O último suspiro
Para os mais atentos, ou até nem é preciso, é por demais
evidente que o metal nos Açores está doente. Ou mais do que isso - moribundo,
autenticamente à beira do abismo. Pessoas que facilmente identificarão (e não,
não somos nós na SoundZone que, por acaso, também já organizámos vários
eventos), estão a viver entre fogo-cruzado de mentiras, desprezo, preconceito
(e mais uma série de hediondos nomes) para conseguirem continuar a levar às
costas um género musical que durante 20 anos foi só um dos principais
catalisadores da formação de jovens músicos nos Açores. Exacto, os músicos de
heavy metal, aquele coisa abominável à luz das mentes mais retrógradas que
comandam a nossa cultura e tudo o que tenha a ver com o espectáculo e o entretenimento.
Até invocaria uma simples mas curiosa estatística para entendermos a
subjectividade das coisas: Portugal em 20 anos quadruplicou o seu número de
licenciados. Curiosamente também, ou não, encontramo-nos num estado social,
político e cultural do mais decadente que alguma vez vivemos e a deambular por
uma autêntica Idade da Pedra (e não, não me refiro à pedra das imponentes e
modernaças construções que custam o que não mata a fome a milhares) no que toca
a mentalidades e capacidade intelectual.
Os Açores, e que nos desculpem os leitores do continente que
nos seguem, é mesmo e cada vez mais uma monocultura de compadrio, interesses
aculturados e idiossincrasias ambíguas e promíscuas. Para além de estarmos
isolados pelo mar, continuamos também enjaulados por intransigências que nos
fecham as portas a qualquer sonho. Minto. Juntemos uns trocos para apenas um
bilhete de ida, como alguém do faustoso pelouro já aconselhou. Se calhar é
mesmo isso que precisamos - que todas as pessoas honestas e talentosas que lutam
pelo que acreditam, saltem fora e deixem reinar toda a "abutrice" que
cresce das árvores.
E será que os nossos soberanos percebem alguma coisa de
cultura? É uma das perguntas que mais ocorre aos lesados por tanta injustiça e
insensibilidade. Pelos factos, não há muito risco a ajuizar. Pelas intenções
ainda se dá o benefício da dúvida. Mas não se crê que de orgias de papelão dissolvente, "garagens" bem abertas ou pautas paralíticas se faça o presente
e o futuro da nossa cultura. Não é preciso um esforço muito grande para se
perceber do que se trata.
Mas porque para se legitimar uma crítica também tem que se
olhar para dentro, entristece-me reconhecer que há e sempre houve muitos
"paraquedistas" no rock e no metal. No açoriano a dobrar. Porque nas
terras pequenas há uma comunhão saudável mas uma tendência quase repugnante
para a uniformização. Se num plano global, ser do contra é quase uma heresia,
imagine-se no meio de um minúsculo aglomerado de seres. A coragem e a
personalidade vê-se no assumir incondicional dos nossos princípios. Mas como
somos muito poucos não temos essa força. Somos um rebanho oco que se cinge a si
próprio e só se aceita num todo. Discriminação inquisitória para quem ousar o
contrário.
Por miúdos, todos os apelos feitos à comunhão do que se
pensava ser uma legião considerável de fãs de metal, aquando das chamadas para
eventos de irrecusável importância, foram ignorados, sem qualquer clemência,
pelo seu instinto autenticamente animal - muitas vezes de acasalamento. Não há
mesmo outra maneira de abordar o assunto. Com isso o metal foi-se enfraquecendo
cada vez mais e tornando-se num elo quebradiço que agora os necrófilos
"troikanos" facilmente vão devorando. Triste povo.
Se há coisa que distingue o metal de muitas culturas
musicais e outras, é a convicção - esta palavra simples, mágica mas
impraticável para muita e boa gente. Quando do metal se afama o ateísmo, eu
socorrer-me-ia precisamente do exemplo deixado por Cristo (independentemente da
fé que se tenha, mas olhemos ao "conto" em si) para mostrar do que
falamos quando nos referimos a convicção. Acabou na cruz, pois todos sabemos...
mas a história permaneceu dois milénios e das "ovelhas enfermas" não
restou nada para contar.
Para não correr o risco de obcecar com teorias baratas (pelo
menos para alguns), deixo apenas o repto aos sobreviventes, os sem-medo, os verdadeiros
guerreiros (no melhor sentido da palavra): acordem e não vos deixem roer os
ossos até ao tutano. Pois eles não merecem nem a larva que nos ameaça devorar.
Nuno Costa