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Entrevista - Amorphis

CONCÍLIO DOS DEUSES
"Temos muito mais entusiasmo hoje em dia do que há dez anos atrás"

A um ritmo alucinante continuam a debitar discos de alta qualidade. "Circle" é o décimo primeiro de uma carreira prestes a alcançar o quarto de século e em que os sinais de abrandamento não se evidenciam. A espiritualidade é a maior marca deste trabalho ainda que ameace configurar-se como um dos mais pesados dos últimos anos. Sem "fogueiras" por perto para inspirar filosofias e pensamentos, é ainda assim pleno de clareza e entusiasmo que se reveste o discurso do baterista e fundador Jan Rechberger.

Continuam a lançar álbuns de dois em dois anos, sensivelmente. "Excesso" de criatividade?
Fazemos vida da música, por isso temos que manter um certo ciclo para fazermos digressões e contentar os fãs. Sinceramente, não temos que lutar muito para os temas saírem. Eles tendem a surgir com frequência suficiente para mantermos o andamento. Também temos muitos compositores na banda, o que ajuda imenso. Na altura em que nos sentirmos cansados desta vida provavelmente desistiremos, mas não vejo tal acontecer num futuro próximo.

Que estado de espírito rodeou este novo disco? Sentiram-no como uma mera trivialidade ou continuam igualmente entusiasmados como, por exemplo, há dez anos atrás?
O ambiente foi excelente. Acho que as sessões de composição e gravação foram, no geral, muito boas. Trabalhámos numa óptima envolvência - um grande estúdio no campo, o nosso próprio em Helsínquia, o Peter [Tägtgren] a misturar o disco no seu próprio espaço... Quer dizer, normalmente o ambiente é bom e tem mesmo de ser. Caso contrário, teremos que arranjar outra coisa para fazer, certo? Não acho que seja mais uma trivialidade. Para ser sincero, acho que temos muito mais entusiasmo hoje em dia do que há dez anos atrás. Penso que tal se deve ao facto de estarmos juntos com esta formação há muito tempo e assim as coisas acabarem por tornar-se mais fáceis.

Neste disco voltam a trabalhar com um produtor, o que não acontecia há doze anos. Estavam a precisar de uma opinião externa?
Temos recorrido a produtores, sobretudo para as partes vocais nos últimos álbuns. Desta vez queríamos alguém que conduzisse as sessões. Assim, ganhamos mais tempo para tocar e não nos preocupamos tanto com detalhes de produção. Da mesma forma, quando se repete a mesma coisa vezes sem conta, pode-se sentir aborrecimento e tudo começa a parecer apenas um trabalho, o que também é. Contudo, para mantermos o entusiasmo é preciso mudar de métodos, não todos, mas alguns, para que as coisas continuem interessantes e frescas.

Em que pontos Tägtgren foi realmente influente em "Circle"?
Em muitos, obviamente. Primeiro gostaria de salientar que, em termos musicais, não me parece que tivesse que fazer muita produção na verdadeira acepção da palavra, pois sempre tivemos uma visão muito forte da nossa música e tanto os arranjos como a instrumentação já estavam maioritariamente definidos. Mas ele esteve sempre lá quando foi preciso uma opinião e revelou imensas ideias em relação a métodos de gravação e ao som em geral. Igualmente, experimentámos muitos tipos de equipamento que nunca tínhamos usado e acabámos por fazer muito mais experiências devido à sua presença. O Tägtgren fez-nos usar um tom de baixo mais grave, por exemplo. Ele esteve mais ligado com o som. O "Circle" soa mais pesado, mais orientado para as guitarras, mais áspero e afiado e é mais poderoso e moderno do que os seus antecessores. Os métodos de produção do Tägtgren geraram um grande impacto no resultado final deste álbum.

"Hopeless Days" é um dos temas mais pesados de "Circle", embora explore vários elementos. Será esse ecletismo que vos fez escolhê-lo para novo single?
Sim, basicamente foi essa a razão. Como dizem, este tema apresenta a maioria dos elementos que são a nossa imagem de marca, excepto as vozes guturais. Todavia, também quase nunca incluímos vozes death metal num single. Ainda assim, se compararmos este tema aos nossos singles anteriores vão perceber que é muito diferente. Apesar de radio friendly é mais longo e com uma estrutura completamente diferente. Portanto, nesse aspecto também queríamos introduzir algo novo.

Tendo em conta o conceito e a mensagem deste regresso, será que também tiveram que se reunir em volta da "fogueira" para encontrar o caminho musical e pessoal a seguir?
Não, somos pessoas urbanas e normalmente não nos sentamos à volta de fogueiras enquanto fazemos música. Desculpem se vos desiludi! [risos] Este é um assunto que seria melhor debatido pelo nosso letrista, o Pekka Kainulainen. Existe um capítulo no DVD que acompanha o "Circle" em que ele explica a sua linha de raciocínio. Vejam o DVD, é muito engraçado, e aí talvez encontrem as respostas.

Acham que Deus deixou de ser o guia ideal há longa data? Se calhar devia aparecer neste momento difícil que o mundo atravessa, não?
Talvez, mas é-me difícil falar nesses assuntos, pois não acredito em deuses ou pelo menos num Deus que nos comande. As histórias e mitologias sobre deuses são fascinantes e inspiradoras, mas não devem ser levadas demasiadamente a sério.  Acredito em poderes superiores mas não na forma de um velhote que nos olha a partir do céu. Muita da mitologia finlandesa defende que Deus é apenas um espírito da natureza como todos os outros. De qualquer forma, falando da fase crítica que o mundo atravessa, será que não é altura de tomarmos medidas em vez de esperarmos que os deuses nos salvem? 

Portanto, a eleição do Papa Francisco também não lhe diz nada...
Para ser sincero, não sei muito sobre ele porque não sou católico. Sei apenas que é argentino.

O que faz de "Circle" um disco especial para vocês? Será que consegue eleger um disco favorito dentro da discografia dos Amorphis?
Este é o nosso novo álbum e representa o nosso estado actual. Na minha opinião, é o disco mais sólido com esta formação e é por isso que se torna especial para mim. Em geral, não sobreponho nenhum dos nossos álbuns em termos de preferência.

A maioria dos vossos álbuns são potenciais clássicos, mas as pessoas ainda olham para "Tales From The Thousand Lakes" como o vosso único e grande clássico. Que opinião tem dessa suposta "intransigência"?
É um clássico, sem dúvida, mas se atentarmos à forma como a banda soava na altura e como soa hoje em dia, penso que nem será justo fazer comparações. Simplesmente são períodos muito distintos. Se as pessoas querem pensar que o "Tales From The Thousand Lakes" é o nosso único e verdadeiro clássico, são livres para tal.

Sentem que já atingiram aquele ponto em que mesmo que quisessem não conseguiriam fazer má música? Já aperfeiçoaram um fórmula ou ainda são capazes de "viajar" enquanto compõem e serem menos cerebrais?
Não, não vejo as coisas dessa forma. Isso é positivo, pois se dás por ti a pensar que tudo o que fazes é automaticamente bom, estás as perder o teu tempo. Tem que haver o desafio de tentares fazer sempre algo melhor. Algumas vezes consegue-se outras não, mas no fim de contas serão sempre os fãs a ajuizar. Claro que existem algumas fórmulas e não temos que inventar a roda todas as vezes, mas é preciso de quando em vez abanar essas fórmulas para ser possível manter as coisas mais inspiradoras.

O "Skyforger" é, certamente, um dos vossos melhores álbuns do novo milénio. Segue-se o "The Beginning Of Times" e as coisas arrefecem um pouco. Com "Circles" a ideia era trazer de novo maior intensidade aos Amorphis?
Sim, porque não? Se dependesse só de mim... Agora a sério, o "Skyforger" foi, sem dúvida, um grande álbum, mas para algumas pessoas o "Eclipse" foi o grande álbum de uma nova era. Estão a perceber onde quero chegar? Não temos planos para dar um passo em frente apenas pelo sucesso, pois os fãs é que decidem o que gostam. A nossa tarefa é fazer a melhor música possível e esperar que os fãs gostem dela tanto como nós. Como referi anteriormente, acho que este novo álbum é muito forte e intenso. Vamos esperar e ver até onde nos leva.

O que ouvem actualmente para se manterem inspirados? É certo que são mais "líderes" do que "discípulos", mas talvez ajude ouvir alguma coisa quando algum bloqueio surge...
Ouvimos praticamente tudo, desde música clássica até folk, passando por rock progressivo e metal até mesmo alguma música electrónica. Adoro música em geral e acho que isso é bom para mantermos a nossa mente e os ouvidos abertos. Certamente que assim encontrarás algo que te inspire. É algo que não se pode evitar. Tudo o que ouves influencia-te de algum modo, umas vezes positivamente, outras negativamente. Este será o ponto em que tu, como músico, farás o juízo final.

Têm actuado frequentemente em Portugal e uma nova data [15 de Novembro] já foi anunciada. Lembra-se de alguma história curiosa aquando desses concertos?
Recordo-me de na altura em que o "Tales From The Thousand Lakes" saiu sermos votados para o melhor álbum do ano e pior banda ao vivo na mesma revista portuguesa! Penso que ficámos algo embriagados com o bagaço português, "figu" ou lá como se chamava. Felizmente, a partir de então temos assumido uma postura mais profissional e lembro-me de vários concertos memoráveis em Portugal.

E em relação à restante tour de promoção a "Circle", o que esperam? O álbum sai em Abril mas aparentemente só estarão na estrada mais para o fim do ano. Porquê?
Não é bem assim. Iniciamos a digressão em Tel Aviv, em Israel, no mesmo dia em que o álbum é lançado [19 de Abril] e poucos dias depois celebramos o seu lançamento em Helsínquia, onde vamos tocar o "Circle" na íntegra, entre temas mais antigos. Depois é a época dos festivais e temos planos de fazer uma série de datas na Rússia e Austrália, bem como na América do Sul. Depois então, em Novembro, pomo-nos à estrada na Europa. Os próximos meses serão muito ocupados.

Sente-se com força para continuar a tocar e compor por mais vinte anos?
Claro! [risos] Para ser sincero, não sei. Neste momento digo que sim mas dentro de vinte anos posso ter uma opinião diferente. Nunca se sabe...

Nuno Costa



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