Miguel Aguiar [Anomally] e os metaleiros que tocam covers: «São maçãs podres»
Sensivelmente com um quarto de século de história, o metal açoriano
atravessa a sua fase mais complexa e periclitante. Músicos e promotores ligados
ao género sentem cada vez mais dificuldades em encontrar lugar para desenvolver a sua actividade e vivem na presença da forte "ameaça" das
bandas de versões, vulgo covers, e os
DJs que, por ora, lideram as programações culturais.
Miguel Aguiar, teclista da banda de death/gothic metal terceirense
Anomally, deixa um testemunho exclusivo à SounD(/)ZonE em que tece críticas às entidades que promovem a
cultura nos Açores, aos músicos de metal que deixaram o "ramo"
para enveredar pelas covers e até mesmo ao
público que teima em não comparecer nos espectáculos, mesmo quando estes são
oferecidos.
"Já é um cliché falarmos
da insularidade, mas, infelizmente, é algo que não conseguimos evitar",
começa por apontar o músico de 33 anos, alegando que é "desmotivante para
quem passa bastante tempo da sua vida dedicado a algo que tanto gosta" e depois
não consegue conferir-lhe visibilidade.
Depois da insularidade, a profunda crise económica que se vive em
Portugal podia ser outra das principais razões para o "divórcio"
entre público e metal. Porém, Miguel Aguiar tem outra perspectiva.
"Pretexto talvez seja, realidade não. É com grande admiração que
constato a presença de cada vez menos público nos concertos de metal, o que não
deixa de ser paradoxal, tendo em conta a diminuição desse tipo de eventos e em
que, por norma, nem são cobradas entradas."
Ainda sobre a crise, Miguel Aguiar defende que esta não pode ser o bode
expiatório para o decréscimo de popularidade do estilo e manda críticas para dentro da "família metaleira". "Estamos a
matar-nos. O que é feito daquelas pessoas que diziam à boca
cheia 'eu vou a todos os eventos de metal mesmo que sejam bandas de que não
goste, mas vou para apoiar a 'cena''? A crise não pode ser o bode expiatório
para eventos como o Roquefest, pois nem eram cobradas entradas, muito menos
quando se vive uma crise, sim, de eventos de metal."
Nos últimos anos começaram a proliferar as bandas de covers e a música electrónica. As noites
nos bares e festivais de todo o arquipélago são invariavelmente animadas
por este género de proposta musical e os concertos de metal, que durante, principalmente, a década de 90 tinham grande expressão, são hoje quase uma
nulidade. "Estamos a falar de 'maçãs podres' e quando uma maçã apodrece
deve ser retirada do cesto que contém as restantes frutas", diz Miguel
Aguiar referindo-se aos músicos que abandonaram o metal para assumir uma carreira
em que as covers (de tendência pop)
são a sua principal, e muitas vezes exclusiva, ocupação. "É certo que quem
está no metal acaba por despender do seu próprio dinheiro e tendo em conta a
maior aceitação por parte de bares pelas bandas de covers, o que chega a incluir pagamento, acaba por se tornar
aliciante para alguns. (...) O dinheiro acaba sempre por falar mais alto".
Ainda na dicotomia "covers vs. música
original", Miguel Aguiar estabelece uma comparação com outras áreas artísticas:
"Se se tratasse de um pintor que, ao invés de criar obras originais, se
limitasse a copiar obras de grandes artistas, certamente que não teria maior
destaque do que outro pintor qualquer que criasse obras únicas."
Atendendo a um cenário que aponta para a "monopolização" da oferta cultural, Miguel Aguiar lamenta que os interesses
financeiros estejam a impedir o desenvolvimento dos Açores. "A
monopolização não é positiva em nenhuma área, logo, não vejo que traga qualquer
tipo de vantagem para o desenvolvimento da região. Vejamos o caso do Festival
Azure: este ano temos oito artistas locais dos quais sete são DJs. Estão no seu
pleno direito. No entanto, qual a vantagem cultural e onde está a diversidade
que um evento deste género tinha capacidade de oferecer? (...)Todos sabemos, só
não sabe quem não quer, que neste momento qualquer entidade/promotor pretende
lucrar com o que quer que seja."
Miguel Aguiar é ainda da opinião de que todos os promotores deviam filtrar a
quantidade de bandas de covers que
integram os seus cartazes e que perante a dificuldade na obtenção de subsídios que
possibilitem a organização de eventos de metal com artistas externos à região -
como aconteceu principalmente na segunda metade da década passada - a alternativa é a "prata da casa". "É verdade que há alguns anos a esta parte temos vindo a ver o desfecho de eventos como o October Loud, o Metalicidio On
Stage - que ficou-se por apenas uma edição -, o Festival Angra Rock... mas será que
não haviam alternativas? Todos nós gostamos de ver e, se possível, tocar com
bandas 'de fora'. No entanto, na inviabilidade de realizar um
espectáculo com tais artistas, porque não apostar naquilo que temos? Fica um
cartaz mais pobre com o risco de atrair menos público? Sim, há sempre esse risco, mas será preferível
desistir?"
Continuando em jeito crítico, Miguel Aguiar diz não entender porque o
Governo regional subsidia lançamentos de CDs de metal e não fomente a realização
de espectáculos dentro desse mesmo género. "É um tanto ou quanto
paradoxal mas, na realidade, é o que está acontecer", afirma, descrevendo
a situação como "um caso de incoerência política".
Olhando para o futuro com cautelas mas com uma esperança indisfarçável,
Miguel Aguiar conclui deixando um apelo: "O metal regional só morre se aqueles que estão nele de alma e coração o deixarem. (...) Se gostam realmente do que estão a fazer, é
favor não desistir. Somos cada vez menos a remar contra a maré, mas não há mal
que sempre dure nem bem que nunca acabe."