Os voyeurs do rock
Tudo começou de baixo, do ralo, das trevas. O heavy metal e o rock teriam que ver com o pólo oposto, com uma alternativa à subserviência cultural e intelectual, com a liberdade embandeirada em arco. Nada de superficialismos. Sellouts abominados e abomináveis. Em outras palavras a simplicidade aparente elevada ao quadrado: a humildade.
Já alguém dizia que do underground deve gloriar mas dele ninguém quer perpetuar. A hipocrisia surge nestes meandros quando nos confrontamos com a tentação do absoluto e dele queremos partilhar. Todas as verdades insofismáveis perdem assim o sentido e o dogma da autenticidade do rock perde-se.
Fiquei mais uma vez surpreendido pelo comportamento dos Guns’N’Roses na última presença no Rock In Rio 2011, a 2 de Outubro. Ou talvez já não devesse pela sua recorrência, de há largos anos, mas não cabe em ninguém de conformismo (digo eu) tal atitude arrogante e insalubre. Porque não dizê-lo: doentia.
Como é que uma coisa tão bela – foi de facto ímpar a carreira e o contributo à história da música do grupo de Los Angeles – degenerou num caso tão absurdo de descontrole emocional e numa morbidez de quem teima em "chover no molhado" e pulverizar um exemplo de talento inato que concorreu à perfeição?
Por falar em prefeição, é deste problema de que padece o imaginário de muitos apaixonados pelo rock. A utopia da liberdade quando nem o ser humano sabe viver com ela. É daí que vêm todos os abusos e libertinagens na sua história.
Alegar que tudo deve acontecer naturalmente e que tudo é possível é algo perigoso e atenta ao respeito pelo próximo. Mas terá Axl Rose alguma razão quando diz que os Guns’N’Roses só devem actuar quando bem lhes apetece? O cúmulo da liberdade artística legitima tal ousadia ou trata-se apenas de puro egocentrismo e abuso de poder?
Fica-se confuso facilmente com isso. Apesar do degredo a que chegou a carreira dos Guns’N’Roses, tanto musical como moral, não se percebe bem como continuam a encher estádios e pavilhões e serem requisitados para alguns dos maiores festivais do planeta. As pessoas acedem.
Há um quê de lógica na filosofia de Axl se constatarmos que o ser humano tem uma tendência para o extravagante, nem que seja como voyeurs ou masoquistas. Isto é rock’n’roll?
Nuno Costa