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Entrevista Primitive Reason

O PODER A QUEM O DEVE
“O nosso novo disco vai ser, maioritariamente, pago pelos fãs”

Capazes de baralhar qualquer melómano com a sua fusão arrojada de estilos musicais, ficando à custódia do que muitos consideram um som único, os Primitive Reason encontram-se em pleno “conflito” criativo a preparar o aguardado sucessor de “Pictures In The Wall”, de 2005. Necessariamente visionários, o colectivo promete, entre muitas outras coisas, adaptar-se a uma nova era, onde o papel do fã começa a ser fundamental para a sustentabilidade dos artistas. O vocalista Guillermo de Llera abriu-nos a porta do estúdio para falar de tudo o que circunda “Power To The People” e do espectáculo que os aguarda já no próximo dia 22 de Dezembro no TMN Ao Vivo, em Lisboa.

Quinze anos cumpridos desde o lançamento do debutante “Alternative Prison”. Como avalia o caminho percorrido até agora?
Começámos com um sucesso e uma sorte enormes, porque para vencer em Portugal já era difícil em 1996, principalmente para uma banda cujo estilo é o próprio caos. É o mudar do rock pesado para o reggae, do dub para o ska e para outras coisas que não têm nada a ver.

E perante um trabalho assim nunca se sabe o que esperar…
Pois não, mas é o estilo próprio da banda. À partida não tínhamos os ingredientes certos para ter sucesso em Portugal, mas graças ao single “Seven Fingered Friend” tivemos uma oportunidade enorme. Começámos imediatamente a tocar muito e o sucesso veio de uma forma muito rápida. O próprio “Tips And Shortcuts”, nosso segundo disco, chegou a disco de prata na primeira semana de lançamento, revelando-se mais um sucesso. Nessa altura decidimos sair do país. Se tivéssemos ficado, estávamos agora noutra dimensão, obviamente, mas decidimos arriscar. Acreditávamos de tal maneira na nossa música que pensámos não poder ficar só por cá. Tínhamos que mostrar ao mundo quem eram os Primitive Reason e representar Portugal lá fora. Posto isto, estivemos dois anos e meio a morar em Nova Iorque, onde gravámos o “Some Of Us”. Fizemos duas tournées pelos Estados Unidos, demos a volta completa, com centenas de datas. Ao voltarmos a Portugal, mais uma vez, tal como tinha acontecido quando fomos para os Estados Unidos, perdemos alguns membros e tivemos que substituí-los. Continuámos por cá, fazendo o “The Firescroll”, que também teve o seu sucesso com “Kindian” - um bom single - e continuámos a escrever o “Pictures In The Wall”. Este, que foi o nosso mais recente disco, acabou por ser também o mais “problemático” porque fizemos uma escolha muito artística mas era isso mesmo que queríamos. Porém, não era nossa intenção nem sabíamos que teríamos que parar um bocado depois disso, pois começámos, cada um, a ter filhos e uma família. Durante cerca de dois ou três anos estivemos parados. Depois recomeçámos, uma vez que tudo está em ordem. Já temos os putos na creche e sabemos como é que se mantém uma banda com as crianças. [risos] Agora estamos a voltar em força, com o próximo disco que se vai chamar “Power To The People”.

Ao longo desse percurso, as vossas inspirações e referências alteraram-se significativamente?
Sim e não. Ou seja, agora estamos prontos para fechar um ciclo. Isto foi sempre intencionado, porque o próprio estilo e natureza dos Primitive Reason é um bocado esse. Cada disco tinha de ser radicalmente diferente do anterior. Isto acabou, forçosamente, por acontecer até pela mudança de alguns elementos. Todavia, sempre foi essa a nossa intenção, desde o primeiro ao segundo disco. São os mesmos membros, mas os estilos são diferentes, reconhece-se a nossa marca. A intenção era seguir, dar a volta ao ciclo, começar outra vez. Se repararem não introduzimos tantos estilos diferentes nos nossos últimos discos em comparação com o nosso primeiro. Já lá tínhamos as sementes do que viríamos a fazer a seguir.

Continuam a ter-te a ti e ao Abel [Beja] a liderar a composição?
Sim. O Abel vive aqui perto de mim e estamos sempre em muita proximidade. Somos nós que levamos a banda neste momento. Eu estou cá desde o princípio e o Abel desde 2000. Ele não gravou o “Some Of Us”, mas logo a seguir entrou para a banda. Portanto, é o nosso segundo membro sénior.

E porque tendem a manter as coisas assim? Já fazem isto há algum tempo e preferem ser os próprios a liderar o processo criativo?
Por duas razões: porque temos muito bem assimilado o estilo Primitive Reason - o que somos, o que queremos e quais são as motivações da banda; porque tocando pouco em Portugal, uma pessoa… vou colocar a questão de outra maneira: quando se começa uma banda, é jovem, vive na casa dos pais e pode ensaiar e gastar todo o tempo a fazer música, são os pais que nos pagam. Mas depois chega a um ponto em que uma pessoa vive da música e tem de tomar certas decisões. Ou se torna um músico de sessão ou contratado, ou então está numa banda que já tem sucesso e que “a estada” compense.

Porque há qualquer coisa a manter…
Exacto, não se pode só tocar por amor à camisola, porque isso não paga as nossas contas nem a comida, não é?

Em relação ao vosso novo álbum, vai ser lançado em Fevereiro, certo?
Mais para a Primavera, mas não temos a certeza ainda.

E o que é que os vossos fãs podem esperar deste? Há alguma mensagem que queiram transmitir, mais concreta?
Há duas coisas importantes. A primeira: o nome do disco que, sendo “Power To The People”, já dá a entender um bocado a sua temática. De facto, vai ter muito esse lado de intervenção sem ser uma “chamada às armas”. Apesar do “Alternative Prison” ilustrar muito desse espírito, a ideia dos Primitive Reason é sempre a de que a revolução é uma coisa interior, pessoal. O que é preciso é ganharmos a nossa própria liberdade, a nossa forma de pensar, ter uma mente aberta e não necessariamente fazer uma rebelião contra o Estado, porque é sabido à partida que se vai perder, especialmente nos dias que correm. A segunda: este disco vai ser, maioritariamente, pago pelos fãs. Vamos eliminar editoras, todos os intermediários e utilizar o sistema de “CrowdFunding”, recorrente hoje em dia. Existe um site, ao qual nos estamos a associar - o Pledgemusic.com -, que trata disso: bandas a gravarem com os fãs como investidores. Existem inúmeras contrapartidas. Imagine-se: por X euros faz-se o download; por X mais Y leva-se o CD e a pessoa é a primeira a recebê-lo (antes de estar nas lojas); por outro X está à disposição um pack com t-shirts; outro X e…. olhem, dou-vos a minha guitarra! [risos] e por aí fora… É possível inventar-se as “recompensas” que quisermos! Certo é que se trata de um sistema funcional, com uma taxa de sucesso de mais de 90 por cento. As pessoas estão cada vez mais independentes e querem pagar por algo em que acreditam. O que acontece neste momento é que quando compram um CD numa loja, estão a pagar a uma série de entidades antes de chegar ao artista, e a percentagem deste último é sempre pequena. Isso faz sentido quando o artista é enorme e a “máquina” paga a publicidade para o projectar. Quando as bandas são underground ou diferentes e originais, é muito complicado trabalhar com editoras, tendo em conta que o investimento é sempre pequeno. Isto é um negócio, tudo é um negócio, certo? Então este sistema para nós funciona muito melhor. “Power To The People” é colocar o poder nas mãos do povo. Quem o quer sabe que está a pagar à banda para esta gravar… e o disco é deles, eles é que são a editora, os co-autores, de certa maneira, com a banda.

Então têm tentado sempre manter-se fiéis a fazer as coisas por vocês próprios, a não estarem “agarrados” a grandes produtoras, promotoras ou editoras…
Sim…

…E estão a conseguir fazer isso melhor ainda agora, se calhar…
Sim, exacto, porque agora, mais ou menos, o mundo veio ter ao nosso encontro nesse sentido. [risos]

O facto de terem “sangue novo” na banda ajudou muito ao processo criativo, enriqueceu-o?
Ajuda sempre. No princípio é sempre complicado porque as pessoas vêm sempre com um pé atrás, com muito cuidado, a não quererem cometer erros, a não quererem ficar mal vistas. E há sempre aquele pensamento: é preciso assimilar as pessoas, pô-las à-vontade e dizer “olha, tu toca o que te está na alma porque é isso mesmo que a gente quer”. Quando se consegue atingir esse ponto é muito bom trabalhar com pessoas novas. “Sangue novo” traz outras perspectivas, é enriquecedor.

Nesta altura, sentem que o processo criativo e de gravação do novo álbum foi mais exigente, ou depois destes anos todos já se torna muito mais fácil, quase instintivo?
É quase instintivo. No princípio é complicado porque uma pessoa fica intimidada com o estúdio e sente-se isolada: vais gravar para um quarto sozinho, com uns phones… ouves repetidamente a tua voz, o teu instrumento, e ficas “nu”.

É como se estivesse tudo a olhar para si naquele momento, sem a ajuda do resto da banda…
É muito esquisito… mas rapidamente (depois de um par de discos) isso passa.

E quanto a produtor para este álbum? Requisitaram algum ou fizeram mesmo tudo por vocês próprios?
Se calhar vamos mandar misturar ou masterizar com outra pessoa. Seria mais sábio, porque, por experiência própria, o artista tem uma perspectiva pessoal. O que soa bem ao artista não é, necessariamente, o que soa bem ao público, em termos de mistura. Portanto, é mais seguro mandar um profissional fazer esse tipo de trabalho. [risos]

Talvez uma pessoa que esteja de fora consiga dar uma toada um bocado…
Diferente, não é? Sim…

Há muita gente que gostava de saber por onde andaram este tempo todo. Estiveram apenas concentrados na gravação do novo álbum ou tiveram outros afazeres, outros projectos, outros trabalhos?
Todos nós temos projectos paralelos. Eu mantenho-me sempre ocupado, apesar de ter a tendência (que acho saudável) de largar as coisas durante um tempo para voltar “fresco” a elas. Portanto, normalmente, fazia um disco por ano (no mínimo). Desta vez, estive uns dois ou três anos sem fazer discos. E só os “exponho à luz do dia” anos depois, porque tento fazer coisas que estão à frente no tempo. Trata-se da tal perspectiva do artista, sabendo sempre que há coisas “fáceis de engolir” e outras que são… experiências. [risos]

Que tipo de experiências?
Malucas, quase científicas… experimentar coisas muito maradas e fazer sons muito bizarros. Isto torna-se divertido para um músico.

E como tem sido a receptividade aos Primitive Reason por parte do público estrangeiro?
Sempre muito boa. Nós temos um bom concerto ao vivo, com muita entrega, e quando vamos lá fora o factor “novidade” ainda nos dá mais alento. Mesmo quem não percebe a nossa música, fica assim um bocado… “mas o que é isto”?

Mas acabam por vos dar valor na mesma…
Exacto. Tanta vez que já ouvi: “Não gosto nada deste estilo de música, mas vocês deram-lhe! E tenho muito respeito e quis vir dizer-vos isso”. Isso, para mim, é sempre uma vitória, sempre.

E sentem que as vossas mensagens são realmente absorvidas pelo público?
Pelos fãs a sério e por quem gosta de ouvir o significado por trás das músicas, acho que sim. Pelo público em geral, acho que não, visto que este consome música de uma forma mais superficial. Mas não há problema, não é preciso toda a gente ser super fanática! [risos]

No próximo dia 22, vão estar na sala TMN Ao Vivo, onde vão apresentar, pela primeira vez, alguns temas do novo álbum. Confirma?
Não, já apresentámos alguns. Temos essa tendência de apresentar as coisas ainda em fase demo.

Se calhar para verem até qual a reacção do público, o que resulta melhor…
Sim, sempre com esse intuito. Desde o princípio que fazemos isso. Somos capazes de trazer uma coisa 100% nova, mas até ao último ensaio fica tudo por decidir.

Sobre este evento, há mais alguns pormenores que queira acrescentar?
Começa às 22h00 e a sala situa-se no Cais do Sodré, em Lisboa. Os bilhetes acho que já estão à venda na Ticketline, pelo menos estavam – e continuam a estar até termos indicação do contrário –, bem como no nosso site e página do Facebook.

Já tinham saudades de tocar em Portugal?
Sim. Este ano ainda fizemos um ou dois concertos. Tentamos não passar muito tempo sem tocar porque… apesar de ser como andar de bicicleta! [risos]

Porque? Para não caírem? [risos]
É, para não cairmos… [risos] Temos é saudades de tocar mais para o norte, do Porto para cima, onde não tocamos há muito tempo. E a malta vai perguntando, e nós também queremos, mas isso… não somos só nós que decidimos. Caso contrário, tocávamos em todo o lado.

Então para 2012 podemos esperar mais concertos em solo português?
Sim, com certeza. Disco novo, vida nova, concertos, vídeos…tudo!

Portanto, as pessoas devem ficar atentas ao Facebook…
Sim, e ao site, onde vamos experimentar e evoluir a tal ideia do investidor de uma forma mais própria no futuro.

João Coroa

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