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Kit:"A SPA é apenas mais um embuste do capitalismo"

João Martins"Kit" terminou uma pena de 30 dias de prisão efectiva no passado dia 23 de Agosto por ter utilizado um disco pirata num local público. Entretanto, foi revelada uma carta escrita pelo músico terceirense ainda no Estabelecimento Prisional de Angra do Heroísmo, onde aborda vários temas,  particularmente as leis dos direitos de autor.   

“KIT”
RECLUSO 20122574

…Quando não te deixarem protestar, protesta ainda mais… Se nada conseguires de imediato, terás dado ao mundo um exemplo de liberdade interior e de firme coragem; terás lançado a tua pedra – e não das menores – para a grande construção; terás ganho para a vida uma força ante a qual, mais tarde, se hão de aplanar os ásperos caminhos e abater os alterosos obstáculos.

Agostinho da Silva
(extraído dos seus Textos e Ensaios Filosóficos, Volume I)

Olá, amigos! Em primeiro lugar, obrigado a todos aqueles que, de livre e espontânea vontade, se uniram na organização de eventos culturais para angariação de fundos, para que eu não tivesse de cumprir mais 160 dias de prisão, além dos 30 que cumpro por um suposto crime à luz de uma lei desajustada na matéria de direitos de autor e divulgação de cultura.

Jamais esquecerei este vosso gesto. Também agradeço a todos aqueles que colaboraram com donativos.

Muito se tem falado sobre os motivos que me levaram até à prisão para cumprir estes 30 dias de prisão efetiva. Passo então a explicar a minha versão original dos factos (sem cópias piratas).

No dia 19 de novembro do ano 2007 DC* (Depois de Cristo, porque as nossas leis confundem-se com leis feitas Antes de Cristo – AC), uns senhores, que se identificaram como inspetores de atividades culturais, fizeram uma visita ao Akustik Bar, onde eu passava e tocava música ao vivo, e apreenderam o stock de CDs de músicas sacadas da internet e DVDs originais que possuía.

Foi-me aplicada uma coima por usurpação de direitos de autor, por um DVD dos Red Hot Chilli Peppers, original que tocava naquele momento mas que, segundo os inspetores, não possuía um selo do IGAC.

Naquele momento fiquei surpreendido, mas não fiz qualquer tipo de reclamação, até porque os sujeitos estavam acompanhados por elementos da Polícia de Segurança Pública, com coletes à FBI e tudo, portanto OK!

2008 DC* fui notificado pelo Ministério Público para ir levantar o material apreendido e, qual não foi o meu espanto, foram-me entregues os CDs piratas e os originais tinham ficado na posse dos tais inspetores do CSI (Cultura Sob Inspeção).

Lá vai o Kit falar com eles, mas de nada serviu porque, segundo eles, “foram dados como perdidos a favor da Região Autónoma dos Açores”. Ainda reclamei através do Ministério Público, para recuperar os meus DVDs originais mas, até hoje, nada!

Mais tarde recebi a coima pela usurpação de direitos de autor, mas como me sentia injustiçado, resolvi não colaborar com a senhora dos olhos vendados e da balança desequilibrada, a que os crentes chamam Justiça. Ou seja, não paguei.

Alguns podem questionar: porque não recorreste da sentença? É simples. Esta lei não é só injusta no meu caso, como no caso de tantos autores por este país fora, e decidi fazer disto uma luta em nome da liberdade de partilha da cultura.

No início de 2011 DC* recebi uma notificação para o julgamento marcado para o dia 8 de abril. Alguns dias mais tarde (março de 2011 DC*) foi-me diagnosticado cancro no estômago e teria de ser operado com urgência, data que coincidiu com o julgamento.

Ao saber que sofria de cancro não tive juízo para pensar noutra coisa que não fosse a minha saúde, embora confesse que não foi a razão para não apresentar uma justificação perante o tribunal, pois já imaginava qual a decisão do juiz de serviço: não paga, vai dentro!

Aliás, os juízes e os tribunais limitam-se a fazer cumprir as leis, sejam elas justas ou injustas.
Ao pagar a coima estaria a dar razão à lei dos direitos de autor e o facto é que não concordo com a mesma.

Ir para a cadeia não fez alterar a minha ideologia sobre esta mesma lei.

A SPA, Sociedade Portuguesa de Autores, é apenas mais um embuste do capitalismo, que em nada beneficia os autores, mas sim a indústria relacionada com as artes, neste caso a música.
A música requer um investimento especial de inteligência e de sensibilidade que, infelizmente, não existe nos nossos governantes.

Atualmente, dá-se mais valor aos produtos que nos chegam através de canais privados de televisão ou através de grandes máquinas do marketing, que nos impõem músicas de um facilitismo musical e facilmente caído no esquecimento, em prol de outro produto idêntico mas com nova embalagem.

A qualidade dos músicos é manipulada pela indústria musical, o populismo é instigado quando os mass media insistentemente nos intoxicam com canções pobres de conteúdo musical, valorizando apenas a patética imagem de star (ex. “Ídolos”).

A música pimba é também exemplo disso. Entra em nossas casas todos os dias através dos meios de comunicação e é composta a partir de repetições orais, simplicidade grosseira, letras impregnadas de chauvinismo e provincianismo do mais pobre contexto musical, com ritmos métricos de música de dança barata e insignificante.

Dizer que é o que o povo gosta é errado. Quem impôs esta tendência na cultura do povo foram os mercantilistas da cultura, que descobriram que a simplicidade musical é a mais lucrativa.

A propósito, será que o Dan Brown pagou direitos de autor ao Leonardo Da Vinci para usar a Mona Lisa na capa dos seus livros?

Fora de brincadeiras, sou autor e não me oponho que copiem e divulguem através da internet ou em espaços públicos os meus trabalhos.

A cultura deve ser partilhada livremente, sem imposições de leis feitas única e exclusivamente para defender os grandes grupos económicos que se movem em torno das artes como sanguessugas.

A internet é atualmente um grande meio de divulgação de cultura entre os povos do mundo, por isso, senhores do poder, parem de pensar só em lucros exorbitantes e deixem que sejam livres estas partilhas de cultura.

As artes são o espelho da nossa sociedade e o reflexo para as gerações vindouras.
Voltando à vaca fria, quando utilizei este DVD musical em público tinha plena consciência que não estava, de forma alguma, a prejudicar o autor da obra, pois tratava-se de um DVD original e, portanto, paguei por ele. Logo, os direitos de autor estavam salvaguardados.

Já agora, o dinheiro da coima era para quem? Certamente para o Estado.

Confesso que o Estado é bom em cantigas pré-eleitoralistas, mas não acredito que estejam registadas na SPA.

Sacar música da internet é pirataria, e roubar o povo nos salários e nas pensões dos idosos, que trabalharam honestamente toda uma vida, é o quê?

Estou bem convicto que não roubei nem lesei ninguém. Não faz o meu género. Quem me conhece sabe do que falo. Nunca fiz mal a ninguém, pois sou mais do género “Peace and Love” e assim quero continuar até ao fim.

Vou continuar a compor a minha música e a divulgar música de qualidade onde quer que me contratem para espetáculos.

Às vezes tenho vergonha de ser português, por ver tantas injustiças.
A partir de hoje e até morrer vou lutar por uma nova justiça para os autores e fazedores de cultura e pela liberdade de partilha da cultura na internet. Sozinho cairei no esquecimento, mas se mais se unirem nesta causa seremos fortes e venceremos o capitalismo da cultura.
Antes morrer livres… que em paz sujeitos!

Agradecimentos especiais:

Hélio Vieira
Teresa Ribeiro
Dina Aguiar
Nuno Rodrigo Martins
Nélia Araújo (RCA)
André Azevedo
Pedro do “Garça”
Carlos Batista
Alberto Toste
Liberal Lourenço
Rui Correia
João Félix
Tiago Gorgita
André Narval
Américo Roque
Paulo Dias
Paula Ficher
JP-Som (João Paulo Furtado)
Lisete
António Bulcão
Casa de Pasto “A Canadinha”
Bar “A Estiva”
Rádio Clube de Angra
Rogério Sousa
Jovens Talentos da Ilha Terceira
Renata Silva
Banda Art Capital
Banda Alman Egra
Azor Waves-AngraRock

NOTA:
Boatos lançados nas redes sociais e Facebook, que diziam que a minha companheira Dina supostamente foi a culpada da minha prisão, por não me ter entregado a notificação do tribunal quando eu estava internado no hospital, não têm fundamento algum.

A Dina esteve sempre do meu lado, tanto no hospital como na cadeia, dando o seu apoio, e organizou uma noite de fado para angariar fundos para a minha libertação.

Lamento que alguém, a partir deste boato, lhe tenha furado os pneus à mota. Isso só demonstra ignorância e parvoíce.

Também aceito qualquer tipo de comentários, sejam eles pró ou contra a minha pessoa, mas fazê-lo em anonimato só demonstra covardia e, para esses, deixo o meu desprezo.

Durante este ano de 2012 já dei cerca de 40 espetáculos, incluindo noutras ilhas do arquipélago dos Açores e, no próximo dia 14 de setembro, conto com todos os meus amigos no Largo Prior do Crato, em Angra (Esplanada da Central), para mais um Akustik Rocks by Kit, inserido no programa da CMAH “Angra em Festa”.

A todos muito obrigado!
Haja Rock.

João Martins
Kit
12/08/2012


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