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Entrevista Masque Of Innocence

COM O SANGUE A FERVILHAR
“A verdadeira experiência consiste em restringir o contacto com a realidade”

Alvo de constantes metamorfoses internas que abrandaram acentuadamente a sua afirmação desde 1997, os lisboetas Masque Of Innocence nunca se sentiram, contudo, a definhar, mas sim a passar um testemunho de força e crença que os faz resistir às contingências de ser músico em “part-time” até à edição do seu primeiro álbum. E aí está “Overcoming Anger”, arrancado a ferros! Segundo o guitarrista Rui Martins, foi esta "raiva vencedora" que os salvou do fim que muitos lhes vaticinavam. E o mais importante é que este trabalho estende a ideia de que a banda está rejuvenescida, com uma sonoridade mais ecléctica – baseada num death/thrash necro – que, de certo, fará compensar os longos anos de ausência.

Apesar de fazer parte de uma segunda encarnação da banda consegue dizer se passava pelos vossos horizontes ter que esperar 14 anos para editar um álbum?
Provavelmente ninguém esperava que tal sucedesse… tanto os elementos que formaram a banda em 1997, como os actuais, tiveram certamente outras perspectivas que não anteviam este historial (a vidência não é o nosso forte!). Todavia, foi provavelmente por nunca termos encarado este lançamento como objectivo primordial, e por não termos tido mais disponibilidade pessoal/profissional, que o mesmo não sucedeu mais cedo.

Alguma vez desanimaram?
Se fizermos uma analogia entre o fenómeno ondulatório da propagação do som e a vida quotidiana de cada pessoa, podemos considerar positiva uma maior amplitude de “onda”. Quanto mais distantes se encontrarem os picos do ponto de médio (equilíbrio) maior a amplitude e, consequentemente, maior a intensidade… mais forte e vibrante! Podemos ter tido períodos menos bons e ter atingido o pico negativo da onda, mas o que importa é que conseguimos completar os ciclos e voltar ao ponto mais alto, passando sempre pelo ponto de equilíbrio!

Todas as remodelações que se deram no vosso line-up tiveram uma razão forte ou a dada altura verificaram que o problema era a falta de convicção que, muitas vezes, caracteriza o povo português?
Foram diversos os factores responsáveis pelas constantes entradas e saídas, cujos pormenores não importa agora detalhar. Salientamos apenas o dilema com que alguns dos que foram saindo da banda se depararam. Se, por um lado, gostamos muito de música, por outro, temos que lutar e trabalhar para ganhar a vida desempenhando outras actividades profissionais. E, por vezes, as coisas incompatibilizam-se e temos que tomar opções.

Acham-se prejudicados, em termos de estatuto e imagem, por todo o atraso no lançamento deste disco?
O estatuto é “algo que não nos assiste”! A importância ou grau/status que eventualmente nos possa ser atribuído, para além de subjectivo, é irrelevante relativamente ao nosso objectivo. A base da nossa actividade consiste essencialmente na vertente lúdica e no prazer que temos em fazer algo de que gostamos. É isto que realmente nos importa. O que vier de positivo/lucrativo para além disto é bem-vindo, mas vem por acréscimo.

Ao longo de todos estes anos, e apesar dos concertos que foram ajudando a manter a “chama acesa”, sentiram-se alguma vez a atingir um ponto de estagnação enquanto entidade e a pensar que era urgente gravar um disco?
Deste período, podemos extrair e considerar metade como tempo útil e o restante como tempo improdutivo, ou seja, cerca de cinco a seis anos traduziram-se apenas em constantes mudanças de formação e consequente inactividade. As inúmeras alterações para além da instabilidade que foram provocando, impediram que se conseguisse traçar objectivos a médio/longo prazo. Sentimos alguma necessidade de materializar o trabalho que vínhamos desenvolvendo desde meados de 2006 (altura em que ocorreu a última mudança na formação), mas a urgência que tivemos hipótese de lhe dedicar, foi condicionada por diversos factores pessoais e profissionais. Fizemos tudo mediante as nossas possibilidades e disponibilidade, ao nosso ritmo, sem ninguém a correr atrás. Demorou um pouco mais do que seria espectável, mas não nos arrependemos.

O facto de terem assumido a captação e edição de “Overcoming Anger” teve que ver com um objectivo ou com a falta de orçamento para recorrer a um estúdio e a um produtor/engenheiro de som profissional?
Se, por um lado, não tínhamos o conhecimento suposto para realizar as gravações, por outro, não queríamos (e não nos convinha) despender financeiramente para o fazer num estúdio acompanhados por alguém com mais know-how. Quando construímos o nosso primeiro local de ensaio, faltava-nos algum material de estúdio e preferimos investir aí o dinheiro que iríamos desembolsar para realizar gravações no exterior. Criámos, assim, condições e adquirimos algum conhecimento para, dali em diante, realizarmos outros trabalhos, de forma totalmente independente, sempre que pretendêssemos.

Até que ponto faz sentido investir no metal em Portugal?
Investir no metal em Portugal, ou em qualquer outro ponto do mundo, fará, para nós, sentido enquanto for algo que nos realize pessoalmente e nos proporcione momentos agradáveis. Em Portugal, o metal ou qualquer outro tema, é e será o que nós (portugueses) fizermos dele… está nas nossas mãos valorizar e investir no que é nosso, ao invés de dar preferência “à galinha do vizinho”. Porque teremos que ter sempre bandas estrangeiras a encabeçar cartazes de festivais nacionais? Será assim a única forma de os mesmos terem afluência?

Fazem um balanço positivo do resultado final de “Overcoming Anger”?
O balanço podia ser ainda mais positivo, tudo pode ser melhorado, mas a perfeição é uma utopia… Sendo este um trabalho integralmente realizado por nós (com excepção da mistura e masterização), fruto de um enorme esforço e empenho, sentimos orgulho do resultado final! Nunca daríamos igual importância a algo que surgisse sem qualquer esforço da nossa parte.

As alterações feitas no vosso som surgem como e porquê?
Tratou-se de algo inevitável e que surgiu com naturalidade. Todas as mudanças impõem sempre algo diferente, por mais que não seja na dinâmica do grupo. Para além de, neste momento, não existir na banda ninguém da formação inicial, as influências dos actuais elementos divergem consideravelmente de “Take 0”. São inúmeras no seio da banda, mas existe um certo equilíbrio, pois encontram-se sempre denominadores comuns. Esta diversidade proporciona-nos um leque mais vasto de perspectivas aquando da composição de novos temas, o que, esperamos, nos continue a direccionar para uma sonoridade mais personalizada e com a qual nos identifiquemos cada vez mais. Não pretendemos seguir um determinado rótulo. Se, porventura, parecer que andamos à deriva, sem saber o que queremos/pretendemos, quem sabe não teremos nós encontrado a ordem no meio do caos?!

Acham que estão mais enquadráveis com as preferências actuais do público ou isto simplesmente é irrelevante no plano underground em que se encontram?
É completamente irrelevante do nosso ponto de vista… as “modas/tendências” são efémeras e cíclicas. O que é hoje a tecnologia mais avançada, é amanhã equipamento obsoleto a aguardar abate/reciclagem. Quando dermos por nós a tentar compor temas apenas para agradar a X ou Y, algo estará transfigurado nos Masque Of Innocence… ou então alguém terá acenado com um contrato/proposta milionária! [risos]

Por outro lado, têm verificado alguma “decepção” por parte dos fãs mais antigos por já não apresentarem os teclados e as influências góticas?
Haverá sempre quem prefira a sonoridade antiga, tal como a actual poderá agradar mais a outros. Será sempre uma questão de preferência/gosto pessoal. O factor surpresa é a principal reacção que nos tem sido transmitida.

Sendo que algum material incluído em “Overcoming Anger” pode ter mais de quatro anos, é possível garantir que ainda reflectem a identidade musical da banda hoje em dia?
Sim, perfeitamente.

Uma vez que também se registou um largo período desde o início das gravações até à edição desta estreia, aproveitaram o tempo para ir alinhavando novos temas e planeando um próximo registo ou ainda é cedo?
Ideias não faltam, temos já alguns temas alinhavados e outros na forja. Provavelmente, tal como “Overcoming Anger”, será um conjunto interpretado por alguns ouvintes como uma indefinição de personalidade, crítica, para nós, tão mais positiva, quanto maior for a incapacidade de nos conseguirem “castrar” a um determinado rótulo! As composições fluem naturalmente, alguém surge com uma ideia base (umas vezes mais estruturada e completa que outras); em seguida todos dão o seu contributo e, cada um à sua maneira, acaba por entortar uma linha inicialmente recta, encaminhando o resultado final para algo bastante diferente da ideia inicial (por vezes com uma única perspectiva/visão). Não obrigamos as nossas músicas a enquadrarem-se num determinado estilo/cliché, tentamos sim que sejam do agrado de todos os elementos. A temática lírica do próximo trabalho também já está praticamente definida. Continuará a incidir na vertente psíquica/comportamental, mas desta vez basear-se-á em algo um pouco diferente do nosso recente álbum. Personalidade? Todos temos uma, mas existem personalidades e personalidades…

A raiva de que falam no título deste álbum tem a ver com a sociedade ou com algo mais pessoal?
O título do álbum não foi escolhido ao acaso, nem tirado à sorte entre vários, como caricatamente foi referido algures na net… retrata a viragem e mudança de rumo que ocorreu na banda. Quando tudo poderia indicar o fim, eis que surgiu uma “raiva” vencedora!

Sentem-se já mais respeitados por fazerem parte do underground nacional há tantos anos?
A antiguidade não é um posto, mas os anos vão passando, já não temos a mesma idade que outrora… a perspectiva vai sendo outra e, felizmente, o envelhecimento não traz só cabelos brancos, proporciona-nos também conhecimento. Seremos respeitados na medida em que nos dermos ao respeito. Temos apenas dois registos editados em 14 anos, sendo que nem todo este tempo foi efectivamente produtivo. Se tudo correr bem daqui em diante, iremos, com certeza, materializar mais trabalho, superando as nossas próprias expectativas.

E sentem que a experiência adquirida influenciou-vos muito enquanto músicos mas também enquanto pessoas?
Respondo a esta pergunta citando Bernardo Soares (Fernando Pessoa) no seu “Livro do Desassossego”: Há uma erudição do conhecimento, que é propriamente o que se chama erudição, e há uma erudição do entendimento, que é o que se chama cultura. Mas há também uma erudição da sensibilidade. A erudição da sensibilidade nada tem a ver com a experiência da vida. A experiência da vida nada ensina, como a história nada informa. A verdadeira experiência consiste em restringir o contacto com a realidade e aumentar a análise desse contacto. Assim a sensibilidade se alarga e aprofunda, porque em nós está tudo; basta que o procuremos e o saibamos procurar.

Acham que o cenário de peso actual está muito diferente de há 14 anos, tanto em termos de bandas e sonoridades como de eventos, meios de divulgação e mesmo da postura e filosofia das pessoas envolvidas neste meio?
Sem sombra de dúvida. O panorama é totalmente diferente, a oferta é mais que muita, existem mais pessoas envolvidas/empenhadas na organização de eventos, mais espaços disponíveis. A internet, essencialmente, tornou-se o meio mais dinâmico de divulgação. É hoje em dia possível chegar a qualquer parte do mundo através de um simples clique… a globalização é cada vez mais uma realidade!

Apesar de terem estabilizado uma formação em 2006, sentem uma sintonia de ideias e ideais que vos garanta projectar um futuro a médio/longo prazo?
O futuro é uma incógnita… vivemos num mundo complexo, cada vez mais turbulento e incerto. De qualquer forma, sentimos actualmente o colectivo mais coeso, a remar não só na mesma direcção, como também no mesmo sentido! Esperamos levar o barco a bom porto e, de preferência, que o percurso seja longo e repleto de agradáveis surpresas.

Nuno Costa

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