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Breve História do Metal Português

"Breve História do Metal Português" - Parte 2 - Os anos 70
"Breve História do Metal Português" - Parte 3 - Os anos 80 - (Tomo 1)
"Breve História do Metal Português" - Parte 4 - Os anos 90

Parte 3 - Os anos 80
Tomo 2: A emergência do Underground
Texto redigido ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

A segunda metade dos anos 80 contrastou com a primeira no que se refere aos espetáculos de grandes nomes do Heavy Metal internacional realizados em terras lusas. De facto, desde 1984 até ao final da década os espetáculos de grandes bandas em Portugal foram apenas dos Iron Maiden + WASP (05/12/1986), Century (agrupamento francês de Hard Rock maioritariamente praticante de baladas), Bon Jovi + Dan Reed Network (29/11/1989), Gary Moore + Cruise (13/05/1987), Motörhead + Girlschool + Destruction (03/04/1988), Iron Maiden + Helloween (20/09/1988), todos no pavilhão de Cascais; e Saxon, no Festival Rock Benfica, realizado no Estádio da Luz (09/07/1988). Bizarro q.b., o cartaz incluía ainda nomes como Bryan Adams ou Bonnie Tyler.

Entre 1988 e 1989, como que prevendo a queda do Muro de Berlim e posteriormente o fim da URSS, estrearam-se em Portugal algumas bandas oriundas da Cortina de Ferro, cujos espetáculos foram maioritariamente organizados pelo Partido Comunista Português (PCP).

O primeiro desses eventos aconteceu a 25 de janeiro de 1988 no antigo Cinema Alvalade, em Lisboa, com os Século XX (apresentados em Portugal sob esta designação, para que os fãs mais facilmente assimilassem o impronunciável nome verdadeiro do grupo), provenientes da então URSS. O quinteto, desconhecido em Portugal, atuou perante uma sala repleta, com níveis de histerismo inimagináveis. Assistia-se à expressão máxima da rebeldia fervilhante de uma juventude ansiosa por espetáculos de bandas estrangeiras.

A10 de setembro desse ano os thrashers Paradox, oriundos da República Federal da Alemanha (RFA), atuavam na Festa do Avante, no Seixal, sucedidos no mesmo evento, exatamente um ano mais tarde, pelos Everest, oriundos da URSS. Multidões uivantes e fanáticas marcaram essas atuações memoráveis. Nesta fase, também os Minotaur, conterrâneos dos Paradox, atuaram em Lisboa, a 8 de abril de 1989. À parte estes grupos, apenas os franceses Agressor e os holandeses Thanatos, numa vertente mais underground, subiram aos palcos nacionais na segunda metade dos anos 80.

A oferta de espetáculos ao vivo de bandas nacionais fervilhava, percorrendo os agrupamentos ao circuito constituído pelo mítico Rock Rendez Vous (RRV), coletividades, sociedades recreativas, liceus (hoje conhecidos como escolas secundárias), juntas de freguesia e Voz do Operário, em Lisboa.

Conceitos emergentes
Por volta de 1983/1984 o termo Heavy Metal era já bastante usado. Surgem pela primeira vez os conceitos de “underground”, que define um movimento musical oposto ao mainstream, muito menos visível (aliás, a tradução do termo para português é “subsolo”), ideologicamente oposto ao comercialismo e alimentado por nichos de mercado cujos agentes atuam apaixonadamente numa lógica do it yourself, ou seja, “faz tu mesmo”.

Surge ainda o tape-trading (gravação e troca de cassetes áudio e vídeo pelo correio com fãs de todo o pais e do Mundo), o record-trading (troca de vinis com outros fãs usando o mesmo método) e a reprodução comercial maciça, embora ilegal e amadora, de concertos gravados em vídeo e posteriormente reproduzidos, a pedido, em cassetes VHS. Eram milhares os títulos disponíveis nesses catálogos, abrangendo espetáculos de inúmeras bandas, das maiores estrelas mundiais aos mais obscuros coletivos underground. Estes documentos eram ansiosamente procurados pelos fãs, contendo frequentemente verdadeiras raridades. À semelhança das cassetes de áudio e dos vinis, as cassetes VHS eram trocadas entre penpals de todo o mundo. Extremamente populares, estas formas de intensa divulgação impulsionaram o Underground de forma inimaginável numa altura em que a Internet não passava de ficção científica para as populações em geral, embora já fosse usada de forma experimental, embora tímida, pelos meios académicos e militares norte-americanos em “circuito fechado”.

O termo demotape, que significa “cassete de demonstração”, vulgariza-se a partir de 1983/1984 com a adoção maciça do formato (em que os grupos mostravam o seu potencial). Com efeito, a demotape veio permitir que os grupos amadores mostrassem o seu trabalho em cassete numa altura em que apenas os Tarântula, Ibéria e poucos mais gravavam discos no Portugal metálico.

A cena ao rubro
A 15 de dezembro de 1984 realiza-se em Santo António dos Cavaleiros o primeiro festival português de Heavy Metal, sucedido a 4 de outubro de 1986 pelo Metal Stage, na Amadora. Outros se lhes seguiram. Desde o ano seguinte até ao final da década o Underground metálico português sofreu um desenvolvimento exponencial, com o surgimento de inúmeras bandas - Sepulcro, Alkateya, Blizzard, Valium (mais tarde conhecidos como Casablanca), Satan’s Saints, Battalion, Devil Across, STS Paranoid, Cruise, Asgarth, The Vowers, Ibéria, Samurai, Thornado, Afterdeath, Shrine, Necrophiliac, Tao, Comme Restus, Dove, W.A.D.S., Unsilent, Massacre (pré-Enforce), Dissafected, Sepulchral (pré-Bowelrot e Disembowel), V12, Black Cross, Silent Scream, Agon, Fallen Angel, Massive Roar, Shrine, Necrophilia, Mercilles Death, Mortífera, Harum, Paranoia, Metal Brains, Procyon, The Coven, Ramp, Web, Wreck Age, Mantron, Thormentor, WC Noise, Dinosaur, Logon, Jarojoupe, Bachterion (pré-Filli Nigrantium Infernalium) ou Angel Sinner, entre muitas outras.

Na época surgiram vários clubes de fãs, entre os quais a Brigada Metal Power, o Guardians of Metal, o Império Metálico e o Heavy Metal Zombies Paranoid, além de inúmeros fanzines (junção dos termos anglo-saxónicos “fan”=fã e e “magazine”=revista). Os fanzines eram revistas amadoras, fotocopiadas, escritas e montadas de forma bastante artesanal, feitas por e para fãs numa lógica, desinteressada, do it yourself e de puro amor ao Metal. Entre os principais títulos surgidos na época contam-se nomes como “Metal Power”, “Profundezas do Metal”, “Algema Metálica”, “Metal Invaders”, “Último massacre”, “Devastação Metálica”, “Abismo”, “Hard’n’Heavy Fanzine”, "Juízo Final", “Purgatório do Heavy Metal”, “Metal Bible”, “Nuclear Mosh”, “Renascimento do Metal”, “Metalkraft”, etc, alguns deles editados pelos clubes de fãs.

Aliás, à parte o jornal português “Blitz”, fundado em 1984, e as revistas estrangeiras “Bravo” (alemã, publicação generalista de música), “Rock Brigade” (brasileira), “Heavy Rock” e “Metal Hammer” (espanholas), que chegavam a Portugal com um atraso compreendido entre os 6 e os 11 meses, o fã português a nenhum outro título tinha acesso no que se refere à imprensa profissional. Encontrar edições inglesas da “Metal Hamer ou da “Kerang!” era raríssimo.

O Rock Rendez Vous tornou-se palco de incontáveis espetáculos de Metal ao longo de toda a década de 80 até encerrar as portas, em 1990. Nalgumas matinés de domingo a programação ao vivo era substituída pela exibição de “telediscos” (como então se dignavam os agora chamados clips, ou videoclips) da MTV, num ecrã gigante, oportunidades únicas de que na época os fãs dispunham para aceder visualmente a temas de agrupamentos como Kreator, Iron Maiden, Helloween, Metallica ou Nuclear Assault, entre incontáveis outros. É essencial recordar que, então, não existia TV por cabo em Portugal e a Internet constituía uma miragem.

O programa “Lança-chamas”, do mítico António Sérgio, tornou-se uma imensa escola de fãs, músicos, radialistas e jornalistas especializados no Som Eterno. Aproveitando o advento das irreverentes rádios-pirata, surgidas às centenas em meados da década, os programas de autor especializados em Metal inspirados na genialidade de António Sérgio multiplicaram-se, impulsionando o movimento Underground. Formou-se toda uma nova escola radiofónica, independente, ousada e fervilhante de ideias. O Underground nacional encontrava-se ao rubro em todas as áreas.

No final da década emergiram novos programas radiofónicos, como “Boca do Inferno”, “Caminhos de Ferro” ou “Alta Tensão”. Na mesma altura o mercado vê surgir várias editoras independentes, como a Slime Records, a Skyfall, a Mortuary ou a MTM, que nos primeiros anos da década de 90 lançaram discos históricos como a dupla compilação em vinil The Birth of a Tragedy (MTM). Nas lojas de discos (à época designadas “discotecas”, embora em nada se relacionassem com os espaços dançantes do mesmo nome) reinavam as importações, dada a dificuldade em encontrar vários discos. Aliás, as discotecas One-off e Bimotor, em Lisboa, constituíam os principais “santuários” para os fãs adquirirem vinis, demotapes, fanzines e bilhetes para concertos, mesmo a nível underground. Era aí que passávamos inúmeras tardes a olhar embevecidos para as novidades na Década Dourada.

Dico
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