Entrevista Ashes
“‘Ecila’ é um
ser que não é ninguém mas somos todos nós”
“A única
forma de chegar ao impossível, é acreditar que é possível”, célebre frase do
conto “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, que poderá ter
inspirado o próprio percurso dos tomarenses Ashes. Certo é que esta mítica
narrativa serve de base "adúltera" para o álbum de estreia do grupo, focando-se numa personagem fictícia que representa
a raça humana e disserta sobre a sua própria existência. Na sua base de sustentação está uma sonoridade suficientemente sólida e abrangente que os coloca num plano de destaque no que toca a jovens promessas no campo do rock/metal alternativo. É por isso (e muito mais) que justificam a seguinte conversa
que mantivemos com vários elementos da banda.
Como foram os últimos anos para a banda? Regista-se um tempo considerável entre as edições do vosso EP de estreia homónimo e “Ecila”…
Após o EP de 2007 houve um período normal de divulgação e
actuações ao vivo - sensivelmente dois anos. Mas como não gostamos de parar de
compor, começámos a pensar no que iríamos fazer para um novo trabalho. Como
queríamos algo diferente, houve ali um certo período de experiências e ajustes
para depois nos concentrarmos a sério em “Ecila”. Porém, sempre sem deixar de
marcar presença em alguns concertos, pois não vivemos sem eles.
Os três anos que
implicaram a criação de “Ecila” foram em resultado de um “parto difícil” em
termos de composição ou houve algo mais relacionado que possa ter atrasado o
seu lançamento, por exemplo em termos “burocráticos”? Isto porque se trata de
um período relativamente longo…
Sim, é um pouco longo, de facto, mas sempre tivemos a
filosofia de que mais vale ir devagar e tudo sair bem. Reparem que o álbum é
bastante complexo e tal exigiu bastante trabalho logo à partida. Se bem que há
coisas que fluem naturalmente de tal maneira que parece magia. Há outras em que
se chega a pontos de decisão complicados, em que tínhamos de insistir e debater
até o resultado ser satisfatório para todos. E, lá está, estamos a falar de
seis músicos amadores que vivem em diversos pontos do país, a trabalhar ou
estudar, e que nem sempre se podem juntar. E nesta banda as decisões tomam-se
sempre em conjunto. Por vezes tínhamos tempos de espera superiores aos que
gostaríamos, mas faz parte da luta de um músico de uma banda underground. Não
obstante, diríamos que só nas questões burocráticas estão envolvidos metade
destes três anos, o que foi bastante mais tempo do que esperávamos. Nas músicas
tanto houve “partos difíceis” como secções praticamente de improviso. E ambas
as maneiras nos dão imenso prazer. Não diríamos que foi por aí que o álbum
demorou tanto a sair.
Neste momento é difícil
enquadrarem o vosso som em alguma corrente ou mesmo editora? Por exemplo, tentarem
lançar “Ecila” por algum selo ou, hoje em dia, pelas condições do mercado, nem
vale muito a pena pensar nisso?
É um pouco, porque nós já não somos rock como éramos
antigamente, mas também não somos metal na sua totalidade… acabamos por reunir
tantas influências que não seguimos uma corrente definida. Tanto que é um pouco
difícil caracterizar o nosso som. Mas, claro, vale a pena pensar nessa
possibilidade, se houver interesse de parte a parte é, obviamente, algo a
explorar, pelas portas que pode abrir. Infelizmente, não sucedeu ainda, mas
nunca é tarde demais.
Daquilo que percepcionam
do nosso meio artístico, concretamente o mais rockeiro/metaleiro, como acham
que se encontra? Há mais criatividade do que antes, mais profissionalismo,
dinâmica, variedade, etc? São fãs de bandas nacionais, por exemplo?
Claro que somos. Das mais conhecidas às mais underground.
Se fizéssemos uma lista das bandas nacionais de que gostamos não saíamos daqui.
Em relação aos aspectos referidos, penso que, felizmente, se nota um pouco mais
de tudo… menos o profissionalismo, talvez. Se bem que, por um lado, há bandas
amadoras que sabem investigar e fazer o seu trabalhinho de casa e planear tudo
direitinho. Nesta nova era da informação aos magotes espalhada por todo o lado
e de algum facilitismo na divulgação de música, verificamos um certo desleixo generalizado
em projectos que ainda estão um pouco verdes e causa alguma entropia no meio.
Mas o pior mesmo é quando ainda não se nota mais profissionalismo na
organização de eventos e ainda acontecem episódios lamentáveis que, após uns
anos, já nos é difícil de perceber como e porque continuam a acontecer.
É mais fácil
participarem, por exemplo, numa Semana Académica ou num festival de metal?
Volto a frisar: há alguma dificuldade em enquadrarem a vossa sonoridade nas
características do mercado nacional e na procura dos promotores?
Não restringimos as nossas actuações a nenhum tipo de
evento. Se bem que tenham falado em dois eventos bem diferentes, já
participámos nos dois e correram ambos muito bem. Felizmente, o público
corresponde bem aos nossos concertos, mesmo com o nosso som algo
característico. Ou, se calhar, talvez por isso mesmo. E notamos que os
promotores também já começam a ter atenção a este facto.
E, já agora, no plano
internacional, o que se pode registar até ao momento em termos de “conquistas” e
o que está a ser feito nesse sentido, se é que faz parte dos vossos planos?
Faz parte dos planos. Para já, temos alguns fãs lá fora,
e bem atentos para nosso grande contentamento. Aliás, a primeira encomenda do “Ecila”
veio da Hungria. Mas queremos fazer mais, já começámos a estabelecer alguns
contactos e vamos ver o que se sucede nos próximos tempos.
Em termos de composição
como funcionam os Ashes? Os próprios apontam uma extensa lista de influências. Como
é congregar tudo isto no vosso universo?
Como referimos anteriormente, há tanto partes que surgem
de improviso como de muito insistir até sair algo que nos agrade. Outras vezes,
algum de nós tem uma ideia e já pensou o que os outros instrumentos podem fazer
em conjunto. Outras ainda, temos só uma malha simples de base e trabalhamos à
volta dela - por vezes, a base até acaba por desaparecer. Enfim, temos muitas
maneiras de compor e, felizmente, todas nos satisfazem. Realmente, ouvimos e
tudo e, por vezes, queremos juntar tudo, o que até gera algumas discussões
saudáveis. A vantagem de os seis reverem tudo em conjunto é que gera bons
filtros de até onde poderemos ir sem perder a nossa identidade, tanto
individual, como músicos, como colectivamente, enquanto banda.
Das influências menos
óbvias que citam (como o jazz, a música clássica, o psy trance) há alguma
relação com a possibilidade de virem a expandir ainda mais o vosso som?
Há sempre a possibilidade, se bem que não estamos a
apontar nesse sentido. Mas do futuro, nunca se sabe.
As aproximações vocais do
David Pais a Maynard James Keenan causam-lhe mais prazeres ou dissabores? Como
é que as pessoas reagem a isso?
Na verdade, nunca trouxe nenhum dissabor, até porque não
é algo que preocupe. Por um lado, essas aproximações nunca foram calculadas e,
de certa forma, é um elogio tal comparação com um cantor excelente. Entretanto,
já surgiram outras comparações, mas é algo que já estamos preparados para
enfrentar. No que toca à voz, é muito fácil notar-se certas influências, por
mais que se tente trabalhá-la para ser única.
Como podem explicar a
inclusão de um violino na vossa música? Não deixa de ser curioso serem
“vizinhos” de uma banda como os Quinta do Bill que também apresentavam uma
mistura não muito comum em Portugal na altura…
Sim, é curioso, mas é puro acaso. Até porque nós
conhecemos os Quinta do Bill do tempo em que ainda nem tinha violino. Era mais
a flauta a dar-lhes aquele toque especial que sempre tiveram. Curiosamente, o
nosso violonista teve aulas com o primeiro violonista dos Quinta do Bill, o
Nuno Flores. Mas, na verdade, quando incorporámos o violino nos Ashes estávamos
à procura de um vocalista para substituir o que tinha saído. Como estávamos num
período de experiências, pensámos “E porque não?”. Experimentámos e o resultado
foi logo prontamente aprovado por todos. Claro que tal veio a influenciar mais
tarde o nosso tipo de som. Foi um feliz acaso.
Por falar em Tomar,
encontram algumas dificuldades por ser uma cidade pacata, embora relativamente
bem situada (sensivelmente ao centro do país)? Isso tem influência na vossa
agenda?
Tem um pouco, pois, em regra, os concertos em grandes
centros urbanos para bandas como a nossa não são remunerados, o que implica, à
partida, despesa considerável sobre a qual não temos retorno. Como tal, ao
longo da nossa história, tocámos mais no centro do país. Mas, este ano, estamos
decidimos a investir um pouco mais e a tentar divulgar o nosso álbum onde nos
for possível.
É incontornável o vosso
conceito lírico em “Ecila”. Falem-nos um pouco de como surgiu a ideia de aludir
ao universo de “Alice no País das Maravilhas” e de como este se pode relacionar
com a própria música ou visão dos elementos da banda.
Quando estávamos a começar a compor novos temas, tanto a
melancolia como a ambiência deles tinham alguns pontos em comum, pelo que o nosso
vocalista achou que seria curioso tentar torná-los uma
peça única através de uma história que pudesse ser explorada em vários temas - como
um fio condutor ao longo de um possível álbum que viéssemos a compor. O
conceito acabou por surgir através de um tema do nosso primeiro EP - “(Through
The Looking) Glass” - que não se inspira no universo de Alice, mas que, de
certa forma, lhe pede emprestado o título. Então começámos a imaginar o que
seria se fizéssemos uma interpretação diferente da história do Sr. Lewis
Carroll... e foi o que fizemos. Os temas novos estavam a ganhar forma, revelando-se
um pouco soturnos para a nossa sonoridade, o que inspirou-nos a puxar mais o “envelope”
e criar uma história de tentativa de redenção por parte de “Ecila”, um ser que
não é ninguém mas somos todos nós, nos momentos mais íntimos e em que
reflectimos no sentido da nossa existência. Nunca tínhamos feito algo assim, e
foi muito curioso criar música com um conceito assim em mente.
Os Ashes formaram-se há
cerca de 15 anos. A forma como as coisas decorreram até aqui coaduna-se com o
que tinham planeado ou há alguma desilusão por não terem, por exemplo,
consumado mais edições?
Não, tivemos o nosso ritmo. Nós começámos como um grupo de
amigos que queria formar uma banda, nem sabemos bem porquê, num estilo solto e desapegado.
Ao longo dos anos passámos por diversas mudanças de elementos, o que implica
passar por várias fases, algumas paragens e muitas reformulações. Mas tudo isso
faz parte para chegar onde estamos actualmente, com o nosso potencial a
revelar-se na sua plenitude. Talvez a única desilusão seja não termos pisado
mais vezes palcos com maior visibilidade, mas havemos de voltar com maior
frequência a estes.
Como serão os próximos
meses da banda?
Tocar, tocar, tocar, compor e tocar. E tentar sempre
chegar mais além.
Teremos que esperar
muito mais tempo para voltar a ouvir um disco dos Ashes? Como olham para o
vosso futuro a médio e longo prazo?
Nós nunca paramos de compor
(nem quando estávamos a tratar do “Ecila”), mas não temos nenhuma data definida
para lançar um novo trabalho. Estamos mais focados em divulgar este trabalho e
crescer o mais possível enquanto banda.
Nuno Costa
"É por essas e por outras que “Ecila” é, mais do que um disco interessante, um exemplo importante de como ainda se pode soar inovador sem pretensiosismos ou super-produções." [7.3/10]