Breve História do Metal Português
Parte 4 - Os anos 90
Texto redigido ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
O espírito Underground emergente nos anos 80
prosseguiu a sua evolução de forma exponencial na década seguinte. Abundavam os
grupos, as fanzines, os programas de rádio, as newsletters e as mail orders.
As editoras já existentes lançaram mais discos e outras houve que se formaram.
A oferta de concertos nacionais era abundante.
A Norte, a escola de música Rec’n’School e os estúdios
Rec’n’Roll, dos irmãos Barros (Paulo e Luís, respetivamente guitarrista e
baterista dos Tarantula) tornaram-se referências absolutamente incontornáveis
na cena metálica local, primeiro, e nacional, em seguida. No geral as
iniciativas diversificavam-se. A 15 de maio de 1990,
a loja Valentim de Carvalho do Centro Comercial de
Alvalade, em Lisboa, acolheu um dos mais importantes momentos na história do
Som Eterno em Portugal no início dos anos 90: uma memorável sessão de
autógrafos do malogrado Quorthon, líder dos Bathory (há vídeos disponíveis no
Youtube). Centenas de fãs acorreram àquele que terá sido o primeiro evento oficial
do género no país tendo um músico estrangeiro de Metal como protagonista. Em
1994 Vanessa Warwick, apresentadora do programa “Headbanger’s Ball”, da MTV,
apresentou na Gartejo o programa, fazendo também uma sessão de autógrafos.
As bandas nacionais passaram à fase seguinte no que à
sua divulgação diz respeito. Em 1992 os Dinosaur tornaram-se um fenómeno de
popularidade a nível underground com airplay radiofónico massivo e rodagem na
RTP2 de três videoclips em
simultâneo, numa altura em que apenas os Ibéria, Tarantula, Censurados, Ramp e
Procyon passavam na TV. Os programas televisivos “Clipmanias”, “Vira o Vídeo”,
“Clip-Club” e “Pop-Off”, dedicados à música, começaram a rodar Hard’n’Heavy
nacional.
Na primeira metade da década foram editados vários
álbuns clássicos do Metal luso - Kingdom
of Lusitânia (Tarântula); Thoughts
(Ramp), Darkside (Sacred Sin), Ecstasy (Joker), V12 (do grupo com o mesmo nome), Abstract Divinity (Thormentor), Diva
(Heavenwood), Genocide (Genocide), Vast (Disaffected), Reality Asylum (W.C. Noise), Wolfheart
e Irreligious (ambos dos Moonspell).
A par destes registos saliente-se a importância histórica das compilações The Birth of a Tragedy (em vinil duplo),
Mortuary Nº 1 e 16 Portuguese Metal Bands, totalmente preenchidas com agrupamentos
nacionais. Apesar das ainda escassas condições em termos de estruturas
editoriais e técnicas de gravação registou-se um aumento substancial de grupos
com álbuns editados.
Em 1993 os Sacred Sin tornaram-se o primeiro coletivo
nacional a gozar de airplay na MTV
(no programa “Headbanger’s Ball”, com o tema “Darkside”), muito antes de
estrelas pop como os Delfins ou Pedro
Abrunhosa. No ano seguinte foi editado Under
the Moonspell, o mini-LP de estreia do coletivo de Fernando Ribeiro, que
assinalou a primeira contratação internacional de uma banda portuguesa (neste
caso, pela francesa Adipocere Records). Cedo os Moonspell ganharam fama nos
mercados alemão e francês, através de álbuns como Wolfheart e Irreligious.
A partir de então, conquistaram o Mundo.
Em 1992 surgiu a edição nacional da “Rock Power”, a
primeira revista profissional portuguesa especializada em Metal. No entanto,
durou pouco mais de um ano. Os fãs nacionais tiveram que aguardar até 1999 para
virem chegar uma nova publicação dedicada ao Som Eterno, desta feita
apresentando conteúdos 100% originais: a “Riff”, que virou uma página na
imprensa nacional especializada.
Até meados dos anos 90 a demotape reinou enquanto formato preferencial para as bandas
editarem a sua música, mas na segunda metade da década a demo-CD, resultante da evolução tecnológica, ocupou o lugar da
mítica demo em cassete. De igual
forma, no final da década já não havia rasto das fanzines em papel, optando as
bandas pela autopromoção em páginas “pessoais” na Internet (à época ainda não
existiam blogues, redes sociais ou o Youtube. Os fóruns não passavam de meros
projetos online).
O fervilhante cenário ao
vivo nos anos 90
Nos
anos 90 Portugal tornou-se finalmente rota obrigatória para receber as grandes
produções de bandas internacionais de primeira linha, da Pop ao Rock passando
pelo Metal. Os concertos de estádio vulgarizaram-se, com espetáculos
memoráveis, por razões várias, dos Guns ‘n Roses + Faith No More + Soundgarden,
Metallica + The Cult + Suicidal Tendencies, Bon Jovi + Billy Idol + UHF, todos
no Estádio José de Alvalade, em Lisboa.
Nesta altura o Dramático de Cascais era justamente considerado a
catedral da música pesada em terras lusas, recebendo nesta década inúmeros
espetáculos de grupos internacionais - Judas Priest, Manowar, Megadeth,
Sepultura (o segundo concerto nacional dos brasileiros foi objeto de reportagem
alargada no programa “Headbangers Ball” da MTV), Pantera, Slayer, Iron Maiden,
entre outros. Em paralelo, a Sociedade Filarmónica Incrível Almadense, em
Almada, começava a gozar de semelhante estatuto, acolhendo espetáculos dos
Ratos de Porão, Death, Cannibal Corpse, Amorphis, Fear Factory ou Forbidden.
Timidamente, o Coliseu dos Recreios (Lisboa) começou também a receber concertos
de Metal. Nesta década centenas de grupos estrangeiros estrearam-se ao vivo em
terras lusas para nunca mais deixarem de cá atuar a
cada nova digressão.
Para substituir o extinto RRV surgiu o Johnny Guitar,
onde, à semelhança do Rock Rendez Vous, atuavam grupos de todos os quadrantes
musicais. Contudo, ao longo dos anos 90 a
oferta noturna de música ao vivo multiplicou-se. Em Lisboa tornou-se
obrigatória a frequência do histórico Gingão (taberna antiga onde desde os anos
80 os metaleiros se juntavam religiosamente às sextas-feiras e sábados à
noite). Os bares Lusitano, Ritz Clube, Rockline e Rookie assumiram nesta década
o protagonismo da música underground
ao vivo e do dying. Também a Voz do
Operário e a Gartejo (mais tarde batizada de Garage) se tornaram referências
para os metaleiros ouvirem música e ver bandas ao vivo. Em Vila Nova de Gaia o Hardclub
assumiu-se como o grande centro de concertos de Metal na invicta.
Aliás, segundo Miguel Almeida no segundo volume da Enciclopédia da Música Portuguesa em
Portugal no Século XX “a crescente popularidade do género na década de 90
viabilizou a realização de espetáculos para audiências maiores e a apresentação
de grupos portugueses em eventos como o Festival da Ilha do Ermal, Festival
Vilar de Mouros (…), com destaque para o Festival Penaguião Open Air (Penafiel)
[NR: melhor conhecido por Ultra Brutal], nas suas várias edições, dedicado
exclusivamente a grupos de heavy metal,
nacionais e estrangeiros”. De igual forma, o Festival Diz “Sim” à Vida,
realizado no estádio do Barreiro, marcou uma época. Nele participaram artistas
como os Tarantula, Adelaide Ferreira (na sua fase hard rock), Ibéria,
Afterdeath ou os britânicos British Lion (protegidos de Steve Harris, baixista
dos Iron Maiden), numa iniciativa arriscada mas inesquecível. Preparava-se
desta forma o passo seguinte na evolução do Metal português e tudo o que este
nos proporcionou nos anos 00.
Dico