Entrevista Gustavo Sazes
VISÕES PERIFÉRICAS
"Gosto muito da possibilidade de desconstruir e experimentar ao extremo"
É já no próximo domingo (1 de Dezembro) que é inaugurada a exposição "Do Caos à Progressão" no Hard Club. Trata-se do evento que encomia a profícua e mundialmente reconhecida carreira do artista brasileiro Gustavo Sazes, especializado na concepção de capas para artistas no universo "metálico". Serão mais de 100 trabalhos patentes durante toda a quadra natalícia na emblemática sala do Porto, onde constarão trabalhos de James Labrie [Dream Theater], Morbid Angel ou Arch Enemy. Na primeira pessoa, o talentoso carioca fala da iniciativa e do seu processo criativo numa entrevista exclusiva.
Para surpresa de muitos, encontra-se radicado em Portugal há cerca de um ano. Tirando algum aspecto do foro pessoal ou profissional, este é um país em que gosta de viver? Eventualmente terá escolhido a pior altura para essa permuta...
Gosto muito de Portugal e realmente tenho laços fortes por conta da minha família. Sempre foi como uma segunda casa, tenho muitas lembranças de infância em Lisboa, Penacova e Coimbra. Quando decidi mudar-me do Brasil para a Europa foi uma escolha natural. O único problema seria escolher bem a cidade e, por sorte, descobrimos (eu e a minha esposa) e ficámos encantados por Vila Nova de Gaia. Vim para a Europa principalmente para renovar o meu processo criativo, alimentar a minha mente com novas cores e sensações, literalmente respirar novos ares por vezes já tão familiares. Também levei em consideração o facto de estar mais próximo dos meus clientes europeus. Afinal, é sempre bom rever os amigos e fortalecer o seu network entre um trabalho e outro.
"Penso que muito já fora criado, reciclado, recriado, copiado, recopiado e seguimos assim um ciclo"
Aquele que é apelidado como vosso "país irmão" configurou-se assim o ponto óbvio para se iniciar em exposições na Europa (ao que consta a do Hard Club será a primeira)? O porquê da decisão?
Foi uma decisão prática e bem óbvia, diria. Já tinha visto várias exposições no Hard Club e acho que faz todo o sentido ter esse evento na cidade que me acolheu tão bem, ainda quando turista e já recentemente como morador. Expor o meu trabalho (que tem total relação com a música) em um ambiente onde temos concertos o ano todo, de vários artistas dos quatro cantos do mundo... Enfim, esse é o ponto de ligação. É extremamente gratificante.
Como olha para o seu percurso - início e ascensão - após vários anos de trabalho? Que são quantos já agora?
Já fazem uns bons anos. Não faço contas exactas, mas acho que todo o processo ficou mais profissional a partir de 2005. Antes disso, costumo dizer que brincava de fazer capas de demo-tapes. Penso que estou sempre recomeçando. Este não é o tipo de jornada em que se limitam meios e fins, tento sempre refrescar a minha criatividade de alguma forma. Gosto muito da possibilidade de sempre aprender a misturar uma cor nova, perspectivar novos ângulos, desconstruir o que acabara de construir, experimentar ao extremo.
Sente que o seu estatuto lhe permite já não ter grandes fronteiras para os seus clientes? Talvez a qualidade nunca tenha preço. Para que as pessoas tenham uma ideia, o Gustavo é um artista inacessível para muitos bolsos?
Se forem fronteiras geográficas eu acho que já passei bem por isso. Afinal, tenho clientes em mais de 30 países. A relação preço/qualidade é discutível e varia muito de artista para artista, pois muitos factores validam um preço X ou Y. Ser "inacessível" é algo muito extremo, penso que o preço a se pagar é o justo. No final, os custos do trabalho têm relação directa com o conceito, as condições do trabalho, tempo... enfim, tudo depende do que for negociado. Eu não faço uso do meu nome no mercado para cobrar preços impagáveis, mas todo o trabalho tem o seu custo, nada é de graça e, afinal, eu também pago contas e impostos como todos.
Porque acha que o procuram? Mera etiquetagem por ter um nome conhecido ou será que as pessoas têm consciência plena do seu valor mais do que pensarem em si como uma jogada de marketing? Será que vêem o Gustavo como um "santo milagreiro"?
Alguns desconhecidos ou iniciantes podem até pensar dessa forma - ter o meu nome na capa agrega um bom valor, mas isso já não acontece com os meus clientes mais famosos. Os artistas ou as editoras que me contratam conhecem bem o meu trabalho a fundo e confiam 100% nas minhas escolhas e na minha arte. O meu universo de clientes é muito amplo, alguns já trabalham comigo há quase uma década. Quando os Arch Enemy, Morbid Angel, Firewind ou James Labrie chamam-me para fazer uma capa, não pensam na tal "etiquetagem". Querem a minha arte e o meu profissionalismo. Não existem milagres, nem santos, mas sim competência, seriedade e bons resultados nos trabalhos. Criar um network nesse cenário não tem receita de bolo além do óbvio: faça um bom trabalho e você será reconhecido.
Por sua vez, eventualmente não faz só capas "sangrentas". Para que outro tipo de mercados trabalha?
Já fiz de tudo um pouco: mercado editorial de livros e revistas, cinema, agências de publicidade, moda, artistas gospel, artistas pop, artistas indie, etc.. Não tenho restrições para estilos fora do heavy metal. Até gosto muito de poder diversificar os meus trabalhos nesse sentido.
Esta é uma pergunta óbvia mas deduzo que demasiado complicada de responder. Ainda assim... qual o melhor trabalho que fez até à data ou pelo menos o que lhe despertou um sentimento muito especial?
Realmente, a pergunta é difícil e até mesmo injusta, pois é como tentar escolher o seu filho predilecto. Algumas capas têm uma grande história por trás e fazem-me viajar no tempo ou mesmo fazerem-me sentir algo relacionado ao tema no momento em que as criei. Definitivamente não existe essa definição para "melhor capa", isso é irreal, pois eu indicaria uma hoje e amanhã outra. Dito isso, eu listaria algumas que me são especiais por diversos motivos, sem ordem aparente: James LaBrie "Impermanent Resonance", Morbid Angel "Illud Divinum Insanus", Arch Enemy "Black Earth remastered & expanded edition", God Forbid "Equilibrium", Firewind "Days Of Defiance", Amaranthe "The Nexus", Within Y "Silence Conquers", Daniel Piquê "Chu", Dying Humanity "Living On The Razror's Edge", Nightrage "Insidious", entre tantas outras.
Embora não seja politicamente correcto comentar-se o trabalho de colegas de profissão, como acha que está a questão da imagem no heavy metal? As capas são melhores do que há umas décadas, as tecnologias são benéficas ou uma muleta para disfarçar incapacidades? Há falta de criatividade ou mesmo já se inventou quase tudo? E tudo isto quando os discos já pouco se vendem. O que acha de todos esses tópicos?
As capas de hoje são tão boas quanto as de outrora e o mesmo será dito daqui a 30 anos. Essa arte reflecte o exacto momento em que vivemos, delimita uma estética e define-nos em relação às outras gerações. Não penso em "muletas". Afinal, ainda hoje se fazem capas pintadas à mão. Isso não é um luxo só de décadas passadas afinal. Sobre a falta de criatividade eu acho que é uma observação muito pessoal. Penso que muito já fora criado, reciclado, recriado, copiado, recopiado e seguimos assim um ciclo.
Como não gosta de ser abordado por uma banda para fazer um artwork? Há aquelas que lhe detalham exactamente o que querem e outras que simplesmente lhe "atiram" o convite e dizem "queremos uma capa fantástica"?
Posso trabalhar das duas maneiras. O importante nos dois aspectos é deixar o artista criar e imprimir o seu estilo no conceito original.
Qual o mercado em que se mantém mais activo nos últimos tempos? Artistas portugueses já constam do seu portfólio?
Trabalhei com poucos portugueses e já se passaram bons anos. Portugal nunca foi um mercado óbvio para o meu trabalho, apesar do idioma. O meu mais "recente" foi um álbum dos Secrecy.
Embora, obviamente, não queiramos desmontar os "segredos" do seu ofício, mas, de forma sucinta, como descreve o seu processo de criação, desde o brainstorming até à arte final? Utiliza essencialmente ferramentas digitais?
O processo criativo varia muito de um trabalho para o outro, não sigo muitas receitas mesmo. Por vezes levo semanas para fazer uma arte e no fim desmonto-a e remonto-a em dez minutos antes de apresentá-la ao cliente. A única constante é que quando "termino" a capa, tiro uns dias para ficar olhando-a de longe, algo como gravar o seu disco, misturá-lo e voltar a escutá-lo uma semana depois, com os ouvidos menos viciados. Sendo assim, tento dar esse tempo para a capa respirar na minha mente, ver se ela ainda me convence antes de realmente finalizar e entregar o preview. Sobre as ferramentas, tento balancear o digital e o orgânico, mas essencialmente trabalho com fotos e algo de desenho manual. Por vezes, desenho algumas coisas, passo no scanner e recrio tudo no Photoshop ou já faço tudo com fotos. Depende muito de cada trabalho, da inspiração e do nível de experimentalismo do projecto.
Queixa-se de alguma lacuna que a tecnologia na sua área ainda lhe ofereça?
Velocidade no processamento das imagens é sempre um pesadelo… Por sorte a solução existe em forma de dinheiro para comprar slots de memória!
Foquemo-nos agora sobretudo na exposição. O que poderão as pessoas ver em Dezembro no Hard Club e o porquê do título "Do Caos à Progressão"?
A exposição cobre a minha produção artística de 2010 até hoje, basicamente, mesmo tendo duas ou três obras de 2008 ou 2009. Também teremos muitas capas de CD e LP (algumas inéditas), artes que fiz exclusivas para camisas, alguns fragmentos dos encartes, etc.. Serão por volta de 120 artes divididas em 21 quadros de 50x70cm espalhados pelo centro do Hard Club, no Porto. O título é, acima de tudo, uma referência aos estilos das bandas, das mais extremas até às mais progressivas com quem tive o prazer de trabalhar.
Tem alguma inspiração base para o seu trabalho? Algum artista que admire particularmente?
Tudo me inspira, seja arte, literatura, fotografia, cinema ou música. Vários artistas influenciam-me em diferentes níveis, como Salvador Dali, Dave Mckean, Niklas Sundin, Joe Madureira, Tarantino, Brom, Luc Besson, Clyde Caldwell, Marcelo HVC, John Romita Jr., entre tantos outros.
Tudo me inspira, seja arte, literatura, fotografia, cinema ou música. Vários artistas influenciam-me em diferentes níveis, como Salvador Dali, Dave Mckean, Niklas Sundin, Joe Madureira, Tarantino, Brom, Luc Besson, Clyde Caldwell, Marcelo HVC, John Romita Jr., entre tantos outros.
"As capas de hoje são tão boas quanto as de outrora e o mesmo será dito daqui a 30 anos"
E como artista que incide muito o seu trabalho no heavy metal, possivelmente também é admirador do género. Quais as suas bandas favoritas? Sabemos também que é grande apreciador de figuras da banda desenhada, do cinema, etc..
Pois claro, gosto de muitos estilos diferentes, mesmo dentro do metal. Na minha colecção de CDs é possível encontrar desde In Flames, Europe, Testament, Fear Factory até Pain, Vertigo Steps, Dimmu Borgir, Alcest ou Anathema. Além da paixão pela música sou um aficionado por banda desenhada, ficção e action figures e, como todo o bom coleccionador, isso acaba por não ter limites.
Como está a sua agenda para os próximos meses?
Tenho alguns trabalhos em vista e ainda encontro-me a trabalhar em tantos outros. Porém, estou sempre aberto a novos projectos! Basta entrarem em contacto comigo pelo e-mail gustavosazes@gmail.com ou facebook.com/gustavosazes.
Nuno Costa