Entrevista - Dico [Breve História do Metal Português]
"Este trabalho é um ponto de partida,
não de chegada"
Dois anos e mais de um milhar de horas
depois cá está: a primeira obra que explica a origem do metal português,
através de quase meio século. O seu autor praticamente dispensa apresentações.
Experiente e talentoso no domínio da escrita e compulsivo estudioso do
underground, não teve, no entanto, tarefa fácil para reunir e tratar toda a
informação (a maioria desconhecida do grande público) contida nesta obra agora
disponível em e-book e para download gratuito. A verdade é que "Breve
História do Metal Português", lançado a 20 de Dezembro, já se tornou um sucesso
e o seu carácter inédito justificou plenamente a conversa com Dico.
O que leva uma pessoa, mesmo que ferrenha
amante do metal, a abraçar um projecto tão exigente e arrojado como o "Breve
História do Metal Português"? Como e de onde surgiu o primeiro impulso?
Foi o amor
intenso pelo metal que me levou a fazê-lo. Mais do que um estilo de música,
para mim este género musical é amor puro, é paixão intensa, é uma forma de vida,
de estar, de sentir. Faz parte de mim e da minha personalidade. Além disso, é o
meu refúgio, nas melhores e nas piores horas da minha vida. Ouvir metal e escrever
sobre ele acaba mesmo por ser uma terapia. Não conseguiria viver sem ele. Há 30
anos que oiço metal e há 26 que estou profundamente envolvido no underground, quer
como divulgador, músico, jornalista, crítico, cronista ou investigador/escritor.
Quando te envolves a fundo no underground já não consegues sair, por mais
desiludido e descrente que estejas com o movimento ou por mais que julgues já não
valer a pena. O underground torna-se parte da tua essência. Foram estes
sentimentos que presidiram a este projecto. Além disso, o processo de pesquisa
do livro veio satisfazer um aspecto que para mim é fulcral: a investigação. O
gosto pela investigação e o prazer que sinto na aplicação dos seus métodos foi
algo de grande valor que a universidade me deixou. Este projeto permitiu-me
aliar estas duas paixões. Por outro lado, a génese de "Breve História do
Metal Português" reside no blogue “A a Z do Metal Português”, enciclopédia
online especializada em biografias de
bandas nacionais de metal. Trabalhei nesse projeto mais de dois anos. Entretanto,
apercebi-me que os fãs mais novos nunca haviam ouvido falar de bandas como
NZZN, Ferro & Fogo, Alarme, Arte & Ofício, Xeque-mate, Roxigénio, etc. Achei
que era minha obrigação contribuir para que estes nomes, que produziram música
fabulosa, chegassem ao conhecimento dos mais jovens. Em simultâneo, conheci o
melómano Aristides Duarte, autor dos livros Memórias
do Rock Português e do blogue “Rock em Portugal”. Os seus livros foram uma
revelação para mim, no sentido em que descobri bandas como os Hosanna, Hobnob,
Xarhanga, Psico, Complexo, entre outras. Mais do que isso, nunca teria pensado
que os Pop Five Music Incorporated ou os Objectivo haviam composto temas
pesados. Quando, através de um leitor da SoundZone descobri que o próprio José
Cid também o havia feito, fiquei siderado. Foi uma surpresa total.
Quais terão sido os maiores desafios? A
falta de documentação?
Sim, esse foi
um dos principais desafios. Não é fácil encontrar documentação e alguma da que
existe, em especial na Internet, não é de grande qualidade. Há informação
incorreta, incompleta e frequentemente contraditória. Por vezes, elementos do
mesmo grupo apresentam versões diferentes sobre determinado facto ou situação
da sua biografia, pelo que foi necessário intensificar o esforço de
investigação visando “tirar as teimas” e chegar à verdade. Nesse sentido, as
entrevistas foram essenciais. Por outro lado, debati-me permanentemente com a
falta de tempo e de concentração. Perdi a conta às vezes que não conseguia trabalhar
mais do que dez ou quinze minutos sem ter que ir aspirar a casa, lavar a loiça,
estender a roupa ou fazer o jantar. [risos] A seguir ao nosso actual Governo, as
tarefas domésticas são o mais abominável inimigo da produção intelectual!
[risos]
Quantas horas e pessoas estima que estiveram
envolvidas na concepção deste projecto?
Quanto ao
tempo investido não tenho dúvidas que terão sido bem mais de 1.000 horas
distribuídas por todas as fases do trabalho, incluindo a parte de publicação na
SoundZone, com todas as alterações e correcções feitas ao longo do tempo. Quanto
à idealização, investigação, redacção, organização, edição e revisão eu fui o
único responsável, o livro é uma obra 100% minha. Depois, obviamente a SoundZone
esteve envolvida, com as inúmeras actualizações e correcções que fui pedindo
para fazerem. Nesse processo demonstraram uma paciência que muitos santos não
têm! [risos] O Ernesto Martins, da Versus Magazine, ocupou também um papel
essencial quanto à publicação dos resumos na revista. Houve ainda pessoas que
deram sugestões e obviamente que não me posso esquecer dos músicos
entrevistados, sem cujo contributo o livro não seria tão rico.
A opção do e-book foi prioritária ou alternativa à falta de condições para uma
edição física?
Foi a
última opção, a alternativa que me vi obrigado a aceitar devido aos preços
proibitivos que a paginação e a impressão profissionais comportam. No entanto,
estou cada vez mais empenhado em realizar o sonho de fazer uma edição impressa.
Diversos leitores têm-me incentivado nesse sentido, além de que o número de downloads efectuados justifica
plenamente que dê esse passo. Assim, já iniciei a busca de eventuais
patrocinadores. Só será possível editar o livro em papel caso reúna o valor
necessário para tal. Em treze dias 733 pessoas descarregaram o e-book. Se considerarmos que esses treze
dias se situaram entre 20 de Dezembro e 1 de Janeiro, época em que as pessoas estão
de férias, andam atarefadas na compra de presentes, nos saldos, no planeamento e
usufruto das festas e em viagens, o balanço é claramente positivo. As minhas expectativas
foram amplamente superadas. Foi arriscado lançar o e-book em pleno Natal, mas o número de downloads não deixou dúvidas quanto ao interesse do público. Estes
números legitimam o anseio de publicar o livro fisicamente.
Qual acha que é a retribuição pessoal e
colectiva por concluir este projecto?
A minha
principal retribuição é o pioneirismo, o facto de ter sido o primeiro a
escrever uma obra deste género, com o grau de exigência que se lhe reconhece.
Existem alguns jornalistas e especialistas que há muito poderiam ter escrito
uma obra do género mas nenhum ainda o fizera. Por outro lado, as magníficas
horas que passei a ouvir música fabulosa a que nunca tivera acesso trouxeram-me
um gozo indescritível. Investigar e redigir esta obra foi algo que não posso
traduzir em palavras. Este livro é como um filho para mim. Deu-me um imenso
gozo torna-lo realidade. Em termos de retribuição colectiva penso que o
interesse do público fala por si. Já várias pessoas me deram efusivos parabéns
pela obra, afirmando que já tardava algo deste género em Portugal. Já me disseram
que constitui um marco no metal português e não há dúvidas de que assim é,
modéstia à parte. Espero que o livro traga às pessoas uma boa experiência de
leitura e de aquisição de novos conhecimentos.
Entre muitas outras coisas, parece ter tido
a necessidade de desvendar certos equívocos ou "verdades escondidas"
sobre a origem do rock/metal nacional. Acha que estão esclarecidas todas as
dúvidas neste livro?
Certamente
que não, haverá factos a que não tive acesso. Há sempre coisas novas a
descobrir. Houve músicos que se revelaram inacessíveis e que poderiam trazer
informação preciosa à concepção do trabalho. De igual forma, não tive acesso a
revistas da época que poderiam trazer mais luz e informação a nível geral. Mas
este trabalho é um ponto de partida, não de chegada.
Conhecia a maioria das bandas abordadas ou
teve algumas surpresas? Passou a ser fã de alguma?
Tive
muitas surpresas, como os Hosanna, Psico, Psicágono, Rocka, Pentágono, Heavy
Band, Leonel Auxiliar, Cesário Esmifroaço & Caos Aparente ou Fluxus. Tornei-me
grande fã dos Xarhanga, Beatnicks, Bico D’Obra, Heavy Band ou Psico. Por outro
lado, desde criança que conhecia o José Cid e os Go Graal Blues Band, mas os
temas pesados que gravaram apanharam-me completamente de surpresa. Foram
descobertas incríveis.
Apesar do título "breve" este
acaba por ser um documento muito completo. O que faltará a este livro?
Como
disse, houve músicos que não quiseram dar o seu contributo. Alguns
investigadores também não. Nessa medida, haverá sempre dados que permanecem
desconhecidos. Por outro lado, o termo “breve” refere-se também ao facto de,
após o boom do rock português, eu ter
optado por não incluir as biografias dos agrupamentos, fazendo ao invés uma
retrospectiva geral do nosso movimento underground. Seria impraticável nesta
obra biografar as centenas de grupos que se formaram nos anos 80 e 90. Esse era
o objectivo da extinta enciclopédia online
“A a Z do Metal Português”, da qual também fui o criador, mas não de "Breve
História do Metal Português".
Que planos de promoção existem para
difundi-lo em massa?
Já enviei
centenas de press releases para
revistas, jornais, sites, webzines, e-magazines, programas de rádio e programas de TV. Já foram
publicadas várias notícias, houve referências à obra pelo menos numa rádio e já
fui contactado para dar mais entrevistas. A promoção está a correr dentro do
esperado para esta época do ano, mas agora, com o término das festas, julgo que
o número de referências ao livro irá aumentar significativamente. O site brasileiro
Whiplash.net publicou uma notícia que foi lida por 498 leitores, o que é
bastante encorajador.
Como definiria este trabalho em termos de
linguagem e estilo literário? Ou seja, as pessoas podem ficar descansadas que
as 80 páginas são facilmente digeríveis?
Acho que
sim, é um livro com linguagem jornalística e acessível. Sem dúvida que existem
passagens em que a abordagem tende a ser mais académica, mas essa é a excepção
e não a regra. Entendo que, no geral, é uma obra de leitura fácil.
No próprio decorrer da fase inicial do
projecto, editado na SoundZone, houve quem apontasse algumas lacunas,
nomeadamente em relação aos anos 90. Está preparado para as críticas daqueles
que acreditam que a sua banda foi injustamente excluída?
Sim. Estou
certo que os músicos entendem que é impossível referir todas as bandas, há
sempre nomes que vão ficar de fora. Não é exequível agradar a todos. No
entanto, mais tarde, caso se justifique a publicação de uma edição aumentada,
ou o lançamento em formato físico se torne realidade, com certeza que mais
bandas poderão ser referidas.
Houve também quem já apontasse a questão
gráfica. Terá sido esta uma preocupação ou desistiu logo da ideia por não lhe
ser uma área familiar?
O
“grafismo” resume-se à formatação normal do Word, é tão simples quanto isso.
Não sei paginar e não encontrei quem me paginasse o e-book por um valor razoável. Assim, optei por fazer o lançamento
assim mesmo. Essencialmente, a obra vale pelo conteúdo, pela informação e pela
pesquisa. Quem souber valorizar esses factores e reconhecer a inegável
importância de "Breve História do Metal Português" no contexto do som
pesado nacional não levará em conta o aspecto gráfico.
O Dico continua ligado ao metal basicamente
como cronista e agora termina um projecto de longa-duração e que poderia ser o
culminar perfeito de uma longa carreira. No entanto, do que se lhe reconhece,
não deverá parar por aqui...
[risos]
Bem podem dizê-lo. Para mal dos meus detractores/inimigos, ainda tenho muito
para fazer no underground. Vão ter que me aturar mais uns bons anos, espero.
Como dizia atrás, esta edição é um ponto de partida, não de chegada. No âmbito
do underground tenho alguns projectos para 2013 mas dos quais falarei em altura
oportuna.
O underground actual é algo que ainda o
entusiasma?
Temos uma
cena forte e actualmente as nossas bandas não ficam a dever absolutamente nada
ao que de melhor nos chega do estrangeiro, pelo menos em termos de execução,
composição, gravação e produção. Há bandas magníficas, com excelentes músicos.
Hoje, graças à Internet, a promoção do metal luso é efectuada de forma muito
mais intensa, rápida e eficaz, fazendo chegar os nossos grupos aos quatro
cantos do mundo. No entanto, continua a faltar algo que os distinga
verdadeiramente, que lhes dê um cunho único. Esse aspecto que lhes falta é um
maior grau de originalidade e um posicionamento de leaders, not followers. É
preciso arriscar novas sonoridades, novos elementos musicais, novas abordagens
que permitam a mais bandas portuguesas alcançar um grau de exposição
internacional análogo ao dos Moonspell. Não podemos continuar a inspirar-nos no
que já está feito, é essencial realizar algo inovador. Por outro lado, uma
estrutura editorial mais forte e com mais peso no mercado certamente agilizaria
o processo de internacionalização do metal luso. Temos quase tudo para que um dia
a cena metálica nacional seja tão influente no mundo como a finlandesa, por
exemplo, mas ainda há muito caminho a percorrer e trabalho a realizar.
Nuno Costa
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