Entrevista Mnemic
RETALIAÇÃO SENSORIAL
“Estávamos cépticos mas felizmente conseguimos criar um bom
álbum”
Até para uma das
bandas mais respeitadas e bem sucedidas de uma nova geração aliciada pelos sons
down-tuned e polirritmados não é fácil superar a saída em catadupa de três das
suas peças fundamentais. E se um dos sobreviventes cai numa profunda depressão
a tarefa ainda se torna mais complicada. Votados a cerca de cinco anos de
autêntico eclipse, apesar da edição de “Sons Of The System”, os dinamarqueses
Mnemic resistiram às mudanças dos tempos, das mentalidades e até
às próprias contingências da indústria discográfica para, debaixo de uma autêntica
catarse, como reza o seu mais emblemático membro actual – Mircea Eftemie (guitarrista)
-, conseguirem o álbum mais emotivo e, quiçá, pessoalmente mais marcante através da
novidade “Mnemesis”.
Não diria que foi exactamente por causa da indústria discográfica.
Foi uma mistura de muitas coisas, que também inclui esse factor. Parámos de tocar
após o “Passenger” (2007) e fizemos uma espécie de pausa com a banda. Depois
concordámos em fazer mais um álbum, o que implicou um processo longo que, de
alguma maneira, fez a banda afundar-se em termos de popularidade. Estivemos
afastados da estrada durante um longo período e, entretanto, mudámos bem como a indústria musical.
Todos na banda passaram a ter outras prioridades à medida que foram crescendo e a banda tornou-se em algo de menos interesse. Por outro lado, a banda nunca foi
uma fonte de receita, o que ajudou a tornar a situação mais
insustentável.
Tendo em conta a
longevidade da estrutura que apresentavam surge a curiosidade de perceber como
decorreu o processo de composição para este novo álbum. Os novos membros vieram
a tempo de contribuir com as suas ideias ou tudo baseou-se na sua mente?
Dada a entrada dos novos elementos tudo foi bastante
diferente. Nos álbuns anteriores cada um costumava gravar demos em casa que depois eram analisadas nos ensaios. Habitualmente era o Brian [Rasmussen,
baterista], o Rune [Stigart, guitarrista] e eu quem compunham tudo. Desta vez
foi mais o Vitor [Ronander, guitarrista] e eu próprio a sentarmo-nos em frente
ao computador e a agitarmos os temas. Devido a prazos estávamos muito pressionados, logo não tivemos muito tempo para ensaiar.
Portanto, basicamente tudo foi feito no computador. O Victor é óptimo a gravar
e a programar baterias e, a partir daí, trocámos ideias. Entregámos os temas ao
baterista que os ensaiou antes de entrar em estúdio. Nunca tínhamos trabalhado
assim. Num próximo álbum queremos mudar este método, pois, na minha
opinião, não é o ideal. A menos que trabalhemos com um prazo restrito.
Para uma banda que
atingiu um considerável sucesso tão repentinamente seria mais óbvio se mantivessem na vossa zona de conforto. Porém, “Mnemesis” é um disco mais
suave e menos técnico. Este rumo tem que ver com outras influências que absorveram com o tempo?
Esse facto está mais ligado ao estado de espírito em que
me encontrava, mas principalmente ao bom ouvido melódico do nosso novo
guitarrista. Foi uma mistura dos nossos processos de composição. Algumas das
partes que escrevi e idealizei eram mais melancólicas e atmosféricas do que tudo o que tínhamos feito antes. Foi mais uma questão de estado de espírito do que outra
coisa qualquer. O Victor é também é um grande criador de melodias e é por tudo isso que o disco soa mais melódico.
Por outro lado, também comecei a ouvir Mastodon. Eles foram
uma grande influência para mim neste disco. Na verdade, nunca tinha percebido bem a sua
música até lançarem o mais recente álbum que mudou
verdadeiramente a minha forma de compor. Contudo, não acredito que consigam
testemunhar essas influências em "Mnemesis".
Tendo em conta que o “Audio
Injected Soul” é, provavelmente, o vosso disco mais bem sucedido, não sentem a
tentação de fazer uma sequela?
Isso nunca pode acontecer. É o mesmo que pedir aos
Metallica para fazerem um “Master Of Puppets II”. Não se trata de algo que possa ser comandado. É daquelas coisas feitas no tempo e no sítio certos. Cria-se
um clássico porque se têm determinados sentimentos, visões e emoções, e daí resulta
algo único. É preciso estar num certo estado de espírito e reunido com os
músicos certos.
Qual consideraria o
maior desafio durante a criação de “Mnemesis”?
O grande desafio foi mesmo o tempo disponível. Tivemos
quatro meses para escrever o álbum. Primeiro entraram os novos membros e, a
partir daí, começámos logo a compor. Foi muito exigente e tanto eu como o
Guillaume perguntávamo-nos como tudo iria acabar. Estávamos cépticos mas
felizmente conseguimos criar um bom álbum de que nos orgulhamos.
Ao mesmo tempo, o som
dos Mnemic tornou-se mais personalizado e identificável e tudo leva a crer que
também o Tue Madsen tem responsabilidade nisso. Sentem nesta altura que é
impossível trabalhar com outro produtor? Qual será o segredo?
Não existe segredo. O Tue é como o sexto elemento da banda, sabe como pensamos e o que queremos. É muito simples, falamos a mesma
língua. Desta vez, para dizer a verdade, não analisámos muito a maneira como
queríamos soar. Simplesmente fomos para estúdio, ligámos o material e dissemos-lhe
que queríamos um grande som. Hoje em dia, todas as gravações são digitais, tudo
passa, basicamente, pelos mesmos plug-ins e filtros, mas para mim o segredo está
na maneira como se toca. É isso que verdadeiramente molda a maneira como cada
banda soa.
Considerando as
letras de “Mnemesis”, existe algum conceito?
Este não é propriamente um álbum conceptual, uma vez que os
temas diferem bastante uns dos outros. Mas diria que é muito mais
emocional no que diz respeito às letras. Escrevi a maioria delas que se baseiam
numa espécie de experiência catártica. Há um ano atrás cai num estado muito
depressivo. Perdi alguém que amei muito, alguém que estava mentalmente doente e
que me afectou bastante. Comecei a estudar psicologia e a tentar descobrir
porque as coisas são como são. De alguma maneira, este foi o meu processo de
cura. Muitas das letras estão relacionadas com emoções. Por exemplo, a “Junkies
On The Storm” fala de não conseguirmos deixar-nos levar emocionalmente. A “Transcend”
é sobre uma dor imensa que te faz desejar não existir. São assuntos muito duros
mas que eu vivi e não recomendo a ninguém.
Tem algum tipo de
preocupação especial quando compõe, tendo em conta que a indústria musical
tornou-se completamente imprevisível e frágil e que toda a gente descarrega os
álbuns gratuitamente?
Não tenho tempo para me preocupar com isso, pois a
quantidade de e-mails, notícias e campanhas de marketing em que estou envolvido
dão cabo de mim. Estou mais interessado em perceber como devemos mudar o
negócio da música de forma a ser mais positivo para os artistas. No fim de
contas, tudo tem a ver com dinheiro e são os artistas que mais sofrem com isso.
E porque é que isso acontece? Como podemos mudar o modelo de negócio de forma a
podermos tirar benefícios do nosso trabalho? Apesar de não fazer vida da música
esta é uma preocupação pessoal há muitos anos. Chega-se a um ponto em que ou se
atira a toalha ao chão ou se começa a pensar em novas estratégias para
conseguirmos sobreviver neste negócio.
Como acabou por
referir, o “Sons Of The System” (2010) acabou por não ser tão bem promovido ao
vivo. Esperam agora outro destino?
Sem dúvida, desta vez haverá muito mais promoção. Estamos
famintos por digressões. Queremos tocar o máximo possível e conhecer o mundo
mais uma vez. Acabámos há pouco tempo uma digressão europeia com os nossos
companheiros Raunchy e planeamos embarcar numa curta digressão
escandinava. Logo depois disso temos agendada uma digressão extensa pela Europa ao lado de nomes
maiores. Planeamos ainda ir aos Estados Unidos e à Austrália. Queremos tocar
onde ainda nenhum homem tocou, na lua, por exemplo! É para perceberem o quão
famintos estamos.
Voltaram a ser
invadidos em palco depois do concerto nos Açores em 2007? Gostaria de
recordar-nos o momento?
Lembro-me bem desse episódio, foi muito bom. Não íamos com
grandes expectativas, pois o concerto era numa sala muito grande e não
estávamos à espera que numa ilha aparecesse muita gente. Contudo, o recinto
tinha entre 300 a 400 pessoas… Tínhamos mesmo que convidar o pessoal a subir
ao palco, pois foram fantásticos. Tenho esperança que possamos
regressar um dia.
Nuno Costa