Entrevista The Firstborn
“As pessoas terão forçosamente que
ouvir a nossa música com uma disponibilidade mental de que, cada vez menos, se
dispõe”
“Terceiro capítulo” para uma nova
vida de meditação e introspecção inspirada na tradição budista. Os lisboetas
The Firstborn poderão ter encontrado o Nirvana com o novo “Lions Among Men”,
tal é o seu sensorialismo e ambiência, mas continuam “debaixo de fogo” para
tentar levar avante a sua a música, uma vez que se torna cada vez mais adversa
para o “comum” dos ouvintes. Num estado superior de lucidez e com uma capacidade
invejável para avaliar o momento actual da banda e do próprio meio musical, o vocalista
Bruno Fernandes.
Antes de discutirmos “Lions Among Men”, pergunto-lhe se a fase pós-“The
Noble Search” correspondeu às expectativas da banda em termos de promoção e
mesmo de retorno financeiro, até porque investiram em gravar no País de Gales.
O “The Noble Search” foi uma
aposta pessoal, sem quaisquer ambições de retorno económico... claro que teria
sido óptimo que isso tivesse acontecido, mas não alimentamos ilusões nesse
sentido e as coisas acabaram por corresponder às expectativas. Talvez um pouco
mais de exposição fosse merecida, mas ainda assim foi notória a evolução também
nesse aspecto e isso faz com que, em retrospectiva, possamos afirmar que o
álbum funcionou como uma espécie de pequeno “trampolim” para a banda. Creio que
estamos agora a colher alguns dos frutos dessa mesma aposta, o nome The
Firstborn passou a ser um pouco menos desconhecido e torna-se hoje em dia um
pouco menos complicado promover um álbum como o “Lions Among Men”.
O motivo para terem voltado a produzir um disco em Portugal deve ser
interpretado como?
Sobretudo, sensatez. Em termos
económicos, logísticos (porque é cada vez mais difícil conciliar as agendas de
seis pessoas para que se possam ausentar um mês para gravar um disco, como
sucedeu em 2008) e até musicais, já que assim tivemos tempo para aperfeiçoar o
disco. Sobretudo na fase das misturas, isso revelou-se uma considerável
mais-valia em relação ao mesmo processo aquando do “The Noble Search”, em que
terminámos a mistura do último tema literalmente em contra-relógio para que eu
não perdesse o avião de regresso para Lisboa... desta feita pudemos dar o
trabalho por concluído apenas e somente quando nos sentimos verdadeiramente
satisfeitos com o resultado, e isso permite-nos ouvir o disco sem termos que
nos abstrair de determinadas imperfeições causadas pela falta de tempo ou
meios.
“Lions Among Men” representa o quê para os The Firstborn enquanto
artistas? Foi o maior desafio que se vos colocou?
Sem dúvida, foi um trabalho muito
intenso, desde o processo de composição até à mistura e masterização... eu e o
Nuno Gervásio, guitarrista, investimos horas infindáveis na escrita das
músicas, que foram depois laboriosamente trabalhadas em conjunto com os
restantes elementos. O trabalho de estúdio primou pelo perfeccionismo, pois
havia uma ideia bastante clara do resultado pretendido e o papel do engenheiro
de som André Tavares (micaelense de gema, atente-se) foi primordial para
conseguirmos o equilíbrio entre essa busca pela perfeição e alguma naturalidade
na execução. O maior desafio que se nos colocou foi, de
longe, tentar criar música que vivesse sobretudo do ambiente criado, o
que tem tanto de subjectivo que se tornou um moroso processo de tentativa e
erro, em que frequentemente tivemos que deixar alguns temas de parte durante
semanas a fio, para eventualmente os conseguirmos avaliar de forma mais
objectiva. Conseguir transmitir uma determinada
atmosfera ao ouvinte é consideravelmente mais complexo do que se poderia
imaginar, sobretudo quando há essa intenção clara desde a génese do
próprio tema.
Diria que fosse mais provável que a banda mantivesse alguma da
violência típica do death/black metal, nomeadamente em termos rítmicos. Portanto,
os The Firstborn parecem decididamente apostados em “asfixiar” a sua música num
manto mais vagaroso e denso de sensações. É para uma espécie de “post-qualquer
coisa” metal que os The Firstborn estarão a progredir?
Muito sinceramente, e sem querer
cair nos velhos chavões de que a maioria das entrevistas está repleta, os rótulos e as fronteiras estilísticas são, a cada disco
que passa, uma preocupação cada vez menor para nós. Queremos compor algo que nos preencha e desafie, procurando
sempre que haja um vinco pessoal no que fazemos – podemos hoje dizer que há
elementos na nossa música que a distinguem, que fazem com que algo “soe a The
Firstborn”, e é essa a única linha condutora que procuramos seguir de forma
consciente... não sem tentarmos expandir ao máximo esses mesmos limites
auto-impostos sem descaracterizarmos a nossa sonoridade. Quanto à nossa
progressão, a estética que adoptarmos será sempre um veículo e não um fim em si
mesma. Se para transmitir as sensações que pretendermos veicular num próximo
trabalho chegarmos à conclusão de que precisaremos de voltar a “acelerar” um
pouco, seja. Mas também poderá suceder o exacto oposto... ou essa questão
poderá nem se colocar, por eventualmente chegarmos a um vazio criativo que
conduza ao fim do projecto. É demasiado cedo para o prever.
Os The Firstborn são hoje uma banda capaz de agradar a velhos e novos
fãs? Sem, obviamente, terem rompido radical ou subitamente com o passado, mas a
banda está já bastante longe das suas raízes…
É um facto que a maioria das
pessoas que terá eventualmente gostado dos nossos primeiros registo não se
reverá nos nossos trabalhos mais recentes, mas essa é uma questão que raramente
se nos coloca, já que falamos de números tão diminutos de “fãs” que seria uma
tolice deixarmos que as opiniões de algumas centenas de pessoas influam nas
nossas opções. Nem sempre o quase-anonimato é algo negativo, já que nos permite
trabalhar sem qualquer pressão, permitindo-nos optar pelo caminho que mais nos
agrade sem termos que contemplar a reacção do público.
Quer-me parecer também que os The Firstborn são para os seus elementos,
mas talvez principalmente para si (presumivelmente o letrista principal), uma
forma cada vez mais importante e intensa de transmissão de pensamentos, uma
quase terapia, um ioga, uma purga. Quando toca a conceber as letras e/ou o
conceito dos vossos discos, como é que se posicionam? Tem que haver mesmo uma
profunda abstração da vossa envolvência, uma atenta pesquisa ou por outro lado
basta serem vós próprios e as coisas fluem com toda a naturalidade?
Há momentos de catarse, sim...
mas a maioria do trabalho é apenas isso, trabalho – e muito! Quando escrevo as
letras procuro permitir que os pensamentos fluam livremente, de forma quase
desconexa, tentando depois ordená-los para que adquiram um ritmo mais musical e
poético. Quanto à música, aí já tentamos estruturar os ambientes e as sensações
em torno da componente lírica para que ambas funcionem como uma só. Apenas
quando começamos a ensaiar os temas já estruturados e com as linhas condutoras
bem definidas é que procuro sentir essa harmonia entre os vários elementos que
perfazem o todo, que é muito mais difícil de conseguir do que se poderá
imaginar. Aí, quando se consegue o transe apenas através da energia da música,
sei que consegui canalizar o que pretendia para essa canção... já abandonámos
longos trechos de música por me soarem superficiais e até um tema completo
ficou pelo caminho enquanto escrevíamos este “Lions Among Men”.
Qual é o grande foco lírico deste trabalho e sua relação com o título?
Os “Leões Entre os Homens” são,
na tradição Budista, os bodhisattvas
– aqueles que se encontram no rumo para a Iluminação, que estão a caminho de se
tornarem Buddhas, como o famoso
Siddhartha Gautama. Para este álbum, inspirei-me na escola Mahayana, o “Grande
Veículo”, que abrange uma imensidão de correntes de pensamento, entre as quais
aquelas que advogam que todos os seres sentientes têm em si o potencial para
atingirem a Iluminação, pelo seu próprio caminho, algo em que me revejo e que
penso estabelecer um paralelo interessante com o próprio trajecto da banda ao
longo de todos estes anos.
Para sustentar esta mensagem era uma necessidade premente desenvolver o
som de “Lions Among Men” num sentido mais ambiental e introspectivo?
Não necessariamente para transmitir
esta mensagem em concreto, antes toda e qualquer mensagem dentro deste conceito
que abraçámos desde o “The Unclenching of Fists”... talvez nos faltasse então
alguma capacidade criativa e, sobretudo, confiança nas nossas capacidades
enquanto músicos para ousarmos sequer tentar esta abordagem mais “despida”, que
vive muito mais da ligação que se consegue criar com o ouvinte que de floreados
técnicos ou velocidades estonteantes. Ser-nos-ia relativamente simples fazer
mais um disco assente nesse contraste entre conteúdo e forma, mas procurámos de forma quase instintiva deixar a música
fundir-se com a palavra, com todos os desafios que sabíamos que isso
acarretaria.
Já o ouvi dizer que os The Firstborn são cada vez mais algo pessoal e
menos um produto comercial. Ainda assim a banda preserva um estatuto que a
permite ir tornando válida cada edição, no sentido em que consegue, no mínimo,
ir tocando. Estão satisfeitos com o caminho que a carreira dos The Firstborn
tomou em termos mediáticos e/ou de “tesouraria”?
Julgo que oferecemos um produto
válido em termos comerciais, mas não tão imediato como as circunstâncias acabam
por exigir... a invulgaridade da nossa estética até pode funcionar como
catalizador de alguma curiosidade por parte daquela franja de melómanos que
procura algo diferente, mas especialmente com este álbum as pessoas terão forçosamente que ouvir a nossa música com
uma disponibilidade mental de que, cada vez menos, se dispõe. Ainda
assim, enquanto houver uma força motriz que nos continue a impelir a escrita, e
enquanto conseguirmos reunir os meios para gravar discos com um nível de
qualidade que nos satisfaça, continuaremos a trilhar o
nosso caminho, mesmo que acabemos por não agradar nem aos proverbiais gregos,
nem aos troianos.
Até pelos anos que tem neste meio, como olha para o que tem sido feito
em Portugal nos últimos tempos e como vê o espírito com que as bandas abraçam
as suas carreiras? Será que há mais profissionalismo e lucidez ou continua a
haver muito por fazer e a precisar-se da consciência de que a música não é para
quem quer é para quem pode?
Há muito mais profissionalismo e
qualidade interpretativa nos novos projectos, isso é claro e notório – melhores
executantes, melhores meios e, sobretudo, melhores plataformas de divulgação...
mas creio que se terá perdido muita da ingenuidade que acabava por quase forçar
os músicos a serem criativos para combater as suas limitações. Se houver
perseverança talvez essa criatividade acabe por transparecer, mas enquanto procurarem (de forma mais ou menos consciente)
emular os sucessos de terceiros, jamais passarão de mais um projecto.
Como está a agenda dos The Firstborn para os próximos meses? Há a
perspectiva de irem ao estrangeiro?
A agenda está consideravelmente
menos preenchida do que gostaríamos, não por nossa vontade mas – suponho eu –
pelas circunstâncias do mercado. Ainda assim, estamos receptivos a propostas e
a trabalhar arduamente com o nosso agenciamento para que consigamos apresentar
este “Lions Among Men” a todos aqueles a quem a nossa música apele.
Com mais de 15 anos de carreira – contemplado, obviamente, a fase
Firstborn Evil – será que já não é tempo para pensarem num lançamento
autobiográfico, preferencialmente em vídeo?
São dezassete, mais precisamente!
Isso não é algo que nos tenha sequer ocorrido, já que objectivamente a nossa
carreira é já algo longa, mas não muito preenchida... se a isso juntarmos uma
primeira fase na qual nem sequer nos revemos, não há muito para recordar.
Preferimos abraçar o presente e contemplar o que está por vir.
Nuno Costa
Review: "The Lions Among Men"
"Os The Firstborn têm tudo o que as grandes bandas têm - identidade, convicção e alma" [8.7/10]
"Os The Firstborn têm tudo o que as grandes bandas têm - identidade, convicção e alma" [8.7/10]