Entrevista - «Tertúlia Canibal: Holocausto Canibal e as vicissitudes, conquistas e verdades do grind» [Capítulo II]
Anatomia de um grinder e suas
convulsas contiguidades
Apesar da voracidade sanguinária já havia sido reconhecida a base do sucesso
e da longevidade dos Holocausto Canibal. Aquilo a que podemos considerar a sua "anatomia
grinder" é na verdade resultado de muito trabalho e dedicação, segundo
afirmam sem modéstias, até porque não são de olhar para o lado. Ao contrário de
certos casos, consideram ter subido a pulso e não através de efémeros hypes e nem a "mesquinhez"
intrínseca do povo português os demoveu do seu rumo. Os trejeitos de um caso bem-sucedido no metal nacional e o lado mais negro e austero do nosso underground (com o primeiro testemunho dos Holocausto Canibal sobre o seu cancelamento no polémico Lisbon Dark Fest), em análise nas próximas linhas.
Sem dúvida
que uma das questões que paira sempre junto do público em geral é: como uma
banda tão extrema e (ainda mais portuguesa) consegue ser tão solicitada
além-fronteiras (talvez ainda mais do que em Portugal)? Há algum segredo?
Eduardo F.: Não existem segredos. Existe trabalho, dedicação e um pouco de sorte à
mistura, claro. Mas as coisas não caem do céu, ao contrário do que muita gente
pensa. Tudo isto se materializa em função do trabalho e de toda a nossa
dedicação. Basta olhar para o nosso percurso nos últimos dois anos para se
perceber que abdicamos de grande parte da nossa vida em detrimento dos
objectivos desta banda.
Diogo P.: O Eduardo acabou por responder a quase tudo! Essa solicitação é fruto
de muito trabalho em vários campos e certamente que transcende o circuito de
concertos metálicos na medida em que alguns dos contactos que tivemos foi por
que nos conheceram em iniciativas tão díspares como “A Música Portuguesa a
Gostar Dela Própria” ou até mesmo iniciativas de carácter mais alternativo como
o “20 Vinte XX”.
Z. Pedro: São dezasseis anos consecutivos a tocar e a editar trabalhos. Não houve
um único ano em que não tenhamos tido uma agenda consideravelmente preenchida.
Por vezes vemos bandas a comemorar efusivamente os seus 15º ou 20º aniversários
quando na verdade estiveram em hibernação total vários anos do seu percurso ou
alimentam uma existência quase ligada ao ventilador. Isso definitivamente nunca
foi o nosso caso, nem funcionaria connosco. Penso que a haver uma fórmula ela
reside precisamente nessa persistência, actividade, continuidade.
"Não somos de lamúrias nem queixumes, mas efectivamente nem sempre tivemos o respeito e o reconhecimento de que agora, finalmente, usufruímos"
Os Estados Unidos são um sonho para vocês?
Pelo menos para outros géneros de bandas há sempre aquele desejo...
Z. Pedro: Obviamente que sim. E mais
frustrante se torna quando já tivemos algumas oportunidades para tal. Já
surgiram vários convites e já chegámos inclusivamente a ser confirmados e
anunciados no cartaz final do Central Illinois Metal Fest 2008, mas, na altura,
um acidente sofrido abruptamente pelo nosso anterior baterista, Ivan S., acabou
por nos impossibilitar de viajar. Quando por vezes analisamos estatísticas de
visitas aos nossos webspaces ou mesmo
através dos relatórios de envios de merchandising,
é curioso constatar que há vários anos que os nossos seguidores oriundos dos
Estados Unidos lideram todos esses rankings.
Como tal, sabemos que será algo que mais cedo ou mais tarde se irá concretizar
seguramente!
O que
implica em termos de staff/logística
andar na estrada com os Holocausto Canibal?
Eduardo F.: Tempo, disponibilidade, dedicação e, acima de tudo, olhar para os
Holocausto Canibal não como um projecto para brincar e passar o tempo, mas com
uma banda com objectivos bem definidos e com um nível de exigência mais alto de
ano para ano. Ninguém está aqui para perder tempo, nem nós queremos que nos
façam perder o nosso.
Diogo P.: Implica tremendas doses de paciência e boa disposição. Não somos fáceis
de aturar.
Já sentem
que são um exemplo a seguir para as bandas nacionais que sonham com a
internacionalização?
Eduardo F.: Não
sei. [risos] Não olhamos para os outros nem sabemos o que pensam. Estamos 100%
concentrados no nosso trabalho e no nosso futuro.
Diogo P.:
É caso para dizer que o Eduardo falou e disse muito bem.
Z. Pedro: Se um grupo de pessoas decide criar uma banda porque se revê nalguma coisa que já fizemos ou se de alguma forma abrimos portas e caminho para outras bandas, obviamente que sentimos um enorme orgulho.
Nota-se uma postura algo fria na forma como
se referem ao cenário de peso nacional. Este tem-vos sido muito ingrato ou tudo
não passa de uma frontalidade necessária para que possamos evoluir?
Z. Pedro: Não somos de lamúrias nem
queixumes, mas efectivamente nem sempre tivemos o respeito e reconhecimento de
que agora, finalmente, usufruímos. Isso nunca nos condicionou e sempre nos
estimulou mais ainda a lutar pelos nossos objectivos. Por vezes surgem aquelas
bandas e projectos fruto de um hype
fugaz que são logo aclamados de forma generalizada e levados ao colo durante
alguns metros para passados um ou dois anos cessarem actividades. Pode ser
eventualmente frustrante constatar o desperdício de certas oportunidades em
detrimento desses fenómenos. Mas cá estaremos para assistir calmamente ao
surgimento e desaparecimento de tais situações.
O que acham, por exemplo, dos
contestatários nacionais dos Moonspell, sobretudo os que se dirigem mais à
personalidade de Fernando Ribeiro do que à própria música da banda? Será que as
tais idiossincrasias muito específicas do português tornam impossível que
aceitemos que o "vizinho" esteja estatutariamente acima de nós?
Critica-se só porque que sim? E os Moonspell que, por sua vez, também criticam
os meios de comunicação especializados nacionais... um ciclo a reverter?
Z. Pedro:
Penso que o móbil de todo o ódio gratuito é mesmo esse. O português tem
por vezes esta característica comportamental que alimenta, mesmo que
inconscientemente, um ódio e uma mesquinhez que o impossibilita de interpretar
e absorver os sucessos de terceiros como um forte estímulo e motivação para
também alcançar objectivos similares. Já o nosso tema “Micose Cotovelar”
abordava esse ressabiamento típico. Resumindo, se uma banda cresce recorrendo a
métodos totalmente válidos, que se calhar também poderias explorar, acabas por
tentar “agarrar-lhe nas pernas” e nivelar novamente essa banda pelo mínimo
denominador comum e agrilhoá-la novamente na apatia geral em que estava imersa.
Em relação aos Moonspell (penso que apenas partilhamos palco com eles duas
vezes, mas curiosamente já aconteceu de estarmos a tocar no mesmo país
estrangeiro em festivais distintos separados por poucos quilómetros)... embora
trilhemos caminhos completamente distintos, a tal fórmula da continuidade e
perseverança é comum e determinante em ambos os percursos. E se eles têm
eventualmente razão de queixa dos meios de comunicação nacional… o
que poderíamos então dizer nós!
"O português tem por vezes esta caracterísca comportamental que alimenta, mesmo que inconscientemente, um ódio e mesquinhez que o impossilibitda de absorver os sucessos de terceiros"
Entre as
vicissitudes de ser artista está a necessidade de lidar com diversas pessoas,
agentes, empresários e promotores. No que concerne a essa última classe, a
experiência com a RDA no caso do Lisbon Dark Fest terá sido um momento
"traumático", talvez o mais negativo da Gorefilia Tour. Aquando do vosso cancelamento pouco ficou
esclarecido. Passados cerca de seis meses, é possível revelar com detalhe o que
se passou?
Eduardo F.: A
RDA representa tudo o que há de mau neste país!
António C.: O
que aconteceu foi que pouco tempo antes do concerto os “promotores”
enviaram-nos uma carta a dizer que a nossa actuação tinha sido cancelada por
alegadamente não termos promovido o concerto, uma vez que nenhum de nós tinha “aderido”
ao evento no Facebook! [risos] Entre outros motivos mais insólitos… Naquela
altura já estava bom de ver que a nossa actuação só foi cancelada por estarmos
“fora do âmbito do cartaz”. Bem, no final, a verdade é que houve um grande
filme e toda a gente que pactuou com a falcatrua – bandas e público – acabou
por sair prejudicada. Vejam só os Therion que pactuaram com todo este esquema e
acabaram por perder imenso dinheiro estando agora à espera de reaver alguma
coisa nos tribunais. [risos] Infelizmente, são estas situações deploráveis que
depois deixam qualquer banda estrangeira reticente na hora de vir tocar ao
nosso país. E, neste caso em concreto, penso que, no que toca aos Holocausto
Canibal, tudo se resolveria com uma simples conversa em que nos dissessem que,
uma vez que o teor do cartaz tinha sido consideravelmente alterado, a nossa
presença já não faria sentido. É preferível abrir o jogo do que criar novelas
desnecessárias.
Diogo P.:
Como se diz por cá, quem se deita com meninos acorda mijado. Nós ainda tivemos
sorte no meio disto tudo comparativamente aos Therion, por exemplo. O que sei é
que a justiça (seja ela jurídica, divina ou popular) não dorme e quem sabe se
um dia não teremos oportunidade de resolver isto…
Z. Pedro: Sei que isto vai ferir susceptibilidades no seio dos fãs dos Therion, mas, efectivamente, eles ao actuarem e pactuarem com toda a falcatrua levada a cabo pela RDA (nas pessoas de Rita da Cunha Morgado Daupiás Alves e Álvaro Manuel Alves Dias) é que legitimaram todo o evento e ajudaram a consumar a burla de que foi alvo o público. No caso de falhar o headliner do evento todo outro tipo de procedimentos poderiam ter sido levados a cabo. Caso não tivessem sido amplamente avisados, não estaria com esse discurso. Ou seja só caíram porque quiseram. Uma banda dessa dimensão vir tocar ao nosso país, através de uma promotora com a qual era a primeira vez que trabalhavam, sem terem já recebido 100% de upfront (embora o tenham constantemente afirmado) não se pode vir queixar depois de ter sido habilmente ludibriada por falsas garantias bancárias. As verdadeiras vítimas foram todas as pessoas que pagaram bilhete a pensar na totalidade dos artistas que eram parte integrante do cartaz e foram sendo subrepticiamente subtraídos.
Já depois desse caso registou-se outro - o
Norfest. Acha que tal é indicativo de algum desespero em obter dinheiro fácil,
dado até o nosso estado de crise, ou tratam-se de puros casos isolados de
desonestidade e incompetência? Viajados que são, quase nos apetece perguntar se
já viram disso no estrangeiro?...
Z. Pedro: No caso dessa promotora, penso que a
organização já teve algum percurso válido anterior a esse acontecimento. Pelo
menos eu e o António C. tivemos oportunidade de estar na data deles da Bonnie
Tyler e só temos boas memórias a apontar! Em relação ao desfecho desse evento
em concreto, estamos completamente descontextualizados e nem sabemos ao certo o
que se passou. Acho que só em Portugal surgem com regularidade aberrações como
o Lagoa Burning Live, Lisbon Dark Fest, Killer Fest, etc.. Não sei se, por
vezes, essas organizações têm uma índole desonesta e um esquema meticulosamente
estruturado desde o início ou se só em determinada altura se apercebem de não
terem arcaboiço financeiro, know-how
organizativo e posteriormente não conseguem lidar com toda a problemática
inerente à organização de um evento. Os cancelamentos fora de Portugal quase
sempre se prendem com condições climatéricas totalmente adversas ou factos
totalmente justificáveis.
Nuno Costa
www.holocaustocanibal.com
www.gorefilia.wordpress.com
www.twitter.com/dispareunia
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