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Entrevista Thee Orakle

INCONFORMISMO REAL
“Há coisas mais interessantes na vida do que descarregar música”

Começam a tornar-se uma certeza no plano dos valores nacionais e com propensão para outros voos. Os Thee Orakle são também uma banda muito trabalhadora, pois em oito anos de existência já contam com dois álbuns, um EP e uma demo. Mas isto seria irrelevante caso a qualidade não fosse transversal. E aqui está o novo “Smooth Comforts False” a comprovar que nada foi meramente ao acaso. O septeto de Vila Real regressa mais acutilante e experimentalista que nunca e a revelar um claro sinal de amadurecimento na explanação do seu death/doom/gothic progressivo. Na sensibilidade feminina mas muito convicta de Micaela Cardoso, fomos saber o que mudou na cabeça dos Thee Orakle e que perspectivas jazem num cenário actual de desvigoração artística e económica.

Um ano de promoção e composição. Foi assim o período pós-“Metaphortime”?
Foi praticamente isso: um ano de promoção ao “Metaphortime” antes de iniciarmos a composição e consequente pré-produção deste novo álbum.

Quer recordar-nos os bons e, eventualmente, os maus momentos desta fase?
Claro que houve momentos bons e menos bons. Aquando da composição, ficámos sem sala de ensaio e, portanto, tivemos algumas dificuldades. Porém, com o esforço de todos, tudo se resolveu e foi feito para que mais tarde, em estúdio, nada falhasse! Entretanto, tivemos excelentes ideias, nomeadamente as participações do álbum, e depois, na pré-produção, tudo correu da melhor forma possível. A partir daí, foram só bons momentos… até agora!

O que acham que mudou essencialmente, se é que alguma coisa mudou, depois do lançamento do vosso primeiro álbum? Foi diferente partir para a composição de “Smooth Comforts False” após as boas reacções que o seu antecessor despertou nos media?
Acho que não mudou muita coisa, pelo menos a nível pessoal. Sentimos que o reconhecimento da banda aumentou, que mais pessoas se interessam pelo nosso trabalho, que os promotores nos contactam mais interessados, mas a diferença não é assim tão grande. Todavia, desta vez foi diferente porque com o “Metaphortime” tivemos mais tempo para compor. Foram ambas excelentes fases para a banda.

A mudança de editora e a inclusão de um novo membro [Pedro Mendes] teve que impacto no trabalho e perspectivas do grupo?
Os Thee Orakle sempre que passam por mudanças tentam que sejam para melhor e até agora foi essa a regra da banda, felizmente. Qualquer uma das situações teve impacto no trabalho e perspectivas do grupo, para melhor!

O ecletismo que sentimos ainda mais neste trabalho será que é algo pensado? Muitas bandas negam esta realidade, mas para se atingir certos objectivos musicais é preciso um bom planeamento e nem tudo surge de jams. Para além de que não há nada de pecaminoso em trabalhar dessa forma. Como foi, no fundo, projectar e criar este trabalho?
É claro que toda a composição foi pensada, seja ela considerada eclética ou não. Tudo foi elaborado de forma a, num meio-termo, agradar à banda e a um futuro público. Não temos nenhum receio de dizer que temos objectivos musicais, pelo menos o de atingir o público. Com isso quero dizer que, sem rótulos de metal “isto” ou metal “aquilo”, os Thee Orakle tentam dar o seu melhor.

O título “Smooth Comforts False” baseia-se em quê? Quer-nos resumir a mensagem deste disco?
Trata-se de uma expressão usada por William Shakespeare na peça “Henry IV, Parte 2”. Nesta, a personagem Rumor surge vestida com um robe pintado na totalidade com "línguas" e profere um texto "full of mischief and smooth comforts false". Ou seja, injúrias e suaves falsos confortos confessam/delatam determinados estados de espírito, digamos assim. Este nome foi escolhido para o nosso álbum por reunir variados “suaves falsos confortos" com que as pessoas em geral se identificarão.

A inclusão de convidados de renome neste trabalho é apenas uma partilha de amizades ou também uma estratégia de projecção e internacionalização?
Algumas são partilha de amizade, outras são musicalmente o que achámos melhor para determinada parte de cada música. Ou seja, no caso do Ricardo Formoso e do Fábio Almeida, para além de nos “aproveitarmos” de excelentes músicos, foi uma troca de experiência e amizade; no caso do Yossi Sassi também foi, agora, uma experiência que se repete por amizade e por admiração mútua; nos casos do Adolfo Luxúria Canibal e do Marco Benevento foram oportunidades que aproveitámos, excelentes ideias e contactos que obtivemos e que achámos encaixar brilhantemente cada um na sua faixa. A verdade é que qualquer um deles tornou-se amigo e defensor do trabalho dos Thee Orakle.

A banda tem sentido efeitos dessas colaborações, principalmente do Yossi Sassi? Israel seria um sítio interessante para levarem o vosso som? Já discutiram isso com ele?
Sim, temos sentido efeitos positivos da colaboração de todos os convidados estrangeiros no álbum. Com o Yossi era muito interessante levar o nosso som a Israel. Vamos tentar. Ele está a “crescer” imenso a nível internacional com o seu álbum a solo, “Melting Clocks”. Com o Marco Benevento, conseguimos divulgar o álbum por toda a Itália e com o Adolfo Luxúria Canibal conseguimos mais alguma visualização a nível nacional, e não só!

Por cá parece estar tudo rendido ao vosso trabalho. É uma surpresa nesta altura, até porque a banda ainda nem completou dez anos?
“Tudo rendido ao vosso trabalho” é uma expressão muito forte… Achamos, sinceramente, que as reacções são as esperadas e estamos contentes com isso. Mas em Portugal continua a haver poucas solicitações para actuar. Mesmo tendo aumentado não achamos que o suposto sucesso do álbum seja reflexo dos convites que surgiram. Esperávamos mais. Portanto, alerto os promotores nacionais, e não só, que os Thee Orakle estão disponíveis para tocar e para divulgar o “Smooth Comforts False”.

Quais são as maiores diferenças que identifica entre este e o vosso anterior álbum? Há o sentimento de que conseguiram evoluir e corrigir eventuais “erros” do disco anterior?
O sentimento que temos é o de “dever cumprido”. Temos noção de que realmente evoluímos muito e de que temos em mãos um álbum forte, com riffs poderosos, sons progressivos e experimentais, digamos assim. Apesar das dificuldades, sentimo-nos mais seguros do produto final do que com o “Metaphortime”, provavelmente por ter sido o primeiro. Corrigir “erros” é muito relativo. O que para alguns podem ser momentos menos poderosos para outros podem resultar bem. Sabemos que este álbum não é de “escuta fácil” e que para alguns fãs que gostavam do nosso lado mais gótico, talvez haja alguma desilusão ou tristeza. Contudo, nunca nos quisemos aliar ao gótico e também lutamos por isso. Talvez consigam ver o lado verdadeiramente musical dos Thee Orakle, sem rótulos… é música!

Uma vez que têm um som abrangente e parecem todos músicos exigentes, até que ponto se pode considerar uma base para o som do grupo? Ou seja, vêem-se a explorar campos bastante diversos a cada lançamento ou o vosso “progressismo” não passa por aí? Por exemplo, ao jeito de uns Opeth, eram capazes de fazer um disco semi-acústico?
Somos realmente exigentes, mas se somos bons músicos isso fica ao critério de quem ouve e opina. Ou seja, vemo-nos a fazer o que realmente estiver na essência da banda ou na opinião geral de todos. Este álbum não foi feito para ser propositadamente diferente do primeiro, nem o próximo terá de, por sua vez, ser diferente deste! As coisas não são assim tão taxativas. Pessoalmente, gostava de explorar muita coisa antes de um semi-acústico.

Uma vez que o país e o mundo vivem tempos muito difíceis financeiramente, como se pode dizer que é possível sustentar um grupo nos dias que correm? Ainda se conseguem financiar com relativa facilidade estúdios, boas edições, digressões extensas e abrangentes?
Nem pensar, e isso já é impossível há uns bons anos! Ou se financia uma boa gravação e masterização ou se aposta numa digressão extensa que inclua datas no estrangeiro. Não é assim tão complicado tocar fora de Portugal, o problema é que estamos na cauda da Europa e para chegarmos a qualquer um dos países onde o nosso som funcionaria melhor, os gastos são surreais! As editoras não têm dinheiro para apostar porque têm medo de o perder. Não se pode julgá-los como já vi fazer. Elas são tão vítimas da pirataria como as bandas da crise.

Ainda assim, existem perspectivas de cumprirem datas fora do país?
Perspectivas da banda, claro que existem. Perspectivas reais, estão em discussão! Já tocámos três vezes em Espanha e esses contactos são possíveis de realizar novamente. Nós queríamos era ir mais além!

Na ordem do dia está a pirataria, a crise na indústria discográfica e a possibilidade de serem adoptadas leis bastante rígidas pretensamente na defesa dos direitos de autor. Que opinião têm desses assuntos? São a favor ou contra estas leis, por exemplo?
Sou completamente a favor de algumas coisas mudarem. No entanto, sou contra extremismos mas a favor de tentar controlar a quantidade de ficheiros descarregados que prejudiquem a indústria da música. Sinceramente, acho que pouca coisa vai mudar…

Por exemplo, estão satisfeitos com o trabalho da SPA (Sociedade Portuguesa de Autores)?
Actualmente, a SPA tem nova direcção e já nos apercebemos, com o registo das novas músicas através da Ethereal Sound Works, que as coisas estão diferentes lá dentro. Portanto, estamos a contar que num futuro breve mais algumas coisas mudem e melhorem.

Há já quem pense deixar de lançar álbuns. Concorda com isso? Por exemplo, os Down preparam uma série de quatro EP’s porque entendem que os longa-duração não vendem e que as pessoas querem cada vez mais música a “retalho”. Como analisa essa opinião? É um cenário a ponderar pelos Thee Orakle?
Eu não adivinho o futuro, infelizmente, mas até hoje essa ideia não nos visitou, pelo menos dessa forma. Já pensámos em lançar álbuns só via internet e esquecer o suporte físico, mas achamos que mais vale fazer poucas cópias e vendê-las todas do que fazer imensas e ficarem a apanhar pó!

Que mensagem deixaria àqueles que viciosamente descarregam música da internet? É o espírito de devoção que se perdeu pela música que está a afectar toda esta cadeia ou é mesmo a falta de dinheiro? Ou como dizia há dias Tony Martin (ex-Black Sabbath): “a música é uma arte inútil hoje em dia”?
Para quem o faz por falta de dinheiro e que, por lógica, não o faz viciosamente, diria que é preciso ter paciência e sacar os álbuns que se pretendem obter depois, o que implica juntar algum guito. Aos restantes digo que há coisas mais interessantes para fazer na vida, nomeadamente sair do computador e ir para a rua, como diz a música dos Deolinda! [risos] Quem mantém a devoção pela música continua a comprar, e para isso não é preciso fazer nenhum estudo. Ao Tony Martin, digo que ele deve ter algum problema cognitivo e perdeu a noção de arte por instantes! Queria ainda apelar a que visitem o site da Ethereal Sound Works e encomendem o nosso novo álbum, assim como o restante merchandising da banda, antigo e recente.

Nuno Costa

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