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Entrevista Colosso

A BESTA ACORDOU
“Não quero que isto seja um produto feito industrialmente e já praticado por milhares pelo mundo fora”

Reconhece-se perfeitamente o crescente valor das bandas nacionais. Todavia, é totalmente desprevenida a investida dos Colosso e absolutamente surpreendente no seu potencial. Monocéfalo estruturalmente, este projecto da autoria de Max Tomé, oriundo do Porto e formado há pouco mais de um ano, choca violentamente com a nossa realidade, quer pela consistência inusitada do seu death metal - na linha de uns Hate Eternal e Strapping Young Lad -, quer pela presença de Dirk Verbeuren, dos suecos Soilwork, atrás do kit de bateria. Querem melhor prova de que este é um projecto de confiança? Está aí o resultado no álbum de estreia “Abrasive Peace”. Motivos mais do que suficientes para irmos a correr saber mais deste projecto com o desconcertante Max Tomé, que tem muitas e pertinentes visões sobre a música e a sua indústria.


Uma vez que ainda pouco ou nada se sabe sobre os Colosso, começo por perguntar-lhe quais foram as motivações para criar este projecto e qual o seu background?
Relativamente ao meu background, acho que a coisa com mais audiência que fiz até hoje foi participar nos dois últimos álbuns de Holocausto Canibal como vocalista principal de sessão. Tive também um projecto há cerca de dez anos atrás de death/grind com o nome Under Fetid Corpses. Mais recentemente, toquei guitarra solo nos Blackswan, uma banda que, por culpa própria, nunca teve a atenção merecida.

O facto de ser o único compositor e praticamente o único instrumentista neste disco, significa o quê? Se por um lado é indicativo de um grande potencial, será que pode também ser visto como a única solução para conseguir ter as músicas como queria? Ou seja, trabalhar como banda não lhe aliciava?
Significa apenas a minha paixão pela música que faço. Gosto muito mais de trabalhar em banda, surgem sempre ideias melhores. Basta olhar para as demos e para o produto final deste álbum, por exemplo.

Uma das grandes curiosidades é também saber como aparece aqui em cena tão grande vulto como Dirk Verbeuren. Abra-nos o livro: como se conheceram e como se proporcionou a possibilidade de trabalharem juntos, uma vez que ele é um músico com uma agenda muito preenchida?
Quando terminei a demo do álbum (exactamente há um ano atrás), mostrei-a a um amigo para ver o que ele achava e disse-lhe que queria ter um baterista, mas que não me estava a ocorrer ninguém fixe. Ele sugeriu o Dirk Verbeuren [www.dirkverbeuren.com], entre outros. Partimo-nos os dois a rir, parecia impossível! Mas fiquei com isso na cabeça durante uns dias. Fui ao site dele, investiguei um bocado mais sobre o que ele já fez e sobre como ele é como pessoa (através de entrevistas) e identifiquei-me logo! Enviei-lhe e-mail a perguntar o que ele achava e, para grande surpresa minha, ele estava disponível! A partir daí, foi um processo super natural e profissional. A nível musical, posso dizer-vos que foi das melhores experiências de aprendizagem da minha vida!

Outra das perguntas que se impõem neste momento: não haveria em Portugal ninguém capaz ou disponível para gravar as baterias?
Sim, havia. Mas gosto muito dos arranjos subtis do Dirk. Nunca atropelam os temas, bem pelo contrário, mas a nível de execução são bem mais difíceis do que aquilo que normalmente é venerado neste estilo. Além disso, já andava a fazer demos para esquecer há demasiados anos. Quis fazer isto por mim, para ter lá em casa uma recordação quando for velho. Gosto tanto do trabalho que comprei 300 digipacks! [risos]

Embora esteja sozinho neste barco lemos que tinha a intenção de apresentar o disco ao vivo. Como vai funcionar? Já tem os restantes músicos seleccionados?
O quê? Não. Isto é um projecto de estúdio. Estou cansado de tocar para salas vazias.

Trabalhar à distância e compor tudo sozinho parece tarefa árdua e morosa. No entanto,
o projecto tem apenas um ano. Como se pode entender que tudo tenha saído tão rapidamente e coeso?
Paixão pelo que faço, dedicação e muito profissionalismo.

Tem alguma formação musical?
“Muito mínima”. Sou 90% autodidacta, mas conto resolver esse problema muito rapidamente. Não consigo frisar o quão importante isso é. Ponham os olhos no Dirk, por exemplo! Quero lançar álbuns melhores do que este.

Outro dos aspectos surpreendentes, ou se calhar lamentáveis, neste trabalho é ter sido editado de forma independente. Uma opção ou falta de alternativa? Isto porque estou certo de que haveriam selos interessados num trabalho como este…
Não, não houveram. Esteve quase para sair por uma boa editora, mas dado o estado actual da música era muito arriscado. Por causa disso ela recuou de apostar no projecto. Compreensível. Era algo de muito risco mesmo.

A participação do Dirk não foi suficiente para o ajudar nesse sentido ou ainda espera que a experiência dele no showbiz possa vir a ter resultados, nem que seja para levar os Colosso a palcos internacionais?
Não foi suficiente, mas também não lhe pedi muita ajuda. Ele já tem mais que fazer. Quero que a música fale por si. Não quero que isto seja um produto feito industrialmente, pré-concebido e já praticado por milhares de pessoas pelo mundo fora. Gostava que fosse algo diferente e pessoal. A mentalidade gananciosa da indústria musical levou a que a arte e os artistas fossem sacrificados. Já se perguntaram alguma vez porque é que nunca mais surgiu ninguém como os Pink Floyd? Tens aí a tua resposta. Visão curta.

Quer esmiuçar-nos o teor da mensagem deste trabalho? Como se pode encarar o estado social actual com o optimismo de que fala no press release deste disco?
Comprem o disco, leiam as suas letras e tirem as vossas conclusões individuais. A arte só o é quando isso acontece.

O aspecto sonoro de “Abrasive Peace” é realmente satisfatório. Terá isso tudo a ver com o princípio “orgânico” que aplicaram aos métodos de gravação? Não abusaram mesmo de artificialismos? É que ainda assim este disco não deixa de soar modernaço e cheio.
Não me quero alongar muito sobre isso porque gostava de saber a opinião de quem faz produção/mistura/masterização. Mas dentro dos possíveis foi isso mesmo, achar um meio-termo entre a cena ultra comprimida actual e a dinâmica que existia no passado. O Paulo Lopes [www.myspace.com/svstudios] deu-me uma ajuda crucial nisso mesmo.

Das palavras que já trocámos vejo que talvez não esteja ainda muito consciente do potencial que tem entre mãos. Se pode ser discutível o seu real valor, dentro de um mercado e uma arte já muito explorados, creio que é inegável que uma estreia com esta solidez, ainda mais num país como Portugal (e isto sem qualquer tipo de preconceito), não pode ser entendida senão como uma grande surpresa. Qual é o sentimento em relação a este trabalho neste momento?
É precisamente esse. A indústria esgotou tanto a arte que quase tudo o que é novo e diferente é descartado à cabeça, com base no lucro a curto prazo. Produzir artistas iguais, ou coisas iguais, só para vender como o que está na moda não é solução. Destrói tudo. Temos que fazer o inverso.

Que feedback teve de “Abrasive Peace” até ao momento, nem que seja da parte de amigos ou daqueles que foram travando conhecimento do trabalho enquanto foi sendo cozinhado em segredo? Pela Suécia, pelo que vejo nas redes sociais, parece já haver algumas e boas reacções…
Sim, tenho recebido muito apoio, principalmente do estrangeiro! Lindo! [risos] Valorizo qualquer apoio depois de tantos anos em que quase ninguém me deu valor...

Segredo parece mesmo ter sido uma das palavras que constavam numa suposta
estratégia para este projecto. Pessoalmente nunca tinha travado conhecimento com o
seu nome e creio que a maior parte das pessoas também não. É mesmo assim, foi uma
estratégia ou durante este ano de existência nunca pensou em mais nada que não fosse a
música?
Não, tenho um trabalho que me dá sustento todos os dias. Contas a pagar. Não consigo viver só da música. Isto não é um conto-de-fadas. O álbum e todo o resto foi feito à custa de deitar-me às três da manhã e levantar-me às sete para acabar o tema. Lembro-me perfeitamente de isso acontecer no último tema e de andar o resto do dia "zombie", mas com um sorriso na cara!

Para além das várias influências fundidas nestes oito temas, encontramos uma remistura electrónica. Não querendo depreender nada, mas de repente lembrou-me a mais recente aposta dos Morbid Angel . Fale-nos deste tema e já agora se, porventura, é daqueles que abominou o mais recente trabalho dos norte-americanos.
Acho que o público em geral é demasiado mente fechada (ou tenta fazer-se para agradar). Por terem arriscado dessa forma, para mim esse trabalho tem muito mais valor. Fazer o mesmo que já tinham feito era demasiado fácil e previsível.

Já agora, um nome em português. Porquê?
Boa questão. Já há muitos anos que planeava isso. Na minha opinião dá um ar único e diferente à cena.

Uma vez sozinho na parte do management e promoção, como se tem dado para levar mais longe o nome da banda? Está a ser ou prevê que seja uma luta rija?
Luta rija… já não durmo desde o dia 7! Mas pode ser que corra bem... Somos bons a matemática ou quê? 

Neste momento, e sendo autor de uma das bandas mais entusiasmantes a sair do “nada” em Portugal, quer deixar uma análise sobre o actual estado do metal nacional ou até mesmo sobre questões pertinentes que têm estado na ordem do dia, como a pirataria, as leis de combate à pirataria, etc?
A minha opinião sobre essa e outras questões da vida é a seguinte: Acho que toda a gente chora demais, sem encarar as coisas de frente e tentar ter ideias novas e entusiasmantes que possam transformar os problemas em soluções. Obviamente que é preciso trabalhar a sério e, sobretudo, não estar à espera dos outros. Temos que deixar de ser "duas velhotas a queixarem-se das suas doenças uma à outra".

Nuno Costa

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