Mark Costa [Ender] - Um açoriano de sucesso em Nova Jérsia
Em todo o esplendor utilitário das redes sociais, fizemos
uma descoberta verdadeiramente surpreendente nos últimos dias, mesmo que a
história nos ensine que os açorianos e os portugueses, em geral, são um povo
colonizador e aventureiro. Já há muitos anos que também se fala em "aldeia
global" e eis que, "mesmo aqui ao lado", em Nova Jérsia, fomos encontrar
um descendente de açorianos, mais propriamente da freguesia do Faial da Terra (a pouco mais de 20 quilómetros de onde a SoundZone está
sedeada), que toca metal, grava discos e até já fez inúmeras tours pelos Estados Unidos. Mark Costa, de
24 anos, baixista dos Ender, acedeu a partilhar a sua história e a da banda que
o apaixona e já o levou a cometer várias "maluqueiras". Apesar da
indisfarçável nostalgia pelas suas origens, nunca perdeu o verdadeiro sentido
das linhas que se seguem: transmitir a crença de que com suor e dedicação, não há isolamento ou insularidade que impeça os músicos de chegarem onde
querem.
Chamo-me Mark Costa e vivo actualmente em Nova Jérsia, nos
arredores de Nova Iorque. A minha família é natural do Faial da Terra. A minha
avó vive lá com um punhado de primos. O meu pai nasceu lá e mudou-se para os
Estados Unidos em 1977. Quando falei com o Nuno da SoundZone fiquei muito
satisfeito por saber que nos Açores há uma comunidade de fãs de metal. Viajo
até ao arquipélago todos os anos e adoro ver a cultura local. Em todas as
visitas aprendo algo novo. Estou muito entusiasmado por agora, finalmente, aprender
algo mais sobre o metal local e partilhar algumas experiências com os
açorianos.
Estou em actividade como músico há dez anos. A zona em que vivo
é muito fértil em jovens que aspiram a ser músicos. No liceu toda a gente
queria ter uma banda e actuar ao vivo. Havia gente por todo o lado a organizar
concertos, usando desde caves até escolas, clubes e pequenas salas espalhadas
pelo estado. A internet foi uma
ferramenta que ajudou a tornar tudo isto possível. Até a pessoa com a mínima
curiosidade em ser músico tinha a oportunidade de partilhar a sua arte.
Têm existido tantas bandas de qualidade que não só se
formaram na minha zona mas que partiram em tournées. Ter todas estas bandas
muito empenhadas à minha volta era uma constante fonte de inspiração. O motivo
para todas estas frequentes tournées
(grandes e pequenas) prende-se exactamente com a internet e com o forte
movimento da nossa "cena". As bandas que queriam embarcar numa
digressão não estavam limitadas às salas mais conhecidas. Promotores menos
reconhecidos, espalhados por todas as cidades, tomavam as rédeas e conseguiam
agendar datas para estas bandas nas salas mais pequenas. Estas são as pessoas a
quem verdadeiramente devo agradecer por todas as oportunidades que me deram,
bem como a todas as grandes bandas da minha zona. Havia sempre um lugar onde
tocar e expor a nossa música. Para além destes concertos que se realizavam
todos os fins-de-semana, tivemos o prazer de ver várias datas da Vans Warped
Tour que nos apresentaram muitas das nossas bandas preferidas, bem como o
Bamboozle Festival. Os primeiros anos do meu crescimento como músico estavam
constantemente a ser inspirados por estes mercados que tínhamos ao dispor.
Era um sonho meu tocar fora de Nova Jérsia, sempre quis
fazer digressões. Trabalhei imenso em promoção e a poupar dinheiro para comprar
novo equipamento. Surgiu, finalmente, uma oportunidade para irmos em digressão,
em 2009. Na altura, acabava de obter a minha licenciatura e a minha banda
decidiu acabar e recomeçar. Assim nasceram os Ender.
Era altura da Primavera. Fomos para a sala de ensaios,
arranjámos um novo vocalista e escrevemos um disco. Foi o processo mais natural
que alguma vez testemunhei. Estávamos decididos a promover este disco na
estrada. Ainda não tínhamos feito o nosso primeiro espectáculo mas já estávamos
decididos a fazer uma tournée
completa. O nosso primeiro concerto foi, no fundo, o primeiro concerto da nossa
primeira digressão. Esta durou três semanas e percorreu a costa este dos
Estados Unidos. A primeira data a realizou-se em Nova Jérsia e fomos depois
mais a este, até Ohio, e mais abaixo, até à Flórida. Agendámos essa digressão
pelas nossas próprias mãos, contactando apenas bandas de diferentes cidades e
com sonoridades parecidas com a nossa e pedindo que nos indicassem quem
normalmente agendava espectáculos na sua área. Nos concertos vendemos t-shirts
e demos de forma a pudermos comer e
pagar o combustível para irmos até à próxima cidade. Todos os dias era uma nova
aventura. Nenhum de nós fazia ideia do que podia acontecer ou mesmo se íamos regressar
a casa! Nessa digressão tivemos excelente feedback,
fizemos amigos fantásticos, dormimos em muitos parques de estacionamento e em
muitos chãos de muitas casas. Havia putos nos nossos concertos que não
conhecíamos, mas que sabiam as nossas letras melhor do que eu...
Quando regressámos a casa fomos para estúdio e gravámos a estreia
"This Is Revenge". Por essa altura, recebemos uma mensagem do vocalista
dos Emmure, o Frankie Palmeri. Os Emmure eram uma das nossas bandas favoritas e
ficámos completamente aterrados quando ele disse que queria assistir a um
concerto nosso e conhecer-nos. Não sabíamos o que esperar, mas ele sempre
apareceu...
Tocámos no sótão na sala dos Veteranos de Guerra
norte-americanos. O palco era verdadeiramente pequeno, mas os putos adoraram
cada minuto do nosso concerto e nós também. Depois deste espectáculo, o Frankie
disse que tinha mesmo gostado do nosso trabalho e estava interessado em ser
nosso manager. Pouco depois entrámos
num estúdio em Nova Jérsia, em Dezembro de 2009, para gravar o "This Is
Revenge". Passámos cerca de uma semana em captações mesmo antes do Natal e
debaixo de uma tempestade de neve. Era o ambiente perfeito, porque assim não
podíamos ir a lado nenhum nem distrair-nos. O Frankie gravou um tema connosco
chamado "Panty Sniffer Does Porn", o qual acabou por se tornar no
nosso tema mais popular e o que habitualmente fechava os concertos. Após o
disco estar concluído, o Frankie ajudou-nos a mostrá-lo a editoras. Tivemos
algumas reuniões com a Eulogy e achámos que era um bom partido para nós.
Assinámos contracto em Março de 2010. Foi feito um grande planeamento para
lançar o "This Is Revenge". O Frank e o John da Eulogy queriam
agendar algumas digressões em torno do lançamento do disco. Em Julho, o
"This Is Revenge" estava pronto a ser lançado, mas, infelizmente,
muitas das digressões que planeámos caíram por terra... Para resumir uma longa
história, não tivemos a oportunidade de fazer chegar este disco às massas, como
tínhamos planeado. Estávamos presos a fazer digressões mais pequenas como
cabeças-de-cartaz e a companhia de management
do Frankie desapareceu. O nosso grupo de fãs continuava fiel, mas estávamos sem
rumo, a tocar os mesmos temas durante mais de um ano. Gerou-se grande stress e deixámos a estrada. Decidimos
fazer uma pausa durante a qual o nosso vocalista e um dos nossos melhores
amigos, o Joe Benducci, decidiu abandonar a banda.
Iniciou-se aí mais um longo ano sem sabermos o que fazer!
Estivemos um ano a testar vocalistas. Havia muitos inscritos, de todo o país,
mas queríamos que a escolha fosse verdadeiramente acertada. Por fim, na
Primavera, encontrámos o nosso actual vocalista, o John Robert. Sentimos que
ele tinha uma grande visão e capacidade para levar o som dos Ender a um novo
patamar. Depois de "desaparecidos" um ano, lançámos o primeiro tema
com a nova formação, intitulado "SMD". O novo disco chama-se
"Descolada". Fui eu que também dei o nome aos Ender, baseando-me nos
meus livros preferidos do Orson Scott Card. O Ender era a personagem principal,
seleccionada à nascença por uma agência do Governo para proteger a raça humana de
um ataque fulminante dos extraterrestres. O Governo começou a treiná-lo quando
ainda era muito novo. Ele era sempre o mais pequeno e novo dentro do grupo, por
isso, pensavam que ele não valia nada. Entretanto, acabou por salvar o mundo
sem se aperceber disso. Senti que o Ender era a representação de uma banda que
tinha lutado para alcançar os seus objectivos e salvar a vida dos fãs que viam
um escape na sua música. "Descolada" é também um dos temas na
literatura de Orson. Na verdade trata-se de uma doença criada pelo Homem que
destruiu a dupla hélice. Achei que era muito fixe e... é um termo português!
E foi assim que surgiram os Ender. Estou muito satisfeito
por ter descoberto que existe uma comunidade metálica na pequena ilha onde
nasceu a minha família. Todas as vezes que vou lá, quase tudo é um mistério,
pois existem tantas histórias e pessoas que desconheço. Passo o tempo a imaginar
como é a vida lá, como as pessoas encontram a sua música e como a partilham. Quero
aprender sobre a "cena" local. Sinto enorme orgulho em ser português.
Todos os descendentes de portugueses que vivem perto de mim também sentem o
mesmo. Os portugueses sempre tiveram um grande sentido de comunidade. No Faial
da Terra todos olham uns pelos outros. Lá a cultura é muito diferente da
americana. Aqui as pessoas estão sempre a tentar passar por cima umas das
outras, as ruas nem sempre são seguras e temos que estar constantemente a olhar
por cima do ombro. Quando estou no Faial da Terra sinto-me seguro e rodeado por
uma cultura de amor, muito parecida com a cena metálica de Nova Jérsia. O moshpit pode ser muito amalucado, mas ao
teu lado está sempre um "irmão" que te vai ajudar a levantar. Todas
as nossas bandas também se ajudam. Todos estão lá para ajudar a manter a "cena"
viva. É muito semelhante com a vida no Faial da Terra.
Por fim, enumero algumas das bandas actualmente de topo nos
Estados Unidos e com quem tivemos o prazer de partilhar o palco: Emmure, Veil
Of Maya, Oceano, For The Fallen Dreams, Liferuiner, Bermuda, The Acacia Strain,
Legend, Born Of Osiris, My Children My Bride, Stick To Your Guns, Suicide
Silence, Volumes, The Ghost Inside, Betrayal, As Blood Runs Black, Like Moths
To Flames ou Impending Doom.
Mark Costa