Músicos Avulso - Bruno Saramago (Vertigo Steps)
"Deus? Nem por
isso, mas sei que Ele acredita em mim"
Gostava de ser coveiro mas acabou
como músico de ideias muito próprias que se recusa a tocar os temas da
"malta". Rebelde por natureza, já viajou por boa parte da Europa e
encontra-se radicado na Alemanha onde enriquece o seu lado profissional e
cultural. Isto não o impede de continuar com os Vertigo Steps, banda cada vez
mais singular no panorama nacional e que se evidencia pela capacidade de gerar
paisagens múltiplas. A vastidão do universo também não o impediu de ver
extraterrestres (e aqui bem perto) e apesar da aversão ao dumbphone, anuiu-se a abrir-nos o "livro" da sua
vida.
Data de nascimento e naturalidade?
Nascido
em Setembro de 1980, alfacinha de gema.
Como descreve sua terra natal e que
sentimentos esta lhe traz? Gosta de ter crescido lá ou se pudesse tinha
escolhido outra localidade ou mesmo país para nascer?
Nasci e
cresci em Lisboa, à excepção de uma estada mais prolongada nos E.U.A.. Foi mais
recentemente que me ausentei dela e do país. E não escolheria outro lugar de
berço; mesmo com todos os problemas que a cidade e o país têm – e com o terror
que sucessivas autarquias têm infligindo à capital -, Lisboa continua a ser das
cidades mais belas, antigas e reais do mundo, com uma mística muito própria e
com a qual me identifico. Ajudou, por isso, a moldar-me como pessoa e cidadão
do mundo.
Que traço faz da sua infância? Lembra-se das
brincadeiras e traquinices que tinha? Que tipo de miúdo é que era?
Acho
que fui sempre algo rebelde, irreverente e insubordinado, talvez por nem sempre
concordar com as regras que me eram estabelecidas e/ou por ter uma
personalidade vincada desde pequeno. Mas consegui maioritariamente ir fazendo
todos os disparates – e não foram poucos – evitando as consequências. Um
possível motivo de orgulho.
Na escola era um aluno empenhado? Que matérias/áreas
mais o entusiasmava e, por outro lado, mais detestava?
Sempre
fui um bom aluno, mas que irritava um pouco os professores por não corresponder
ao estereótipo do que deve ser um bom aluno. Ou seja, tinha boas notas mesmo
sem estudar demasiado, mas continuava a gozar bastante com eles e a semear o
caos nas aulas. Não gostaria particularmente de ter sido meu professor! Quanto
às matérias, aprendi a ler muito cedo e antes da escola, e isso deve ter
marcado a minha propensão para as letras. Também achava piada a ciências, mas o
português e as ciências sociais eram os meus fortes. E claro, educação física,
para jogar futebol!
Lembra-se de algum momento marcante enquanto
estudante? Alguma curiosidade, brincadeira, traquinice, contenda com professores?
Devo confessar
que sou melhor a ouvir as minhas histórias contadas por outros com melhor
memória que eu. Mas recordo-me, por exemplo, de disparar gás pimenta numa sala
de aula. Não correu muito bem. Contendas com professores foram inúmeras, mas
mais a nível de discussão de ideias ou comportamentos do que qualquer confronto
físico, como é hoje tristemente comum. No fundo, também respeitava os que me
mereciam respeito, era para os outros que tinha menos paciência e depois vinha
a insolência... Na universidade tive de
acalmar pois o meu curso era quase todo feminino, e as colegas estavam mais
interessadas em aprender do que alinhar em parvoíce e demência. Uma pena, é
claro.
Concorda com o novo acordo ortográfico?
Não
concordo especialmente. Mas como sou obrigado a utilizá-lo profissionalmente e
me pareceu desde cedo uma guerra perdida, adaptei-me com rapidez e sem
urticária.
A sua ligação ao metal surge quando e como?
Desde
bem cedo. Com 13 anos já andava a ouvir black metal. Antes disso comecei com The
Beatles e passei para Guns N’ Roses – foram duas paixões imensas. Depois
entraram Faith No More, Alice In Chains, Smashing Pumpkins, Maiden, Megadeth e
por aí em diante...
Como aprendeu a tocar guitarra ou até outros
instrumentos?
Sou
autodidacta. As únicas aulas que tive foram de guitarra, apenas durante um ano,
e já com 19 anos. Ou seja, passei basicamente mais tempo a dar aulas do que a
ter. Tocar partiu sempre de uma necessidade natural de expressão e comecei
muito cedo a criar a minha própria música. Nunca fui aquele típico guitarrista “da
malta”, que toca os temas todos conhecidos para os amigos cantarem ou que passa
anos fechado no quarto a treinar – bem, excepto os solos preferidos, mais pela
componente de exploração e aperfeiçoamento técnicos. Sempre apreciei mais a vida
lá fora e a forma como todas essas experiências se espelham na composição.
Qual foi o primeiro disco de metal que ouviu
e o que comprou?
Não
faço ideia...
Sempre ouviu metal ou teve aquela fase em que
ouvia tudo o que lhe aparecia? Tem, por exemplo, vergonha de certas coisas que
ouvia?
Acho que
sempre fui selectivo mas dentro de inúmeros estilos distintos. Mesmo enquanto
ouvia metal, fui tendo fases mais electrónicas, góticas, étnicas, etc. E não me
envergonho de nenhuma. Hoje em dia ouço provavelmente tanto metal “puro” como
outros estilos, se calhar até menos.
Qual foi o primeiro concerto a que assistiu?
Faith
No More no Campo Pequeno, em 1993, com Braindead a abrir. Ainda hoje falado por
quem lá esteve...
E o que mais o marcou até hoje e porquê?
Hmm,
essa é difícil! Então nos últimos seis meses, já vi aqui tanta coisa... por
exemplo Swans no Berghain, que foi violentíssimo, brutal mesmo; ou Sigur Rós no
Berlin Festival, mágico e etéreo, à chuva... ou há dias Opeth em Hamburgo,
graças ao nosso amiguito e colaborador Daniel Cardoso. Bom, mas mais
remotamente... Porcupine Tree também aqui, em 2009, foi talvez o mais perfeito,
enquanto Sigur Rós, em 2001, no Coliseu foi fantástico, ou Paradise Lost no
Restelo, em 1994... também houve um de Cradle no Garage, em 1998, que me marcou
particularmente os ouvidos: andaram quatro dias a zumbir.
Qual é a sua grande referência musical e
porquê?
É-me
impossível escolher apenas uma figura. Admiro diversos músicos, mas não pratico
idolatria. Alguns
exemplos individuais: Mike Patton, Steven Wilson, Mikael Åkerfeldt,
Devin Townsend, Hans Zimmer.
Quais são as suas habilitações literárias e
qual é a sua ocupação profissional?
Psicologia Social e das
Organizações (licenciatura), Gestão de RH (pós-graduação), Som I
(técnico-profissional), entre outros cursos e formações mais pequenas, sobretudo
de idiomas e multimédia. É importante nunca parar de estudar, de querer
aprender. De momento sou tradutor, mas já tive diversas ocupações bastante
distintas. Coveiro é que por acaso ainda nunca experimentei, mas tenho
curiosidade.
Para si, qual seria a
profissão ideal?
Viver da música, sem dúvida. Com
mais criatividade que suor.
Qual é o seu grande hobby?
Tenho vários, casos da leitura,
fotografia, cinema, viagens. Mas a música é o principal, ouço todos os dias,
durante a maior parte do dia. E por vezes tocar semi-acústica... costumam sair
coisas interessantes que raramente aproveito.
Qual a viagem que mais o marcou até hoje e qual é o seu destino
preferido de férias?
Houve algumas marcantes, nomeadamente
Noruega, Turquia, Letónia, Finlândia, Hungria. Ou as três idas aos States.
Que local ou país deseja mais conhecer?
Gostaria muito de visitar a Índia
e a Islândia. E o Alasca. E também de passar nos países da rota da seda (Ásia
Central) e na Oceânia. Já conheço relativamente bem o nosso continente, por
isso o desafio é ir mais longe, sobretudo para oriente.
Tem um disco, canção, filme ou série da sua vida?
Teria de deixar tantos de fora...
vou escolher sem pensar: "Light Of Day... Day Of Darkness" (disco), "Tonight’s
Music" (canção), Lost Highway (filme). Não sou tanto de séries,
embora visse algumas esporadicamente, por isso acho que não tenho favorita! Recentemente,
gostei por exemplo do Dexter, Weeds ou Shameless. Se me apetecer rir de tanta
parvalheira, posso tentar espreitar o CSI...
No sentido inverso; pior disco, canção, filme…
Credo! Há tanta podridão por aí
que também não é fácil escolher... basta ligar a MTV. E o pior é a quantidade
de discos maus com críticas bombásticas, o que não ajuda nada a separar trigo e
joio. Quanto a filmes, aprecio sobretudo de cinema de autor, com algum desafio
e carga emocional. E não gosto nada de blockbusters
formatados, com realizadores anónimos e abusos de CGI, ou filmes de
super-heróis. Comédias, só mesmo nonsense.
Pratica ou acompanha algum desporto?
Pratiquei muito tempo futebol. E
acompanhei, até à última época. Também fiz ginásio durante anos e depois
natação, actividade que tenciono prosseguir. De momento, ando diariamente de
bicicleta – pelo menos enquanto a neve mo permitir fazer sem partir uma perna...
É adepto de algum clube de futebol nacional? Qual?
SLB.
Utiliza as redes sociais? Que visão tem dessas e que papel lhes
atribui?
Utilizo,
mas com moderação de conteúdos. Considero óptimo para intercâmbio e divulgação de
arte, eventos, vídeos, ou até para manter contacto com amizades longínquas, mas
sou incapaz de ir falar sobre a minha vida privada ou queixar-me lá porque
acordo mal disposto ou a vida não corre de feição. As redes sociais não são diários,
embora muita gente as utilize como tal.
Uma noite perfeita?
Álcool, música, amigos, intensidade. Sem programa prévio e
não necessariamente por esta ordem.
É casado? Tem filhos?
Não.
Que facto mais o orgulha e envergonha na história nacional e/ou
internacional?
Quase impossível escolher. Mas
incomoda-me, por exemplo, a histórica tendência das massas para as ditaduras...
Porque eu apenas entendo a liberdade e sem ela a vida perde o sentido.
Acredita em Deus? É devoto de alguma religião?
Nem por isso, mas sei que Ele
acredita em mim. As religiões têm para mim um interesse apenas histórico-cultural,
filosófico e, em última análise, sociológico. Umas mais que outras: confesso
que sou particularmente avesso à católica, talvez por ser a maioritária no meu
país de origem. Interessa-me muito mais, por exemplo, o budismo, o hinduísmo e
os antigos cultos pagãos, muito ligados à natureza.
Acredita em fenómenos
paranormais? Já presenciou algum?
Os meus vizinhos do lado a praticarem o amor.
E em extraterrestres?
O Jet 7 português ou as figuras
dos reality shows parecem-me bastante
alienígenas, por exemplo.
Para si, qual é o maior flagelo mundial?
A poluição e os desastres
ambientais. A intolerância e a religião organizada. O desrespeito pelas
mulheres. O capitalismo selvagem com assento em Wall Street. Os hipsters, os pseudo-intelectuais
e toda a falsidade mascarada em geral.
Qual é a sua opinião sobre o aborto e o casamento homossexual?
Sim e sim, manifestamente e sem
qualquer tipo de "mas".
Gosta de animais? Tem algum?
Adoro bicharada e já tive alguma.
De momento, tenho só os meus colegas de piso, não sei se se qualificam. Também
tenho um frenchie adoptivo, em Lisboa.
Gosta de videojogos? Qual o seu tipo e/ou jogo favorito?
Não jogo disso desde a
pré-adolescência.
Enquanto músico, qual foi o momento mais marcante da sua carreira?
Espero que ainda esteja para
acontecer. Mas, por exemplo, o lançamento do “surface/light” em CD e edição
especial digipack. Era algo
expectável e até merecido desde os tempo de Arcane Wisdom, mas que tinha sempre
falhado até à data.
E o mais insólito?
Nos meus projetos mais pessoais (Arcane
Wisdom e Vertigo Steps) não me recordo de muitos. Talvez a entrevista num hotel
de cinco estrelas... hilariante, pode ser que um dia os bloopers ainda venham à tona... A gravação do debut, em Braga, também foi bastante alucinada. Mas nas duas bandas
por onde passei em tempos (as in:
ensaios e concertos), houve alguns cromos mais surreais em castings para novos elementos e uma delas que basicamente acabou
devido a uma gravação onde se descobriu que o baterista tocava com mais força
num pedal do bombo que no outro...
Arrepende-se de algo que fez na música?
Não.
Tem ainda algum sonho por cumprir na música?
Vários.
Qual é a sua banda/artista nacional e internacional preferidos?
Já lancei algumas pistas nas
questões dos concertos marcantes, referências musicais e da ligação ao metal. Além desses todos, ouço sempre muito
post-rock/ambient (Caspian, Maybeshewill, This Will Destroy You, Hammock, A
Winged Victory For The Sullen, The American Dollar, M83, Ulver, etc., além de
clássicos como GY!BE) e heavy rock atmosférico, progressivo e assim, tipo Fair
To Midland ou Katatonia, Thrice, Long Distance Calling ou In Flames. Ultimamente
tenho revisitado muitas discografias “clássicas” ao refazer a audioteca. The Beatles, Alice In Chains,
Zeppelin, Type O Negative, Opeth, Archive, Dredg, Nephilim...
Nacionais por acaso é bastante raro ouvir, mas posso citar Mão Morta,
Ornatos, Moonspell, Gonçalo Pereira e Head Control System.
O que acha da qualidade dos músicos e bandas nacionais?
Confesso que não estou muito por
dentro. Seria importante não ser “a versão tuga da banda estrangeira”. A minha
banda não é a versão nacional de nada, tem o seu som próprio. E penso que as
bandas precisam de ser originais e de forjar uma personalidade própria, sem se
colar tanto ao factor réplica – que é eternamente e por definição inferior ao
original.
O que acha que falha, se é que tal acontece, no panorama musical
nacional? Acha que há qualidade e quantidade de infraestruturas e público
suficientes?
Acho que é demasiado pequeno e
não há bons músicos suficientes ou com o empenho, profissionalismo e visão
necessárias. As falhas ao nível de infraestruturas ou management estão diretamente ligadas aos problemas endémicos do
país. A mentalidade "chico-esperta" e "nacional-porreirista",
de quem tudo sabe e jamais admite erros ou ignorância, preferindo encher o
peito e inventar. Gostava muito que isso um dia pudesse mudar…
A internet é um problema ou uma virtude para os músicos e/ou a indústria
discográfica?
Ambos.
É a favor ou contra a pirataria?
Somália ou Antilhas?
Historicamente, agrada-me o conceito. Já quem passa os dias em casa a sacar da
Internet e depois é incapaz de gastar um chavo num álbum (mesmo que em formato
digital), concerto ou merchandising
tem muito pouco de charme pirata. Bebem coca-colinha em vez de rum e em vez de
barcos com riquezas, ajudam a afundar as bandas que dizem gostar.
O que acha dos organismos que gerem os direitos de autor, nomeadamente
a SPA?
Fraquinhos. Funcionam um pouco à
imagem dos restantes organismos públicos em Portugal. Ou seja, mal.
Concorda com as leis que estão a ser estudadas para combater a
pirataria (ACTA, SOPA, etc)?
Do que me foi dado a conhecer,
não.
O que é que o irrita mais?
Senso comum, banalidade,
trivialidade, normativismo e falsidade. Vivemos num mundo de muita aparência e
pouca convicção, demasiado parecer para muito pouco ser. E de demasiada gente
que busca a normalidade, o ajuste social, em vez da diferença e valor individual,
que é a meu ver o que nos torna mais ricos enquanto espécie. Falta abertura
para aceitar o outro e diferentes estilos e opções de vida, ainda está tudo
muito "dentro da caixa" e preocupado sobretudo com o próprio umbigo.
A começar pelos que insistem em tentar convencer-nos de que estão fora dela.
Qual é a maior surpresa que o podem fazer?
Se soubesse, perderia o efeito
surpresa.
Já praticou algum acto de solidariedade? Se sim, qual?
Já, vários. Não sou a Madre
Teresa da Calcutá, mas tenho, sem dúvida, o coração sensível a quem tem
carências genuínas. Sobretudo na terceira idade.
Acha que ainda tem algum dom escondido por revelar?
Sinto um possível jockey de unicórnios entrapado cá
dentro.
Prefere o Verão ou o Inverno? O sol ou o frio? A praia ou a neve?
Essa é uma questão que
curiosamente se tem colocado com frequência, agora que o Inverno caiu em força
e ouço a maioria das pessoas a queixar-se. É claro que não é fácil levar a vida
normal com menos dez graus e neve por todo o lado, mas o ser humano adapta-se.
Como admirador e respeitador da natureza, aprecio a mudança de estações e as idiossincrasias
de cada uma. Odiaria viver num local com Verão e calor extremo todo o ano. Gosto
muito de praia e sol (afinal de contas sou português), de toda a liberdade e
magia perene do Verão. Assim como também aprecio um Inverno a sério, sobretudo
em dias com muito sol e muita neve no solo, nas árvores, nos prédios. É
purificante e inspirador.
Qual é o carro dos seus sonhos?
Não sonho com carros. Aliás, até
deixei o meu velhote em Lisboa para me desfazer dele.
Sente-se dependente do telemóvel?
Nada. Aqui até costumo dizer que
tenho um dumbphone, tal é a febre com
os smartphones. Não se faz nada sem
ir antes consultar à Internet... não me apela a dependência e falta de
autonomia e espontaneidade a que isso conduz.
Qual é a sua comida favorita?
Posso dar alguns exemplos que me
ocorrem: uma boa lasanha, um hamburger americano (como apenas lá se comem), um döner
kebap, uma chicken saag nepalense, uma mango chicken vietnamita ou um pato da
Turíngia. E claro, o nosso peixe e cefalópodes maravilhosos.
E a bebida?
Sem álcool? Sumo de laranja
natural, Club Mate e café. Com álcool: sekt, cerveja de trigo, vinho branco,
Porto, sangria, vodka, caipiroska, alguns licores à base de ervas. Já agora e
só porque sim: detesto coca-cola!
Sabe cozinhar? Qual o prato que confecciona com maior mestria?
Nada que valha aqui a pena
mencionar!
Qual é o seu maior medo?
Não penso nisso. Gosto mais dos
desafios.
Tem alguma fobia?
Não, que eu saiba. Talvez à
ignorância e boçalidade.
Neste momento está optimista em relação à recuperação económica do
país?
Ahah!
Identifica-se com alguma ideologia política?
Cada vez menos. Sou desde que me
conheço um interessado por política, mas cada vez mais crítico, desapontado e
sem ilusões no que concerne à fraquíssima qualidade dos intervenientes, os
interesses envolvidos, as movimentações de bastidores. Seria incapaz de me
decidir por um partido, tenho uma visão abrangente e à base de ideias globais,
que não se coaduna com os confins ideológicos de uma esquerda ou direita, ou
das associações de interesses que as dizem veicular.
Se pudesse recuar no tempo, até onde e quando recuava? Porquê?
Gostaria de visitar quase todos
os períodos. A pré-história, a duríssima idade média em alturas de pestilência,
a decadência pornográfica das cortes europeias... No século XX, os loucos anos
20 (por exemplo a república de Weimar), o pós-segunda guerra, o amor livre e
natural e contestação social dos anos 60, o psicadelismo dos 70... Já os 80
foram algo embaraçosos, embora eu ainda não passasse de um pirralho.
Acredita na reencarnação? Em quem ou no que gostava de reencarnar numa
outra vida?
Até gostaria de acreditar, mas
nem por isso. E preferiria reencarnar num animal.
É supersticioso?
Nada. Gosto de gatos pretos no
caminho e de passar por debaixo de escadas.
Para si, como se descobrem as verdadeiras amizades? O que é uma verdadeira
amizade?
Se descobrirem a resposta, digam-me
qualquer coisa! Penso que tem de haver um certo desligamento do eu e do egoísmo
inerente para se poder genuinamente dar e interessar pelo próximo. A amizade
ideal não conhece invejas, não se afasta nas alturas menos boas e privilegia o
altruísmo. Ou seja, é muito difícil de encontrar.
Tem tatuagens?
Tenho duas. E ando com ideias
para uma terceira, a médio prazo.
E piercings? Se sim, quer revelar onde?
Tenho na orelha, há 20 anos... No
entretanto já tive outros que acabaram por sair. Curiosamente penso voltar a furar a
cartilagem da outra orelha, em Janeiro. Nada de mais numa cidade onde se vê de
tudo tão frequentemente que ter um ou dois brincos ou tattoos se torna banal e discreto. E aprecio a liberdade de ter
malta no atendimento ao público com as modificações ou adornos corporais que
entende, ao contrário do que, infelizmente, ainda acontece por terras lusas.
Considera-se vaidoso? Que cuidados tem com a aparência e a saúde?
Vaidoso qb, com os cuidados qb
também.
Que tipo de roupa nunca seria capaz de usar?
Farda de beto agrícola? Ou fato e
gravata, não é a minha cena.
Qual o seu maior defeito e a sua maior virtude?
Defeitos... eventualmente ainda
esperar demasiado das pessoas, embora tenha vindo a melhorar um pouco. Porque o
conceito é um bocado utópico e porque assim ainda posso ser surpreendido
positivamente de quando em vez. Alguma preguiça ocasional. Nem sempre me
adaptar da melhor forma a contextos e normas sociais que não têm muito a ver
comigo. Não tenho grande fé na espécie humana. Sou demasiado céptico, sarcástico
e gozão por vezes, outras muito
sonhador, poético ou nostálgico. Não me dou bem com a banalidade. Ah, virtudes
também... prefiro que sejam os outros a apontá-las. Mas penso que sou, regra
geral, uma pessoa calma e profunda, de mente bastante aberta e gostos
versáteis, amigo do seu amigo, bem disposta e de sentido de humor apurado.
Porque é a melhor (a única) forma de se encarar o dia-a-dia - se possível, de
queixo erguido, olhos nos olhos, com um sorriso nos lábios e com uma
intensidade e curiosidade naturais que não devem nunca desvanecer-se.