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Entrevista Anomally

O HOMEM AO CENTRO DO MUNDO
"Será que cada um é o seu próprio Deus?"

Agarraram o metal açoriano pelos colarinhos a partir de 2005 graças a um discernimento artístico e profissionalismo exemplares. Depois do álbum de estreia, "Once In Hell...", em 2008, fazem-nos chegar o EP "While The Gods Sleep" que, para além de toda a sua intrigante e metafórica mensagem, é um manifesto claro de amadurecimento e da transição do seu death/gothic metal  para algo mais abrangente e requintado. A explicação para tudo isto no discurso sempre muito frontal e realista do homem das teclas, Miguel Aguiar. 

Quatro anos foi o tempo que precisaram para definir o rumo musical e o formato de "While The Gods Sleep". Foi um processo condicente com os vossos planos?
O tempo voa quando estamos a fazer algo que gostamos verdadeiramente. Nem parece que foi já há quatro anos que lançámos o nosso primeiro álbum. O processo, no seu todo, acabou por se tornar mais demorado do que o de “Once In Hell...”, mas por vários factores. Não quisemos apressar as coisas. Motivos profissionais também nos fizeram atrasar um pouco e a meio desse percurso fizemos também uma pequena pausa para participar com a nossa versão de “Unequal Rights” no tributo aos Morbid Death. Apesar de não ter sido completamente de acordo com os nossos planos, esse foi o tempo necessário para conseguirmos reunir todas as condições para permitir editar um trabalho conforme desejávamos.

Será cada vez mais uma tendência editar em pequeno formato, já que os discos não vendem e nem sequer é humanamente possível as pessoas ouvirem a quantidade astronómica que há de lançamentos?
Desta vez demos preferência à qualidade em vez da quantidade. Tudo se trata de números. Queres misturar cinco temas e o produtor leva x dias, mas se quiseres misturar oito ou nove esse produtor já vai precisar de y dias e essa diferença, no caso de um produtor de topo, não se trata de meia dúzia de euros. Tendo isso em mente, decidimos desde cedo optar pela edição de um EP.

Aos poucos vão assumindo o controlo completo das vossas operações (gravação e videoclip por conta própria). É essencial que assim seja até perante um cenário de crise económica?
Temos vindo a assistir cada vez mais a esse cenário por parte até mesmo de bandas com editoras e que já são conhecidas mundialmente. Bandas com os seus próprios estúdios de captação que depois enviam o material para um produtor à sua escolha. Nós, apesar de estarmos longe do profissionalismo das bandas por nós apreciadas, sempre nos pautámos por uma tentativa de "fazer como as grandes bandas fazem". Para além de nos permitir total controlo sobre o que estamos a fazer, também nos permite poupar alguns tostões que podem e irão fazer certamente falta para outros propósitos.

Terá sido também isso que vos ajudou a conseguir investir mais na mistura, masterização e artwork?
Sem dúvida que sim. Quando temos um orçamento específico muitas contas têm que ser feitas e as decisões nem sempre são fáceis de tomar. Contudo, temos que ter os pés bem acentes na terra e pensar em todos os pormenores. Quando temos oportunidade de realizar um trabalho que não nos envergonhe e deixe satisfeitos e orgulhosos, é sempre uma mais-valia apostar em nós próprios.

Parece-nos inevitável a questão: como aparece em cena e como foi trabalhar com Fredrik Nordström, Peter in de Betou e Marcelo Vasco? Os produtores nacionais não foram opção?
Bem, os contactos tanto com o Fredrik Nordström como com o Marcelo Vasco já datam de 2007. Infelizmente naquela altura não tínhamos disponibilidade financeira para nos aventurarmos com tão talentosas pessoas. À medida que fomos trabalhando nos temas que fazem parte deste EP íamos sempre ponderando qual a melhor solução para produzir. Tivemos várias opções em cima da mesa, sendo uma delas mesmo nacional. No entanto, tivemos sempre o desejo de ir mais além. Em 2010 voltei a contactar o Fredrik e, por fim, no inicio deste ano foi tomada a decisão final de que iriamos trabalhar com ele por todo o seu currículo e por acharmos que seria a escolha mais adequada para o que estávamos a produzir. O Peter in de Betou surgiu em cena um pouco pelos trabalhos que já havia desenvolvido em conjunto com o Fredrik. É óbvio que não estou a querer comparar o que temos com trabalhos como Death Cult Armageddon mas se tínhamos oportunidade de trabalhar com os mesmos produtores de um grande álbum, porque não aproveitar? Este foi quase que um sonho de criança concretizado, algo que possivelmente será único na nossa “vida de músicos”. Não sei até que ponto vamos voltar a ter oportunidade de trabalhar com alguém assim, por isso, não quisemos perder esta oportunidade.

Musicalmente, "While The Gods Sleep" demonstra um claro amadurecimento e até algum afastamento da sonoridade apresentada em "Once In Hell...". Como decorreu o processo de composição para atingirem este patamar?
Desde cedo que essa era nossa intenção. Portanto, foi algo perfeitamente natural. Acho que o amadurecimento acabou por ser espontâneo e é um facto que quisemos apostar forte neste registo e não repetir uma “fórmula” já usada por nós. Se queremos fazer parte de uma editora não podemos deixar o "comboio" passar. Hoje em dia cada vez mais as bandas mostram estar num patamar que não é fácil atingir, por isso, trabalhar ao máximo e fazê-lo como uma banda profissional é o nosso principal objectivo.

O título deste álbum remete novamente para a religião, mas será que num tom crítico ou apenas metafórico? Ou seja, sempre se manifestarem algo conflituosos em relação a esta questão, mas aqui parece também haver algo a apontar ao comportamento humano como parece evidente no videoclip de "Redrum"...
“While The Gods Sleep” pode efectivamente ser interpretado tanto num tom crítico como metafórico. O título surgiu a partir da frase que frequentemente ouvimos: “Deus não dorme”. E nós questionamos: então se não dorme porque acontece tanta desgraça no mundo? Ou será que não existe Deus nenhum e cada um é o seu próprio e cria as suas próprias regras submetendo os que o rodeiam à sua vontade? Com este título tentamos não só descrever um pouco o que falamos no EP como também chamar a atenção de quem ainda acredita que Deus existe e que vai salvar aqueles que tão fiel e cegamente o seguem.

"Redrum" porquê? São fãs de cinema, de "Shining" particularmente?
“Redrum” porque o nosso vocalista é grande fã de cinema e do “Shinning”, sim.

Creio ser unânime que a qualidade técnica e argumentativa deste videoclip é absolutamente surpreendente, não só nos Açores mas também perante toda a produção nacional. Quer contar-nos como foi possível atingir este nível e como foram vividos aqueles momentos?   
Uma boa ideia é sempre meio passo para conseguir um bom resultado final. Acho que, neste caso, a ideia que tive para este vídeo resultou por completo e a interpretação dos actores também ajudou a atingir o objectivo pretendido. Já tinha tido o prazer de trabalhar com o João Direitinho noutra curta que me surpreendeu bastante pelo seu desempenho e o à-vontade perante uma câmara. Daí a aposta para este vídeo ter sido imediata. Bastou explicar-lhe o conceito e o que tinha em mente para que ele interpretasse o seu papel. As filmagens decorreram relativamente bem. Passámos (banda) duas noites a ser defumados literalmente! [risos] Acho que o “segredo” para atingir o nível referido foi fazer o vídeo o mais profissionalmente possível e tentar fugir dos clichés tipicamente açorianos. Em pós-produção tentei dar-lhe um aspecto cinematográfico, o que também ajudou a atingir o meu objectivo.

Numa altura em que se fala imenso da influência da pirataria nas contas dos músicos e da indústria musical, como analisa o episódio que se registou recentemente na sua ilha?
Analiso o episódio como alguém que apenas sabe dos factos revelados publicamente. Não me sinto em posição para comentar algo que não sei ao certo o que se passou. No entanto, é óbvio que é de lamentar que quem roube milhões ao Estado permaneça impune e quem é apanhado com uns DVD’s ou CD’s piratas seja preso.

Tem havido enorme preocupação nos últimos tempos em relação à posição que as sonoridades mais pesadas assume nos Açores, começando a estar quase por completo relegadas para último plano enquanto aposta cultural. Como lê essa situação? Será que estamos a entrar num processo irreversível? Já pouco se sabe sobre a imensidão de bandas que havia... E em termos de mentalidades, estaremos perante um agravamento do preconceito e consequente restrição da liberdade de expressão?
As mentalidades não são fáceis de mudar. No entanto, a liberdade de expressão é algo que não nos podem retirar. Preconceitos são isso mesmo, não passam de preconceitos e não sei se será por aí que os responsáveis governamentais têm vindo a restringir os apoios concedidos a qualquer evento que esteja ligado ao metal. Por um lado é compreensível que em tempo de crise tenham que cortar em algum lado e, claro está, os cortes serão sempre para as minorias. O metal não dá dinheiro, isso é um facto. Como tal, não nos podemos esquecer que as autoridades governamentais e os produtores não são os únicos responsáveis pelo Governo nos estar a fechar as portas. Eles não apostam em algo que já sabem à partida, e por experiências anteriores, que não vão ter qualquer retorno monetário. Vejamos os casos do Festival Angra Rock ou até mesmo do Live Summer Fest que este ano não teve os apoios que contava ter. É desanimador e ninguém envolvido no metal nos Açores vive disso. Mas será realmente devido aos cortes nos apoios ao metal que se tem visto o desaparecimento das bandas que havia? Se esse é o motivo, algo está mal, e não é ao Governo que me refiro!

Os Anomally são cada vez mais, e sobretudo, um símbolo de profissionalismo. Aparentemente tudo o que fazem é devidamente pensado. É este o conselho que deixam às bandas mais jovens e às pessoas em geral?
Sempre foi nossa política fazer tudo com o maior profissionalismo possível. Os resultados estão à vista. Não temos editora ou agência? Não é problema! Temos confiança no que fazemos e isso é o fundamentel. Se fizeres o teu trabalho com profissionalismo é sinal que acreditas no que fazes e isso já demonstra que não estás aqui a brincar às bandas de garagem ou que és apenas mais uma.

Como se sabe, é extremamente complicado uma banda promover um trabalho nos Açores. Como serão os próximos tempos para os Anomally? Podemos contar com alguns concertos em Portugal continental ou mesmo mais além?
Podem contar com o que o futuro nos aguardar. Estamos ainda em fase de promoção do EP “While The Gods Sleep” e penso ser prematuro fazer algum tipo de previsão do que se pode passar além Açores. É claro que vamos fazer todos os possíveis para tocar o mais além possivel. No entanto, tudo terá que ser bem estudado, pois não adianta irmos tocar a Lisboa para meia dúzia de pessoas e depois regressarmos de peito inchado a dizer que fomos tocar aqui e ali.


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