois toda a gente conhece a banda). Decidi fazer as biografias de todos os grupos nacionais de Heavy/Hard Rock de que tive conhecimento fundados desde os anos 60 até 1983/84 porque a esmagadora maioria dos fãs desconhece a sua existência. Além disso, a informação disponível sobre esses grupos, mesmo na Internet, escasseia, daí que entendi justificar-se a elaboração das suas biografias. Pelo contrário, na medida em que as bandas surgidas na segunda metade dos anos 80 são sobejamente conhecidas dos fãs, tendo as suas biografias disponibilizadas em vários fóruns, sites, blogues (e, nalguns casos, em livros e revistas), não se justifica biografar cada uma delas, até porque seria um trabalho megalómano, tipo enciclopédia, do género daquele que fiz no blogue A a Z do Metal Português. Não é isso que pretendo com “Breve História do Metal Português”. Daí que, a partir de 1985, os textos de contextualização e de referência às bandas fundir-se-ão. Obviamente que este é um projecto dinâmico, que pode e deve ser actualizado sempre que se justifique, com referência aos grupos cuja existência entre os anos 60 e 80 haja entretanto sido descoberta. Aproveito ainda para te informar em primeira mão que pondero estender este trabalho até ao ano de 2010 e não apenas até 1995, como defini originalmente. No entanto, terei de avaliar se as minhas vidas pessoal e profissional me permitirão fazê-lo, pelo que a seu tempo confirmarei esta informação.

Aparentemente já tentou um projecto desses com o objectivo de o lançar em livro. Porque nunca se concretizou?
O projecto que referes era precisamente a enciclopédia A a Z do Metal Português. A publicação em livro nunca se concretizou porque nenhuma das várias editoras contactadas mostrou interesse em lançar a obra e os custos de autofinanciamento eram proibitivos, mesmo que em fotocópia.

Tem recebido feedback do trabalho?
Nada, zero. Já o esperava, aliás, pelo que iniciei a “Breve História do Metal Português” sem quaisquer expectativas, que mantenho. Basta ver que, até à data em que respondo a esta entrevista, o número de comentários nos posts dos artigos até agora publicados - relativos aos anos 60 e 70 - é zero. Nos posts em que publicitas o "Breve História do Metal Português" num fórum nacional de som pesado os comentários são igualmente inexistentes. Portanto, acho que pouco mais existe a dizer quanto ao feedback acerca deste trabalho. Não quero dizer que as pessoas não se interessem por ele, mas isto faz-me reiterar a opinião que tenho de que os portugueses continuam a pouco valorizar o que de bom se faz neste país, mesmo numa área tão específica como o Underground. De qualquer forma, reforço a ideia de que me lancei neste projecto por motivações meramente egoístas, para satisfazer a minha curiosidade e necessidade de aumentar ainda mais o meu conhecimento musical. Se houver quem aprecie o trabalho que me encontro a desenvolver óptimo, caso contrário o meu objectivo já terá sido cumprido: tenho imenso gozo a pesquisar e redigir "Breve História do Metal Português".

Este é o projecto jornalístico mais arrojado e exigente em que alguma vez se envolveu?
Não, a enciclopédia online A a Z do Metal Português era incomparavelmente mais ambiciosa e exigente, não só pela sua dimensão e natureza intrínseca mas pelo impressionante trabalho de pesquisa que envolvia. Era um empreendimento monumental, quase megalómano, que poderia ser actualizado diariamente, a tempo inteiro, como única actividade, ao longo de pelo menos quatro anos, seguramente. Sem falar com o trabalho de continuidade que envolveria, de forma quase permanente, dado que há sempre bandas a formar-se, a re-formar-se ou a encerrar funções, a sofrer mudanças de formação, a acrescentar itens à discografia, etc. Era um trabalho virtualmente infindável. Trabalhei nesse projecto quase cinco anos nas poucas horas vagas que tinha. Essa enciclopédia exigiu um enorme investimento de tempo e esforço mas deu-me um gozo indescritível fazê-la, embora não tenha chegado a terminá-la, até porque mais ninguém trabalhava comigo na sua elaboração. Era um projecto só meu, tal como o que é objecto desta entrevista. Prevejo que a "Breve História do Metal Português" me tome "apenas" 18 meses da minha vida, nos tempos livres, devendo estar concluída no final do ano ou no máximo em Janeiro/Fevereiro de 2012.

Nuno Costa

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