photo logopost_zps4920d857.png photo headerteste_zps0e0d15f7.png

Review - "Temos Papa"

“TEMOS PAPA”
[DVD – Midas Filmes]

Um olhar sobre a responsabilidade papal anuncia o regresso ao grande ecrã de Nanni Moretti, o último dos grandes heróis do cinema italiano bebedor da tradição das imagens selvagens da commedia italiana dos anos 70 (com subtexto freudiano). Já lhe chamaram o Woody Allen transalpino.

Selvagem, ma non molto, é Habemus Papam, sobretudo nos momentos em que mundos colidem: para lidar com as dúvidas do homem escolhido para Sumo Pontífice que recusa o cargo, adiando a benção Urbi et Orbi, os serviços do Vaticano contratam um psicanalista que se vê a braços com as imposições do conclave sobre o que pode ou não pode perguntar a esse pobre velho homem assustado e esmagado pelo título de primeiro e último representante de Deus na Terra (“Minha cabeça está cheia e eu não sei do quê. Uma sinusite psíquica”).

Mais tarde saberemos que, à custa de uma carreira falhada (na verdade, tão-pouco iniciada) como actor, a vida empurra o cardeal Melville (composto a contento pelo francês Michelle Piccoli) para uma via pessoal que não quis. Para este pobre diabo (sem ironia) existencialmente insituado e roído por fantasmas pessoais tão antigos que podemos chamar-lhes inquilinos, o fumo branco saído do fogão da chaminé da Capela Sistina, onde os votos são queimados, representa uma sublimação inversa de um peso de toneladas que os seus ombros não podem suportar.

Melville é, portanto, alguém que não esteve à altura do seu sonho maior que era a representação dramática e não se julga à altura do desafio com que se confronta na figura do pastor planetário de todas as almas católicas. Como, de resto, o filme em si não está à altura suficiente em intensidade e técnica, à imagem de uma bola de ponto e jogo embatendo na rede do torneio de voleibol internacional que Moretti organiza para fazer passar o tempo e entreter os cardeais preteridos. Torneio esse que é o golpe de asa da narrativa, onde Moretti traz para o coração do criacionismo, Darwin e as suas mais brilhantes ideias: a teoria de que, no mundo natural, só as espécies mais fortes vencem, e, mais importante, que nós homo sapiens sapiens evoluímos dos macaquitos.

Outro momento insubordinado para com o statu quo italiano, é a sátira subtil que o cineasta faz ao poder da televisão do seu país, no fundo uma forma de gozar com o manda-chuva do meio, o Sr. Silvio Berlusconi (às tantas, findo um chorrilho de observações inócuas dos últimos acontecimentos papais, um especialista televisivo confessa estar a inventar).

Pelo meio Moretti relata ter sido deixado pela mulher, porque esta (também psicanalista) não conseguia suportar a certeza de o achar simplesmente o melhor profissional da psicanálise de todos, relação que, com muita pena nossa, não é devidamente aprofundada. Pena maior quando vemos Melville a recorrer no exterior aos serviços da concorrente de Moretti, a inventora da teoria panaceicado “défice parental”. Melville que depois da sessão foge dos olhos omnipresentes dos serviços de segurança da Santa Sé e embrenha-se por três dias pela cidade de Roma, entre viagens de autocarro, “A Gaivota” de Tchékov representada na unidade hoteleira onde se instalou durante o seu tempo de fuga e reflexão, e a mesma peça em palco, numa cena em que Melville, sentado num camarote teatral, é forçado a assumir a sua identidade quase presente (se disser “sim”, torna-se o novo papa), sendo “desmascarado” por uma visita colectiva inusitada (freiras e os seus colegas clérigos) que mal o vendo, desatam numa ovação de pé, a que depois, apercebendo-se de quem ali estava, se junta a restante assistência e corpo de actores, uma sala em peso a somar ao peso que Melville já carregava.

Em suma, durante hora e pico de duração, tivemos Moretti, mas não muito. É filme que, embora não enverede pelo rumo fácil da sátira dos caminhos misteriosos e sinuosos da fé (acusações de práticas pedófilas, a proibição do uso da camisinha, só para nos ficarmos por este par de exemplos), se encontra também ele enredado em dúvidas - ser um filme respeitador ou pressionar feridas antigas num registo mal comportado, fazendo ao mesmo tempo zoom sobre o inferno pessoal de um homem em queda lenta?

Ainda assim, em época de crise de grandes cineastas, louve-se-lhe a existência.

Bruno Sousa Villar

Ficha Técnica
Título original: "Habemus Papam"
Género: Comédia
Origem: Itália/França
Duração: 1h42m
Ano de lançamento: 2011
Intérpretes: Jerzy Stuhr, Michel Piccoli, Nanni Moretti
Realização: Nanni Moretti
Produção: Jean Labadie, Nanni Moretti e Domenico Procacci
Argumento: Francesco Piccolo, Nanni Moretti e Federica Pontremoli
Estúdio: Sacher Film / Fandango / Le Pacte / France 3 Cinéma / Canal+ / Coficup / Rai Cinema / Eurimages / France Télévision / Backup Films
Distribuidora: Midas Filmes
Música: Franco Piersenti
Fotografia: Alessandro Pesci
Figurino: Lina Nerli Paviani
Edição: Esmeralda Calabria
Efeitos especiais: M.A.G. Special Effects
Site oficial: www.habemuspapam.it

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...