Entrevista Nebulous
A
RAIVA EM CÁLCULOS
"Este
é um estilo com maior complexidade a nível de composição e execução"
Nada
se cria, nada se perde, tudo se transforma. A filosofia destes nortenhos pode
muito bem ter sido essa quando decidiram colocar termo a um percurso de oito
anos enquanto Endamage e agora surgirem com uma proposta musical totalmente
distinta e a roçar a imparidade em Portugal. Fãs de "degeneração"
rítmica, apressem-se a escutar os Nebulous. Fieis discípulos dos Meshuggah, têm
agora um álbum de estreia pleno de consistência e com indicadores de que são
capazes de desenvolver uma identidade própria mesmo dentro de um estilo cada
vez mais testado. E quem se chega à frente para explicar esse novo e promissor avatar
é o vocalista André Macedo, conhecido no meio musical como Snake.
Relate-nos o
exacto momento em que decidem: é desta que temos que mudar de sonoridade e
designação?
Não foi premeditado, foi a evolução natural das
coisas. Eu envolvi-me no projecto depois de Insanus, onde era vocalista, ter
cessado actividade e desde aí que já nos vínhamos adaptando a nível musical
como banda porque os nossos gostos musicais sempre foram coincidentes,
felizmente. Lançámos uma música como Endamage e passámos para a composição do
álbum, processo esse que se dividiu em três fases distintas a nível sonoro.
Começámos por misturar um pouco dos dois, em seguida algo mais como as
referências denotadas na própria review
da SounD(/)ZonE, como Periphery, mas isso porque também estávamos a descobrir o
djent, por assim dizer. Meshuggah já era o expoente máximo mas depois fomos
abalroados por Vildhjarta, Tesseract, Uneven Structure, Monuments e outras
bandas que têm um som mais fiel àquilo que gostamos. O resto foi o culminar de
um ano e meio ou quase dois de trabalho, entre composições e estúdio. Ficámos
imenso tempo fora dos palcos e das atenções do público, mas voltámos em força com
nova identidade, pois não faria sentido ser de outra maneira.
Deixaram de
acreditar no death metal melódico que praticaram durante oito anos?
Obviamente que não deixámos de acreditar porque ainda somos fãs de bandas nesse espectro. Há coisas que nunca mudam, mas, de facto, encontrámos no djent uma amplitude que talvez não teríamos com o death melódico que assumíamos naquela altura. Até porque, efectivamente, nós não somos os Endamage, por assim dizer, porque eu sou “novo” (vocalista) e o Marcelo Aires (baterista) também. Ainda que o Marcelo tenha entrado numa fase mais conclusiva do projecto, houveram adições na mentalidade musical da banda.
Obviamente que não deixámos de acreditar porque ainda somos fãs de bandas nesse espectro. Há coisas que nunca mudam, mas, de facto, encontrámos no djent uma amplitude que talvez não teríamos com o death melódico que assumíamos naquela altura. Até porque, efectivamente, nós não somos os Endamage, por assim dizer, porque eu sou “novo” (vocalista) e o Marcelo Aires (baterista) também. Ainda que o Marcelo tenha entrado numa fase mais conclusiva do projecto, houveram adições na mentalidade musical da banda.
Embora seja
uma opção perfeitamente legitima, até porque tudo está em constante
transformação, como se processa tão drástica mudança? Foi algo consensual
internamente ou ainda houve um extenso período de reflexão?
Como já referi, foi uma evolução natural. Descobrimos o djent ao mesmo tempo,
começámos a descobrir bandas em conjunto e fomos moldando a nossa identidade à
medida que a íamos redescobrindo. Não houve qualquer tipo de pressing ou como referiram também na review ao álbum, agimos sem “presunções
de que assim vamos soar mais fixes e intelectuais”.
O que é que
vos atrai nuns Meshuggah que, por exemplo, já não vos atrai nuns At The Gates,
Dark Tranquillity ou In Flames?
Não as posso comparar porque são bandas completamente díspares e não deixámos
de apreciar aquelas que eram uma influência na sonoridade que fazíamos. Acreditamos
é que Meshuggah, já que se referem a eles, são algo diferente de tudo aquilo
que se faz. É uma sonoridade singular. Complexidade rítmica e polirrítmica,
existência de ambientes envolventes e de carácter forte, apresentados num bloco
sonoro de vergar qualquer um. Sem rodeios e em carne crua.
Em termos
técnicos como se processou a transformação do vosso som? Ou seja, enquanto
intérpretes, que bases tiveram que assimilar para conseguir desenvolver uma sonoridade
como a dos Nebulous?
Foi um autêntico quebra-cabeças. Uma extensão da vida académica, mais
concretamente, da Matemática. [risos] Porque, de facto, andamos sempre com um
caderno de base para podermos apontar os tempos ou as vezes que tocávamos um
certo riff e mil outras coisas que achávamos relevantes ao processo como a
estrutura de cada tema, por exemplo. Depois chegámos a uma altura em que se tornava mais fácil obter resultados e as
coisas foram fluindo, obviamente. Como havia dito, foi uma descoberta ou
redescoberta enquanto músicos.
Já agora,
como reagiram as pessoas em vosso torno, especialmente aquelas que preferiam a sonoridade
dos Endamage?
Sabíamos que iríamos chocar de frente com aqueles que se identificavam com os Endamage
e poderíamos perder alguns seguidores, mas o que é certo é que poderíamos
angariar outros e não é possível agradar a todos. O que fizemos foi desenvolver
o que achamos que se tornou num amadurecimento musical a todos os níveis e uma
proposta mais abrangente, com um projecto completamente pioneiro e diferente do
que se ouve em Portugal. Para nossa surpresa, temos tido uma aceitação enorme!
Posso dizer que já temos mais de 350 downloads
do álbum e ele foi lançado em Outubro. Por isso, parece bom presságio. A
confirmação ao vivo com três datas fortes também foram determinantes. Estivemos em Madrid com os Uneven
Structure, The Algorithm, Weaksaw e Against The Waves. Os mesmos projectos partilharam o palco connosco no dia
seguinte, em virtude do Bracara Extreme Fest, e logo a seguir adicionando
bandas do panorama nacional como os W.A.K.O. que são um projecto de excelente
valor, com cartas dadas e que se enquadra perfeitamente connosco. Tivemos
depois um concerto com Leprous e Blindead no TOCA, em Braga. Em todos os concertos
as reacções foram tão positivas que nós não temos palavras para descrever a
gratidão que sentimos para com todos os que nos estão a apoiar. O facto de o
álbum ser gratuito também abriu portas além-fronteiras e os seguidores
estrangeiros têm subido de forma bastante saudável. Isso é muito importante. Numa
avaliação geral, podemos dizer que, a sentir diferença, foi para muito melhor!
"O que fizemos foi desenvolver o que achamos que se tornou num amadurecimento musical a todos os níveis, com um projecto completamente pioneiro em Portugal"
O EP “Apotheosis” foi lançado em 2008 e desde há uns tempos para cá que
Endamage tinha perdido algum terreno, muito por causa de não existir trabalho
novo para mostrar. Depois entrei no projecto e começámos a pensar no futuro,
mas não foi só por essa razão que as coisas mudaram radicalmente. Foi mais pela
sonoridade que esmiuçámos há pouco. Digamos que até foi uma mudança que veio em
boa altura porque ajudou na captura do foco. Não estivemos activos porque virámos atenções para as composições. Não aceitámos
propostas de concertos e não tínhamos intenções de fazer qualquer aparição até
termos o álbum pronto. No geral, não
olhámos para a questão como “o mercado” porque o que gostamos de fazer é
conviver como bons amigos que somos e partilhar a música que nos caracteriza e
da qual tiramos um prazer enorme. Gostamos
é de gerir aquilo que fazemos da melhor maneira, mas se o álbum tivesse saído
com a sonoridade dos Endamage, seríamos os Endamage. Não foi isso que
aconteceu.
Portugal
começa a ser um bom consumidor dessa nova tendência de metal progressivo
"polirrítmico"?
Acreditamos que ainda há muito a evoluir porque em Portugal existe um destaque mais forte nas vertentes tradicionais. Felizmente que as coisas vão mudando e acho que temos o dever de apresentar o melhor de nós para mudar as opiniões do público nacional.
Acreditamos que ainda há muito a evoluir porque em Portugal existe um destaque mais forte nas vertentes tradicionais. Felizmente que as coisas vão mudando e acho que temos o dever de apresentar o melhor de nós para mudar as opiniões do público nacional.
Sentem mais
dificuldade em compor nesse formato? Há o cliché
de dizer que este é um género mais cerebral... será que há alguma ponta de
razão nisso? Ou colocando a questão de outra forma: compor com os Endamage era
mais intuitivo?
Começando pela "sub-pergunta": sim, com os
Endamage era mais intuitivo, mas se falarmos de Nebulous, depois de estarmos
imersos naquilo que é o djent, acaba por ser automático, tal como era nos
tempos em que compúnhamos death melódico. De qualquer das maneiras, este é um
estilo com maior complexidade a nível de composição e execução, o que requer um
cuidado mais específico.
Apesar das claras influências de Meshuggah, há
outras. Em algum momento sentiram pairar o fantasma de que poderiam ser "crucificados"
por seguirem de forma mais ou menos denunciada a banda sueca?
Sinceramente, acredito que transparecemos as excelentes influências que temos,
mas conseguimos ir buscar uma personalidade própria. E não me vou alongar muito
porque sou suspeito para afirmar o que quer que seja. Entretanto, não temos
medo da “crucificação”. Temos de estar preparados para tudo e saber filtrar o
que interessa para progredir sempre mais. Obviamente que temos influências de
Meshuggah, mas quem é que não tem? Creio que até existe um orgulho colectivo em
o afirmar.
Não me recordo de nada em específico ou que tenha
sido extraordinário. Quiçá sejamos extremamente aborrecidos ou estou a ter um
colapso cerebral! [risos]
Este tema é talvez o que tem criado mais burburinho em torno dos Nebulous, mas
nada em aspecto negativo, sempre com carácter sugestivo. Para desmistificar a questão, posso dizer que tivemos alguns
problemas em relação aos timings de
lançamento do álbum e tendo em conta tudo aquilo por que passámos e o tempo que
todos, inclusive nós, tivemos de esperar para que as coisas saíssem com o
melhor que podíamos oferecer, decidimos não sondar editoras. Primeiro porque não achamos que uma
editora vai apostar num projecto tão recente, que à vista comercial não oferece
um valor significativo que dê resposta a tal aposta, e depois porque, de facto,
vivemos numa realidade que se tem vindo a moldar com os avanços tecnológicos. A
nossa ideia foi tornar o álbum acessível a todos, sejam eles nacionais ou
internacionais, para que possa ser difundido de forma intensiva. Isto vai ajudar a criar bases fortes
para que se vá construindo o projecto de uma forma forte e ambiciosa. Mais
tarde, num futuro trabalho, quem sabe? Para
já, o foco está no uso da Internet como meio de difusão e plataforma de
contacto para quem nos segue.
Pelos resultados
obtidos até ao momento em termos promocionais e de feedback que balanço podem fazer, embora o disco nem tenha uma mês
que esteja disponível?
Esperamos ansiosamente pelas reviews! Ficámos muito gratos pelas palavras e apoio total da SounD(/)ZonE,
mas ainda nos facultou mais vontade de ouvir outras opiniões. A informação já
foi enviada correctamente e já tentámos furar em várias frentes. Aguardamos feedback. O público tem-se manifestado.
Faltam os meios de comunicação.
"Nebulous"
carrega também uma mensagem específica. É isso que sentem muitas vezes -
vontade de se isolarem da sociedade para encontrarem o vosso rumo, tal como a
personagem do disco?
O tema é bastante actual e talvez o seja
sempre porque é cíclico. Quem é que
nunca questionou a sociedade em que vivemos, onde a realidade é manipulada por
uma evolução que se crê necessária mas que esmaga a sua raça progenitora,
destituindo valores e implementando novas regras? Este mundo que muda as pessoas e onde parece que não somos mais do
que peões num jogo de xadrez.... Perdemos sentido do que é necessário ou acessório
e não medimos consequências. Damos por nós a questionar se a nossa humanidade
se diluiu. Num meio onde o
livre-arbítrio desvanece, perdemos o nosso verdadeiro significado vital. É essa procura que o sujeito faz, na
ânsia de que vai encontrar, se existir, um significado puro, na sua forma mais
natural.
Apesar da edição
apenas digital não descuraram o aspecto gráfico, com lugar até a uma curta BD
da autoria de David Rodrigues. Quer falar-nos da ideia?
Claro. Não é por não existir a edição física que o conjunto do trabalho tenha
de denegrir. O David Rodrigues foi uma escolha acertada. Já tínhamos acompanhado
o trabalho dele e achámos que ele conseguiria retirar tudo o que pretendíamos
do tema. E tendo em conta toda a história e conexão entre os temas, fez todo o
sentido fazer algo diferente e optar por um formato apelativo, visto que não
iríamos apresentar o formato físico. Assim, é apenas mais um ponto forte e
convidativo para que as pessoas tenham curiosidade. No final, é de notar a
dimensão que a banda desenhada dá à música. Deu-lhe forma!
Actuar com
os Uneven Structure foi uma ocasião especial tendo em conta as proximidades
musicais que partilham? Será que surgiu daí algum laço que vos possa levar,
pelo menos, até França?
Foi tudo pensado para que fosse possível. Estivemos
atentos à tour e também chegámos
perto da SWR Inc. que são nossos compatriotas. Dessa forma, e com a ajuda
deles, o sonho foi possível e tivemos a oportunidade de partilhar duas datas
com uma banda que é, sem dúvida, uma referência enorme para nós e com outras
que são já conhecidas no espectro. Mais que isso, tivemos grande momentos para
mais tarde recordar. Weaksaw que também estiveram presentes, por exemplo... são
grandes malucos! Rimo-nos à brava a ensinar-lhes calão português e eles calão
Francês. [risos] Quem sabe se não surge alguma novidade, até porque essas ligações
obviamente que continuam numa era em que a Internet torna a distância bem mais
pequena.
E de agora
em diante, o que esperar dos Nebulous. Concertos? Ou existe ainda outros planos
"secretos" na manga?
Temos uns pontos que queremos fazer, mas mais a
nível interno e de exposição. Contudo, estamos receptivos para qualquer data,
desde que tenha as condições necessárias. Aproveito para deixar aqui o apelo
aos promotores e todos aqueles que de alguma maneira fazem o espectro musical
rodar: respeitem as bandas e os músicos porque eles dão tudo o que têm. Portanto,
é como digo, não pedimos mundos e fundos, mas as condições para que corra tudo
pelo melhor, tanto para nós como para quem nos dá o voto de confiança, na
certeza de que garantimos o melhor dos Nebulous! Para ser mais concreto em
relação a datas, a única certeza é a de que vamos participar no Wacken Metal
Battle Portugal. Portanto, as datas estão livres. É só preencher. Fica a dica.
Nuno Costa