Músicos Avulso - João Pereira (Cruz de Ferro)
"A
minha religião é o heavy metal"
Há
mais de duas décadas agarrou nas fartas e trepidantes cordas do baixo por
influência de um tio e dos amigos que ansiavam por partilhar o mesmo gosto pela
música. Tendo sempre por muito perto o amigo e actual colega de banda, Ricardo
Pombo, ficou tão "abalado" quando este lhe mostrou "Somewhere In
Time" dos Iron Maiden que acabou por nunca mais ser o mesmo. Imortalizada
a sua convicção no heavy metal clássico, como se pode comprovar pelos Cruz de
Ferro (que até cantam em português), já não vê maneira de deixar o "blusão
negro cheio de patches" e abomina as calças à boca de sino. Melhor do que
o heavy metal, talvez só mesmo... um carro que não gaste combustível.
Data de nascimento e
naturalidade?
Nasci
a 12 de Julho de 1976 [36 anos] em Torres Novas.
Como descreve sua
terra natal e que sentimentos esta lhe traz? Gosta de ter crescido lá ou se
pudesse tinha escolhido outra localidade ou mesmo país para nascer?
Nasci
e vivi aqui a vida toda. Sair é muito bom, mas regressar a casa também. Se
tivesse crescido noutro lugar o sentimento seria igual, por certo. Gostaria de
viver noutros lugares, quanto mais não seja por curiosidade. No entanto, gosto
muito de viver em Torres Novas. A cidade é agradável e, como estamos no centro
do país, acabamos por estar um pouco perto de tudo. Uma verdadeira vantagem.
Que traço faz da sua
infância? Lembra-se das brincadeiras e traquinices que tinha? Que tipo de miúdo
é que era?
Dizem-me
que era miúdo fácil de aturar, que tinha as minhas birras mas que se aturava bem.
Na escola era um
aluno empenhado? Que matérias/áreas mais o entusiasmavam e, por outro lado,
quais as que mais detestava?
Olhando
para trás, acho que só me empenhava verdadeiramente quando a coisa começava a
correr mal... sempre gostei mais de Línguas que de Ciências, mais História que
trabalhos manuais. Isto, claro, no ensino obrigatório. No superior, já gostei
de quase tudo, excepto disciplinas de Direito. Ainda hoje fico com azia só de
pensar nisso.
Lembra-se de algum
momento marcante enquanto estudante? Alguma curiosidade, brincadeira,
traquinice, alguma contenda com algum professor?
No
secundário tivemos o hábito de, cada vez que um tinha “feriado”, ir chamar um
amigo à sala de aula com a desculpa de que os pais se encontravam à porta da
escola para falar com eles. Na verdade era uma desculpa para ir beber um copo à
pressa. Uma vez calhou-me ir a um café, sobre o qual a minha sala tinha vista
privilegiada... acho que foi a última vez que me foram chamar à sala!
Concorda com o novo
acordo ortográfico?
A
Língua é viva e cresce. Por vezes é preciso “arrumar a casa” e estabelecer
normas de uso. Embora não concorde com algumas disposições compreendo a sua
intenção. Concorde-se ou não, veio para ficar. Outros se seguirão.
A sua ligação ao
metal surge quando e como?
A
primeira vez que soube que estava a ouvir metal foi com o meu amigo de armas, Ricardo
Pombo, com o “Somewhere In Time”. Mostrou-me o álbum e disse-me algo de eles
terem vindo do futuro. Lá dentro, o encarte tinha os Maiden numas motas muito
“à frente”. Deve ter sido em 1987. Fiquei desde logo rendido!
Como aprendeu, neste
caso, a tocar baixo?
O
meu tio era, e é, baixista, e na altura, em 90/91, o Pombo e outros amigos em
comum queriam formar uma banda e vieram falar comigo, porque precisavam de um
baixista. Lá entenderam que por ter um familiar baixista seria mais fácil para
mim ter um baixo. E tinham razão! Mas nunca tive aulas, fui aprendendo com os
outros e por ouvido.
Qual foi o primeiro
disco de metal que ouviu e o que comprou?
Como
referi, o primeiro disco foi o “Somewhere In Time” dos Iron Maiden. O primeiro
que comprei foi o “Live After Death”, também dos Maiden, ainda em vinil, claro.
Sempre ouviu metal ou
teve aquela fase em que ouvia tudo o que lhe aparecia? Tem, por exemplo,
vergonha de certas coisas que ouvia?
Agora
que perguntas, sim. Hove uma fase pré-metal em que ouvia o que dava na rádio,
ou as cassetes que me ofereciam com os Hit
Parades ou algo do género. Não há que ter vergonha, até porque penso que se
não fosse assim, não teria levado o “estalo” que levei quando comecei a ouvir Iron
Maiden, Ozzy, Metallica, etc.. Mas essa fase durou pouco tempo, talvez entre os
meus oito/dez anos. Comecei a consumir metal por volta dos onze/doze anos,
parece que foi ontem!
Qual foi o primeiro
concerto a que assistiu?
O
primeiro a que assisti foi em Torres Novas, com Enforcer e Thormenthor. O
segundo foi o mítico dos Ratos de Porão, no Almadense, em 1992.
E o que mais o marcou
até hoje e porquê?
Esta
é difícil... talvez o primeiro dos Sepultura. Nunca tinha estado num recinto
com tanta gente e com um espectáculo daqueles. Ver o Max partir a guitarra
contra as grades, no final, a carga policial... foi muito intenso.
Qual é a sua grande
referência musical e porquê?
Como
baixista, cresci a apreciar os trabalhos de Steve Harris ou Cliff Burton. Como
oiço metal transversalmente, não tenho uma referência única.
Quais são as suas
habilitações literárias e qual é a sua ocupação profissional?
Possuo
um Mestrado em Audiovisual e Multimédia e tenho sido professor durante alguns
anos. Agora adivinha? Estou desempregado, dizem que é da crise...
Para
si, qual seria a profissão ideal?
Uma que pague bem e onde não tenha de me chatear muito!
Gosto muito de ser professor, todos os dias são (eram) um novo desafio. Uma
profissão que requer muito de nós mas que, quando bem sucedida, é muito
gratificante.
Qual é o seu grande hobby?
Tem sido a
música: tocar, ouvir. Agora o meu hobby
passou a ser a principal ocupação.
Qual a viagem que mais o marcou
até hoje e qual o seu destino preferido de férias?
Uma vez fui
até França num autocarro que não dava mais de 100Km/h. Demorámos três dias a
chegar com cerca de doze horas de viagem por dia. Experiência a não repetir...
Qualquer destino de férias é bom, desde que não signifique estar estendido na
praia.
Que local ou país deseja mais
conhecer?
Gostava de
visitar toda a Escandinávia, mas no Verão, ok?
Tem um disco, canção, filme ou
série da sua vida?
O “Years Of Decay” dos Overkill. Só o tirei do prato três meses depois de o comprar. É excelente!
Nos filmes, “Conan, O Bárbaro”, aquilo é muito metal! Como séries de eleição
tenho o “Seinfeld” e a pseudo-reality
do seu criador, “Calma Larry”.
No sentido inverso; pior disco,
canção, filme…
Que eu tenha
comprado, nenhum... mas se ligar a rádio ou a TV, consigo ouvir qualquer coisa
muito má de certeza!
Pratica ou acompanha algum
desporto?
Só acompanho
a selecção sueca de vólei feminino.
É adepto de algum clube de
futebol nacional? Qual?
Não sou
adepto, mas gosto quando o Benfica ganha.
Utiliza as redes sociais? Que
visão tem dessas e que papel lhes atribui?
Esta
pergunta dava uma tese... Já utilizei mais. De momento, uso mais o omnipresente
Facebook, em grande parte, devido aos Cruz de Ferro. Não há dúvida que são uma
óptima ferramenta para atingir e interagir com as pessoas. Os Cruz de Ferro não
tinham chegado a quem já chegaram, dentro e fora do país, se não fossem as
redes sociais. Ocupam um papel fundamental na comunicação interpessoal e
interinstitucional na sociedade em rede em que vivemos.
Consome ou já
consumiu ilícitos?
Não.
Uma noite perfeita?
Overkill
e Arch Enemy em pleno Verão de copo na mão e com os amigos em volta, roçou a
perfeição.
É casado? Tem filhos?
Não sou mas
é como se fosse. E tenho dois rapazes.
Que facto mais o orgulha e
envergonha na história nacional e/ou internacional?
O saque
contínuo a quem trabalha por uma classe política que se considera superior e
senhora dos nossos destinos. Só fico feliz quando isto levar uma grande volta.
Acredita em Deus? É devoto de
alguma religião?
Acredito que
alguma coisa criou, não só a vida, mas também o universo. Chamem-lhe Deus ou o que
quiserem. A minha religião é o heavy metal.
Acredita
em fenómenos paranormais? Já presenciou algum?
Sempre que ligo a TVI. Não acredito em tais fenómenos.
Tudo tem explicação.
E
em extraterrestres?
Não acredito em homens verdes com planos de conquistar o
mundo, mas faz-me confusão as moscas voarem em ângulos rectos. Mas acredito ser
bastante plausível a existência de vida num qualquer canto no universo.
Para si, qual é o maior flagelo
mundial?
Não existir
um plano de futuro sustentável para o planeta.
Qual é a sua opinião sobre o
aborto e o casamento homossexual?
Concordo com
o aborto de forma geral, cabe aos pais decidir. Cada um ama quem quiser, é a lei
que se tem de adaptar à sociedade. Mas não vejo sentido num casamento pela
Igreja.
Gosta de animais? Tem algum?
Não tenho,
nem tenho especial apreço por nenhum.
Gosta de videojogos? Qual o seu
tipo e/ou jogo favorito?
Quando era
miúdo gostava bastante das máquinas de arcada. Actualmente, já não jogo.
Enquanto músico, qual foi o
momento mais marcante da sua carreira?
Já ando
nisto há alguns anos e, finalmente, conseguir editar um disco com um projeto
sério como os Cruz de Ferro foi um marco muito importante para mim.
E o mais insólito?
Com a minha
primeira banda, M.O.R.E., demos um concerto em que ninguém se lembra sequer de
subir ao palco e muito menos de tocar. No final toda a gente nos deu os
parabéns pela excelente actuação. Abençoada sangria!
Arrepende-se de algo que fez na
música?
Não.
Tem ainda algum sonho por cumprir
na música?
Tirando o
sonho habitual de fazer grandes tours
e tocar em grandes festivais, gostava de saber escrever em pauta.
Qual é a sua banda/artista
nacional e internacional preferidos?
Escolher
apenas um é difícil, depende do momento que cada banda atravessa. À parte dos
Moonspell, os Attick Demons e os Head:Stoned, por exemplo, têm trabalhos que
admiro. Lá de fora continuo a gostar muito dos Blind Guardian ou Dimmu Borgir e,
em especial, do último trabalho dos Machine Head.
O que acha da qualidade dos
músicos e bandas nacionais?
Acho que são
menosprezados. Por exemplo, no caso das bandas que falei, tens músicos de óptima
qualidade, excelentes execuções e ao vivo dão grandes espetáculos. Mas basta
ouvir um pouco mais o nosso underground para ver que estes dois casos não estão
nada isolados, antes pelo contrário. Penso que falha alguma promoção, que é
feita muitas vezes pelos próprios, e também as condições de produção e gravação,
por vezes, não serão as desejáveis.
O que acha que falha, se é que
alguma coisa falha, no panorama musical nacional? Acha que há qualidade e
quantidade de infraestruturas e público suficientes?
Não sou o
melhor juiz sobre este assunto. No entanto, o que eu acho que falha são as
condições técnicas de luz e som com que muitas bandas têm de lidar ao vivo, o
que só as prejudica na sua prestação. Mas é compreensível, com bilhetes a três
e cinco euros é complicado ter um bom equipamento e mais ainda se só
comparecerem vinte ou trinta pessoas. É uma pescadinha de rabo na boca.
Concertos sem condições não trazem público, sem público não há investimento nas
condições. Mas depois temos o Rock In Rio com milhares de pessoas. É o estigma
de que só o internacional é bom. Por sorte há uns resistentes que lutam contra
a maré!
A internet é um problema ou uma
virtude para os músicos e/ou a indústria discográfica?
A internet é
apenas mais um canal que reúne os três canais tradicionais num só e eleva-os a
um novo patamar. O problema é o uso que se faz dela. A indústria canibalizou os
lucros dos artistas desde sempre e é isso que agora está a mudar, devido, em
grande parte, à pirataria, mas também por as bandas editarem discos sem a ajuda
de grandes editoras.
É a favor ou contra a pirataria?
Por
princípio sou contra. Mas entendo que seja uma forma de protesto contra preços
algo exagerados no mercado discográfico. Quando sacam trabalhos que gostam e
admiram porque não os adquirem? Façam-no uma vez por mês, fica mais barato que
o tabaco!
O que acha dos organismos que
gerem os direitos de autor, nomeadamente a SPA?
Mal geridos
e mal intencionados. Uma forma de viver às custas dos outros.
Concorda com as leis que estão a
ser estudadas para combater a pirataria (ACTA, SOPA, etc.)?
É inevitável
que comecem a surgir leis com esse fim.
O que é que o irrita mais?
Que me façam
perder tempo!
Qual é a maior surpresa que o
podem fazer?
Fazerem-me
uma surpresa!
Já praticou algum acto de
solidariedade? Se sim, qual?
Terás de
perguntar aos meus amigos e/ou familiares.
Acha que ainda tem algum dom
escondido por revelar?
Se o tenho,
deve estar muito bem escondido.
Prefere o Verão ou o Inverno? O
sol ou o frio? A praia ou a neve?
Verão,
calor. Praia só por causa dos miúdos!
Qual é o carro dos seus sonhos?
Um que não
gaste combustível!
Sente-se dependente do telemóvel?
Demasiado.
Qual é a sua comida favorita?
Lombinhos de
Porco ao Alho.
E a bebida?
Dependendo
da comida, vinho ou cerveja.
Sabe cozinhar? Qual o prato que
confecciona com maior mestria?
O pessoal aqui
em casa gosta muito das minhas sopas.
Qual é o seu maior medo?
Agulhas.
Tem alguma fobia?
Ser picado
por agulhas.
Neste momento está optimista em
relação à recuperação económica do país?
Não.
Se pudesse recuar no tempo, até
onde e quando recuava? Porquê?
Ano zero, para
assistir à construção da fábula de Cristo.
Acredita na reencarnação? Em quem
ou no que gostava de reencarnar numa outra vida?
Não
acredito. Mas se pudesse, gostava de encarnar em mim para ter uma nova
oportunidade de fazer as coisas certas.
É supersticioso?
Não.
Para si, como se descobrem as
verdadeiras amizades? O que é uma verdadeira amizade?
Acho que se
vão descobrindo aos poucos. Mas talvez uma das suas características é ter o
poder de conseguir aturar-te sempre, nos bons e nos maus momentos.
Tem tatuagens?
Não.
E piercings?
Também não.
Considera-se vaidoso? Que
cuidados tem com a aparência e a saúde?
Com a aparência
nem por isso. Com a saúde tenho os cuidados normais.
Que tipo de roupa nunca seria
capaz de usar?
Calças à
boca de sino.
Qual o seu maior defeito e a sua
maior virtude?
Acho
que tenho demasiada paciência para quem não merece. Se isso for uma virtude,
para mim é um grande defeito.