Entrevista - «Tertúlia Canibal: Holocausto Canibal e as vicissitudes, conquistas e verdades do grind» [Capítulo I]
"Palcofilia": o rescaldo de novo massacre itinerante
"No rest for the wicked". Pois bem, dezasseis anos de devoção antropofágica num universo musical à partida adverso nunca foi motivo de desmotivação para estes pervertidos portuenses. Quatro discos, vários splits e um EP resumem o melhor de uma carreira alucinante nivelada por uma intransigente postura anti-comodista. É por isso que "Gorefilia" lhes valeu mais uma valente correria por palcos internacionais e o reforço de um estatuto que já não logra ninguém. No primeiro capítulo desta entrevista ficamos a saber (na presença de toda a "tribo") os mais confidenciais detalhes sobre mais uma digressão, a saída inesperada de Carlos Guerra e o regresso de Ricardo S. (dez anos depois), as vivências nos grandes palcos e com grandes estrelas internacionais, entre outros tópicos, num discurso de frontalidade desconcertante que não deixará ninguém incólume.
Os dados sobre a Gorefilia Tour são impressionantes. Todavia,
e para começar de forma muito directa: foi esta a maior (e melhor) rota que
fizeram em torno de um álbum ao fim de dezasseis anos de carreira?
Eduardo F.: Sempre que lançamos um álbum temos o cuidado em promovê-lo ao
máximo, seja através dos nossos canais de comunicação ou das actuações. Penso
que desta vez o que houve foi uma estrutura mais definida dos trabalhos, uma
verdadeira planificação do ciclo promocional. Por regra, o objectivo principal
é tocar o máximo possível. Sempre fomos e seremos uma banda que vive dos palcos
e para os palcos. Já com o nosso álbum anterior, o "Opusgenitalia" [lançado em 2006 via Cudgel
Agency, Alemanha], durante seis anos seguidos corremos Portugal, Espanha,
Finlândia, Alemanha, República Checa, Eslováquia, Itália, Hungria e Áustria em
ritmo frenético. A diferença desta vez prendeu-se com a definição dos
objectivos: comprometemo-nos a promover o "Gorefilia" em dois anos, um primeiro ano focado apenas no nosso país
(em oito meses corremos Portugal de norte a sul) e um segundo ano em que
praticamente só tocamos no estrangeiro (fizemos Alemanha, República Checa,
Eslováquia, Itália, Suíça e Espanha).
Diogo P.: Eu não serei o mais qualificado para me alongar nesta questão
dado que só entrei em 2009. Contudo, e olhando para o passado recente da banda,
acho que se pode considerar o ciclo de concertos mais denso em torno da
promoção de um álbum. Anteriormente, e remetendo à resposta do Eduardo,
planeava-se tudo mais à medida do que se arranjava, muitas vezes passando por
períodos mais longos sem concertos ou sem grande actividade ao vivo. Com esta tour, a planificação foi no sentido de
condensar as datas de forma a manter mais viva a presença do álbum e a
associação dos concertos ao mesmo. Como ainda temos trabalhos para lançar em
breve, assim terão ciclos promocionais mais focados e obriga-nos de certa forma
a ser também muito mais selectivos nos locais e promotores com quem trabalhamos.
Z. Pedro: Recuando aos ciclos
promocionais de álbuns como o "Gonorreia Visceral" ou "Sublime
Massacre Corpóreo" e estabelecendo uma comparação directa, eventualmente,
esses trabalhos passados tiveram um ciclo de concertos mais extenso e numeroso,
mas, como já foi dito, a planificação global de toda a estratégia promocional
era quase nula. Tudo se fazia de forma muito espontânea e seguindo o impulso.
Agora tudo tem sido feito com maior selectividade e tendo em conta diversos
tópicos. Tentamos sempre dar prioridade a destinos e locais em que nunca tenhamos
estado previamente e repetir todos aqueles que melhores experiências nos
proporcionaram.
"A banda cresceu, disciplinou-se e amadureceu"
Reportando ao início deste longo périplo, o SWR Barroselas Metal Fest terá sido o primeiro local a testemunhar as vossas novas composições. Qual foi a reacção do público naquela altura e que perspectivas vos abriram?
Eduardo F.: O SWR foi precisamente a primeira data oficial da Gorefilia Tour, nunca duvidamos do que
tínhamos na mão para promover. Todos nós sabemos que é impossível agradar a
todos, mas tínhamos plena confiança na reacção do público e, pelo que se pôde ver nos vídeos que rodam nas
redes sociais, não nos enganámos - foi uma recepção muito forte por parte do
público presente. No fim da actuação, tivemos oportunidade de falar com algumas
pessoas que assistiram ao concerto e a maioria das opiniões foram bastante
positivas. E isso é claro que nos motiva ainda mais para continuarmos a fazer
este tipo de sonoridade, mas de certa forma tentar sempre inovar e fazer algo
de diferente.
Diogo P.: Nesse SWR tocámos duas vezes: a primeira na noite de abertura,
onde incidimos essencialmente sobre os temas antigos, e a segunda no palco
principal onde expusemos, pela primeira vez, os temas do "Gorefilia" ao público. As reacções foram
díspares. Contudo, o consenso foi de que a banda, efectivamente, cresceu,
disciplinou-se, amadureceu e tem ideias cada vez mais sólidas. Existirão sempre
detractores porque “o antigo é que era” e “falta brutalidade” e blábláblá, mas o que é certo é que
ninguém ficou indiferente à brutalidade, composição e até mesmo à coesão da
nossa performance. Lembro-me que foi
a primeira vez que tocámos com click
track e com samples ao vivo, o
que resultou num concerto sem “pregos” e com muito mais sumo que as ocasionais
amálgamas de distorção e rapidez que aconteciam anteriormente, sempre que as
condições sonoras nos eram menos favoráveis.
Z. Pedro: Infelizmente, devido às condições climatéricas adversas, não foi
possível materializar o primeiro concerto no meio da floresta como estava
inicialmente previsto. Teria sido, sem dúvida, memorável. Mas foi igualmente
especial partilhar o palco com a Orquestra Filarmónica de Barroselas.
Pouco antes, nada fazia prever
que C. Guerra abandonasse a banda, eventualmente já com compromissos agendados,
criando certamente algum frisson.
Como viveram esse momento e que detalhes vos é possível revelar sobre a sua
saída?
Eduardo F.: Esse é um assunto sobre o qual somos sistematicamente abordados.
Temos ouvido imensas histórias em relação à saída do C. Guerra, 99% por delas
pura fantasia, mas a verdade só nós sabemos! [risos] Sabíamos que mais dia,
menos dia, ele iria acabar por sair da banda pelo próprio pé, o que, em certa
forma, se compreende. Nunca imaginámos é que seria de uma forma tão abrupta.
Acredito que seja frustrante estar numa banda há oito ou nove anos e nunca ter
conseguido gravar um único tema em estúdio [N.B.: as vozes principais de
"Opusgenitalia" e
"Gorefilia" ficaram a
cargo do Max T.], por exemplo, e essa frustração acabou por se reflectir na
falta de tempo ou vontade para ensaiar e na própria incapacidade de manter o
ritmo evolutivo do resto da banda, entre outras coisas. Isto depois chega a um
ponto em que não consegues lidar com os conselhos dos restantes membros acerca
da tua própria performance e acabas
por desanimar. Claro que, no final, é mais fácil inventar histórias do que
assumir os próprios erros, mas a vida de uma banda não é só copos e palhaçadas.
Diogo P.: Como elemento externo há banda há muitos anos, eu testemunhei a
entrada do C. Guerra e a sua evolução ao longo dos tempos. Durante o tempo em
que não tocava mas convivia com eles, sempre os incentivei a estimular e a
procurar resultados junto do C. Guerra. É um tipo impecável com quem
ocasionalmente convivemos. Quanto a isso nada a dizer. Contudo, assim que
entrei na banda e comecei a sentir "na pele" o trabalho dele, sempre
procurei chegar um pouco mais longe. A exigência no processo de composição do
"Gorefilia" elevou-se
bastante e já não bastava “grunhir”. Passou a ser necessária toda uma
maturidade musical e técnica que contribuiu para várias horas e sessões de
acompanhamento pessoal junto dele, relegando para segundo plano outros tópicos
que até seriam mais importantes. Eu próprio vi-me forçado a progredir a nível
da bateria para acompanhar a evolução da composição, tendo de insistir e
praticar com mais frequência. Os restantes elementos passaram pelo mesmo e
todos conseguimos atingir os objectivos propostos com excepção do C. Guerra que
continuou "preso" aos velhos costumes e metodologias e isso
reflectiu-se no insucesso que foi a sua tentativa de gravação do
"Gorefilia" e consequente
materialização em palco. Despendemos de várias sessões de estúdio para que ele
conseguisse gravar, insistimos em diferentes métodos e abordagens à gravação,
chegámos, inclusivamente, a gravar as linhas de voz como guia e mesmo assim ele
não foi capaz de concretizar, tendo de recorrer ao Max T. para concluir o disco
que já de si estava atrasado. Como ao vivo essa inaptidão continuou a
prevalecer e a pressão foi-se acumulando, acredito piamente que estes factores
terão sido decisivos para a sua saída, pois a nível pessoal nada há a apontar
de ambas as partes. Num grupo tens sempre elementos mais ou menos capazes. Na
hora da verdade o que conta é todos trabalharem em conjunto e esforçarem-se ao
máximo. Tens também sempre quem desista ou por incapacidade, preguiça ou
orgulho. Se o caso dele foi um desses, não consigo afirmar, mas o que é certo é
que ficámos na "mão".
Z. Pedro: Isto acabou por ser um remake do que já se tinha passado
aquando do "Opusgenitalia",
mas a química e laços de amizade existentes entre os membros da banda foi
possivelmente adiando o inevitável. Claro que todas essas vivências de
caminhada conjunta com o C. Guerra ficarão sempre indelevelmente marcadas na
nossa memória pelos melhores motivos. Para uma banda com um percurso de
dezasseis anos, o facto de termos tido poucas alterações na formação diz muito
de certos valores que prezamos, e sempre que um elemento optou por sair da
banda foi, efectivamente, por decisão sua e pelo seu próprio pé. Na verdade em
quase todos os casos acabámos por tocar juntos posteriormente noutro projecto
qualquer. De referir que a escolha pelo Max T. [Colosso] foi feita
unanimemente, contando também com o apoio inequívoco do C. Guerra. A escolha
assentou em motivos óbvios: já termos trabalhado com ele no passado, ser um
excelente músico, um excelente criativo e um profissional como poucos e que deu
um contributo vital ao resultado final.
Por outro lado, esta tournée fica também marcada pelo regresso de Ricardo S. ao fim de dez anos. Como foi estar de novo com ele em palco? Veio para ficar?
Z. Pedro: No Invicta X-Massacre 2010 , no Hard Club, convidámos alguns
ex-Holocausto a participarem nalguns temas. O Ricardo S. foi um dos convidados
e, logo nessa altura, ficou bem vincada a química ainda existente em palco e
toda a essência emocional que os temas emanavam com ele. O que acaba por ser
facilmente compreensível, tendo em conta ter sido o responsável pelas linhas
vocais em trabalhos tão emblemáticos como o “Sublime Massacre Corpóreo” ou o
“Libido Dispareunia”. A partir daí ficou sempre a porta aberta a potenciais
futuras cooperações.
Eduardo F.: O regresso do Ricardo foi determinante para o sucesso desta tour. Conseguiu aprender os temas e
preparar-se em tempo recorde e cumpriu a 100% o seu compromisso com os
Holocausto Canibal, numa altura em que fomos deixados na mão com mais de vinte
datas agendadas pela frente. Agradecemos imenso todo o seu empenho e dedicação
à banda. Foi muito bom partilhar todas estas aventuras com ele. Quanto ao
futuro, para já, nada podemos dizer.
António C.: A ajuda do Ricardo foi crucial numa altura em que ficámos de mãos
a abanar com um álbum acabado de sair e uma tour
completamente delineada. Sem o Ricardo dificilmente conseguiríamos honrar todos
os nossos compromissos e promover este álbum da forma como o fizemos. Por isso,
estamos-lhe eternamente gratos por todo o empenho e dedicação à banda. A
situação em que nos deixaram foi extremamente delicada dado o percurso que
havia sido desenhado para esta tour e
a pronta disponibilidade do Ricardo, aliada ao seu empenho em aprender os temas
numa questão de dias, foram essenciais para que pudéssemos chegar a este ponto
com a sensação de dever cumprido.
Diogo P.: Quanto ao Ricardo, apenas tenho
que lhe agradecer por toda a sua disponibilidade e bom trabalho desempenhados
ao longo de todas as datas. Mostrou que é possível materializar o álbum ao vivo
e com toda uma qualidade que pouco se vê. Os fãs podem gostar ou não, em última
instância o que prevalece é a opinião da banda que é fundamentada em dados
concretos e na sua experiência própria. Se veio para ficar ou não, é algo que
ainda está a ser definido. Contudo, se ficar é por mérito próprio.
"A vida de uma banda não é só copos e palhaçadas"
Conseguem eleger o melhor
concerto da Gorefilia Tour?
Eduardo F.: Pergunta difícil, muito difícil mesmo, sobretudo após tanto
concerto tocado… Na minha opinião tivemos inúmeros momentos incríveis durante a
tour que poderiam ser destacados, tal
como as datas em que o Matt Harvey dos Exhumed se juntou a nós para cantar a
"Reek Of Putrefaction" dos Carcass, o que foi absolutamente brutal!
Mas talvez aponte o último concerto da nossa tour de leste, em Slavonice, na República Checa. Desde a primeira
data dessa tour, no Obscene Extreme,
que vários amigos nos diziam que essa era a “grind town”. Era uma vila/aldeia na fronteira com a Áustria e
aparentava não ter ninguém, mas no final acabou por ser completamente
alucinante. Apareceu imensa gente e todos com o teor alcoólico elevadíssimo! O
concerto foi brutal, tivemos o Peter dos Ahumado Granujo a cantar connosco
alguns temas e o pessoal a saltar literalmente para cima de nós. Grande
ambiente e loucura ao máximo… e então a after
party nem se fala. [risos]
Diogo P.: Para mim, todos os concertos tiveram a sua parte de positivo e
negativo. Sou bastante exigente neste aspecto e, assim sendo, diria que em
termos técnicos o Extremefest, na Alemanha, foi um requinte. Em termos de
tratamento o Artilharia Pesada, em Cacilhas, superou todas as expectativas.
Relativamente a público, os concertos da Lovers & Lollypops e da “License
To Grind” estarão no top.
António C.: Também não creio que tenha havido maus concertos. No geral todos
eles tiveram os seus bons momentos, uns mais que outros, naturalmente. Para
além dos episódios relatados pelo Eduardo convém também salientar a nossa
presença nos dois eventos da Lovers & Lollypops: o 20 Vinte XX e o Milhões
de Festa. Estes dois concertos, na minha opinião, foram os melhores que demos
em Portugal. Confesso que ao início estávamos todos algo apreensivos (não era
nem o nosso tipo de público nem o nosso tipo de eventos), mas no final os dois
concertos foram o verdadeiro pandemónio! Foi incrível ver aquela gente toda que
muito provavelmente nunca nos viu a entregar-se de corpo e alma ao espectáculo.
Ainda hoje recordamos ambas as datas com um sorriso. É daquele tipo de eventos
que gostaríamos mesmo de repetir! Para além disso, há que salientar também o
concerto no mainstage do Obscene
Extreme. Pisar aquele palco é uma sensação do outro mundo!
Z. Pedro: É um exercício muito difícil, eleger um concerto como tendo sido o melhor. Para mim, a título pessoal, foi mítico e totalmente marcante ter tido a oportunidade de tocar pela quarta vez no Obscene Extreme, meta que nunca pensaria atingir. E foi igualmente especial ter homenageado com covers no after show do Obscene Extreme algumas das bandas que sempre nos influenciaram desde os primórdios e contribuíram, mesmo que inconscientemente, para cunhar a personalidade do nosso som. À parte disso, revejo-me nas respostas anteriores. Efectivamente, a experiência vivida na última data da Licence to Grind foi inigualável. Estares já a sentir o surgir daquela depressão pós-tour, mentalizares-te que terminava naquele dia, durante todo o percurso o público transmitir sempre “vão fechar a tour com chave de ouro, Slavonice é que vai ser!”, quando chegas ao local, nada parece confirmar a veracidade dessas opiniões até escassos minutos do início do concerto… até que o pavilhão se enche de forma abrupta e acontece uma verdadeira celebração de caos total. Calculo que teremos tocado entre set normal e encores cíclicos, quase duas horas. Cá por Portugal, sempre que nos permitem uma saída do nosso circuito musical e nicho de mercado habitual, propiciam-se sempre óptimas experiências, como foi, efectivamente, o caso do 20 Vinte XX e do Milhões de Festa que nos fizeram sentir que, afinal, apesar do cariz vincadamente extremo dos nossos temas, a nossa música até consegue ser ligeiramente transversal e contagiar sem grande dificuldade facções de público totalmente inesperadas.
Eduardo F.: Não acho que houve concertos
maus. Houve, claro, como sempre, situações verdadeiramente insólitas. Como em
Salamanca tocarmos numa sala em que tudo era digital e a bateria sair com
latência. Resultado: tocámos em slow
motion! [risos] Mas todos os concertos foram bons à sua maneira. E essa
noite em Salamanca foi verdadeiramente memorável!
António C.: Essa data em Salamanca foi
brutal! [risos] Também tenho de concordar com o Eduardo neste ponto - não houve
maus concertos. Houve, sim, cenas do outro mundo. O concerto de Roma também foi
mesmo surreal! [risos] Uma vez que íamos ter de fazer uma longa escala, optámos
por não levar instrumentos e pedir aos promotores que nos facultassem guitarras
e baixo afinados em Si. Quando chegámos a Roma, os instrumentos que havia para
nós estavam afinados em Ré e acabámos por tocar assim. Foi engraçado, quase que
parecíamos uma banda de crust! [risos]
Diogo P.: Concordo com Salamanca, nunca
toquei tão rápido e soei tão lento. Inacreditável! Mas aqui volto a fazer a
separação e diria então que foi, sem dúvida, o concerto de Salamanca o pior a
nível técnico. Em termos de público o pior talvez tenha sido o do lançamento do
"Gorefilia" no Metalpoint, em Abril de 2012.
Z. Pedro: O pior para mim foi mesmo o azar de nos ter avariado a carrinha
em Salamanca e sermos obrigados a cancelar a nossa participação no Brutologos
2012. Para uma banda que evita a todo o custo cancelamentos, tornou-se ainda
mais difícil falhar perante uma organização com a qual temos fortes laços de
amizade. Ou seja, o “pior concerto” foi mesmo este “não concerto”. Todos os
outros, mesmo os menos bons, propiciaram sempre histórias e vivências dignas de
registo.
"Aprendemos que o 'desemerdanço' é uma das ferramentas mais úteis do português e quem nem sempre resulta"
Toda a experiência que angariam
ao participar em festivais conceituados pela Europa, entrando em contacto com
outras realidades, tem sido um alimento altamente "calórico" para a
vossa motivação e crescimento enquanto banda? Acham que não seriam os mesmos se isso não acontecesse? O
que se aprende em concreto (sendo que nem tudo será um mar de rosas)?
Diogo P.: Essas incursões pela Europa
claro que contribuíram para nos motivar e fazer crescer, não só como banda mas
também como pessoas. Se seríamos os mesmos ou não sem essas experiências, não
consigo dizer. O que sei é que, efectivamente, se aprende muito, tanto de bom
como de mau, e também que se todos os intervenientes na cena portuguesa
tivessem a mesma oportunidade, essa mesma "cena" seria
consideravelmente diferente, para melhor em quase todos os aspectos. De bom
aprendemos que as bandas, sejam de onde for, seja qual o estilo que toquem ou o
escalão social, têm sempre oportunidades, acompanhamento e tratamento adequado,
muitas vezes dentro do essencial, outras bem para além do essencial. Aprendemos
que os técnicos de som e o material mesmo não sendo os melhores cumprem sempre
o que lhes é proposto, muitas vezes superiormente ao que cá temos; aprendemos
que o trabalho que fazemos é, efectivamente, valorizado e os fãs, promotores,
agentes e demais apercebem-se do que se faz, como se faz e quem faz. De
negativo aprendemos que nem sempre compensam os copos no dia anterior a datas
seguintes, especialmente se estás fora do teu país; aprendemos que o
"desemerdanço" é, de facto, uma das ferramentas mais úteis do
português e que nem sempre resulta; aprendemos que a nível de hospitalidade os
portugueses acabam por ser dos melhores e que nem sempre podes contar com o
"ovo no cu da galinha".
António C.: Embora só esteja na banda
desde 2011, todo o ciclo promocional do "Gorefilia" serviu para comprovar o que o Diogo P. acabou de dizer.
Penso que todas as experiências vividas, positivas ou negativas, foram
imprescindíveis para crescermos como pessoas e, acima de tudo, como banda. De
realçar também que estas incursões acabam por reforçar imenso a “química de banda”,
não apenas em palco mas principalmente fora dele. Fomos confrontados com
situações que, a meu ver, só um grupo de dementes como nós poderia ter
sobrevivido! [risos]
Que país, por norma, melhor vos
acolhe e com o qual mais se identificam? Justifiquem tendo em conta também
algum em que se tenham estreado.
Eduardo F.: Acho que a resposta é óbvia: República Checa. Por inúmeras
razões: o público lá vive este estilo de música a 100%. É quase uma forma de
vida para eles e, como é óbvio, isso reflecte-se na calorosa recepção que eles
fazem às bandas que por lá passam. Outro motivo importante são as paisagens
loiras de olhos claros… [risos]
António C.: De facto, os países de Leste são outro mundo… a todos os níveis!
[risos]
Diogo P.: A nível de acolhimento sou forçado a concordar com os anteriores.
Sem dúvida, a República Checa e a Eslováquia superam largamente. Contudo, a
nível de identificação continuo a identificar-me com o meu país, por muitos
defeitos que possa ter.
Z. Pedro: Pois, a República Checa. Todos nós já éramos grandes consumidores de grind checo mesmo antes de lá nos termos estreado em 2005. É um fenómeno difícil de descrever… só bandas e seguidores do nosso estilo específico compreenderão facilmente todo o ambiente único que por lá se vive. Em relação ao público estrangeiro, no nosso caso específico, só temos coisas positivas a dizer e é com orgulho que vamos tendo contacto com alguns núcleos de seguidores de diferentes países que nos apoiam incondicionalmente há já alguns anos. Contudo, eu estou em crer que o melhor a nível de destinos estrangeiros ainda está para vir...
Outro assunto aparentemente
trivial mas que desperta sempre a curiosidade dos fãs é perceber o vosso nível
de "intimidade" com grandes nomes da música extrema. Há a mencionar
alguma figura surpreendentemente simpática ou, por outro lado, surpreendentemente
antipática? Vocês que tocaram, por exemplo, com os Behemoth, Exhumed...
Diogo P.: Não me recordo de ninguém a quem
possamos apontar o dedo negativamente. Só temos a dizer bem da maioria desses
“nomes grandes” com quem nos temos cruzado, pelos mais diversos motivos (e
quase sempre envolvem bebida, porque será?)…
Z. Pedro: A partir do momento em que se joga uma partida de matrecos com o
Glen Benton dos Deicide, penso que o céu é o limite! [risos] Por vezes, é
curioso quando em festivais internacionais nos vão buscar aos aeroportos e
acabamos por partilhar uma carrinha ou tour
bus com outras bandas… às vezes dado o cansaço acumulado nem nos
apercebemos logo quem vai ali ao nosso lado, mas já aconteceu de repente sermos
surpreendidos pela companhia de elementos dos Obituary, Brutal Truth, Cannibal
Corpse, Six Feet Under, Napalm Death e sempre se conviveu de forma
completamente espontânea. Na verdade, penso que nunca senti nenhum
distanciamento, nem imposição de qualquer tipo de barreira por parte de absolutamente
ninguém ao longo de todos estes anos. Uma passagem verdadeiramente especial foi
quando atravessámos parte da Alemanha na companhia dos Nasum e tivemos
oportunidade de conhecer o Miezko Talarczyk (conhecer e alcoolizar) poucas
semanas antes de lhe ter acontecido a fatalidade.
Nuno Costa
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