Entrevista - "Tertúlia Canibal: Holocausto Canibal e as vicissitudes, conquistas e verdades do grind" [Capítulo III]
Lavadas todas as "feridas" de uma
intensa digressão, os maiores apreciadores de carne humana do país baixam a
guarda para preparar um novo ano ainda mais atrigado. Para projectá-lo, é ainda
preciso olhar para o presente e conjugá-lo com um passado recente. É nesse contexto que concluem o
derradeiro capítulo desta entrevista com uma analogia entre o mercado
discográfico e as consequências que tem tido na sua carreira, as "reformas"
idiossincráticas que urgem no público nacional e os próximos capítulos (que seguem dentro de poucos meses) de uma pervertida e intimidante odisseia antropofágica.
Depois de largos meses na estrada, sentem-se
cansados ou com a ideia de que quanto mais se "prova o fruto" mais se
quer prová-lo? O término da fase de promoção a "Gorefilia" deveu-se
ao esgotar de todas as oportunidades de booking ou entenderam que chegou o
momento certo para retemperar forças e pensar num novo disco?
Eduardo F.: Nós nunca estamos cansados. Como já disse
nesta entrevista, os Holocausto Canibal são uma banda conhecida por actuar
bastantes vezes ao vivo. Se num dia fosse possível tocar de manhã, à tarde e à
noite, em sítios diferentes, assim o faríamos! Aliás, há cerca de dois anos
fizemos algo do género - tocámos em três sítios diferentes em 24 horas. Bom,
respondendo à questão, a verdade é que quanto mais provamos o fruto mais o
queremos repetir, embora de formas diferentes. Parámos porque sentimos que
pouco mais havia a fazer nesta fase e porque, como já disseram em relação à
primeira questão, temos muito material novo que queremos lançar o mais
brevemente possível, sob pena de ficar datado! Chegou a altura de nos
concentrarmos em novos lançamentos, mas claro que vamos continuar a tocar.
Felizmente, as propostas não param de chegar e no próximo ano vamos andar
bastante atarefados.
Diogo P.: A aplicar o termo “cansado”, certamente não o faríamos para descrever a
nossa postura e atitude. Se existe algum cansaço, esse é proveniente da rotina
e métodos que estão instituídos a nível de quem promove ou realiza concertos e
que já nem vale a pena tentar mudar. De alguma forma, tentamos sempre incutir
princípios que se consideram básicos para quem faz concertos a nível de
tratamento das bandas, postura e organização, mas, como todos sabemos, o
português é teimoso e nem sempre essa teimosia se reflecte positivamente.
Quando assim é e recorrendo ao provérbio “pau que nasce torto nunca se endireita”,
mais vale deixar o "pau" no sítio e que o mesmo se continue a torcer
até, eventualmente, quebrar, porque continua a haver muita idiotice e falta de
“savoir faire”, especialmente no circuito metálico. Quem nos quis ver e
ter em sua “casa” teve a sua oportunidade. Certamente que muitos voltaremos a
repetir e outros nem vê-los. Assim, aproveitamos e fazemos mais algum trabalho
de casa até ser oportuno voltar à estrada.
"Continua a haver muita idiotice e falta de savoir faire, especialmente no circuito metálico"
Discutamos outro dos mitos ligados ao
underground nacional: ser-se português e tocar grindcore é rentável?
Eduardo F.: Ser português, já por si, não é rentável…
quanto mais no mundo da música e, ainda por cima, a tocar música extrema.
António C.: Tudo vale a pena quando a alma não é
pequena! [risos]
Diogo P.: É caso para dizer que… é e não é! Depende do conceito de cada um para rentável e até mesmo dos conceitos de grindcore e português! Fica a dúvida no ar.
Z. Pedro: Acho que quando atinges um ponto da tua
carreira em que te é dada a oportunidade de conhecer países e cidades que nunca
tinhas visitado, promoveres o teu trabalho, fazeres o que mais te realiza e
regressares ao teu país com mais dinheiro do que levaste no bolso e, sobretudo,
com um punhado de novas histórias, acho que isso não se pode sequer
quantificar. Todo o resto não nos interessa.
E no meio de tantos
balanços, falar em venda de discos faz sentido? Estão satisfeitos com o
"Gorefilia" a esse nível?
Z. Pedro: Em relação à venda de discos, a quebra
gradual no mercado discográfico é amplamente reconhecida… como a nossa última
referência antes do "Gorefilia" ocorreu numa altura em que as
coisas ainda estavam relativamente saudáveis, só agora tivemos esse ponto
comparativo. Falando abertamente, é óbvio que o decréscimo no número de
unidades vendidas ascendeu a milhares de diferença relativamente a títulos
anteriores. No entanto, o forte cariz coleccionista que sempre caracterizou os
seguidores de sonoridades death/grind continuou a prevalecer e a
possibilitar-nos um bom escoamento de CD's em distribuidoras/editoras e lojas físicas
do mundo inteiro. Já em relação a vendas de merchandising nunca tivemos tanta
fluidez como agora e acaba por ser compreensível, a partir do momento em que
ainda não é possível fazer download de uma t-shirt na internet.
Portanto, se só podes optar por um produto e não pelos dois, acabas por
escolher aquele que, efectivamente, não consegues obter de outra forma. Cada
vez mais, um novo trabalho discográfico (e refiro-me estritamente à visão
financeira/negocial do artigo) é apenas a tua desculpa para venderes
espectáculos da banda, andares novamente em tour e venderes novas linhas de merchandising.
No meio de uma intensa agenda ainda houve
tempo para lançarem um split e um EP de covers. Que importância teve esses
lançamentos? Surgiram num timing estratégico ou havia realmente um carinho
especial em lançá-los? Façam-nos uma breve introdução aos mesmos pelo menos
para quem ainda não teve oportunidade de os ouvir.
Z. Pedro: O split 7’’ EP com Kadaverficker foi-nos proposto por uma
editora alemã com o intuito de ser um lançamento estritamente limitado a 100
unidades para venda exclusiva durante o Extreme Fest 2013, na Alemanha.
Funcionaria também como forma de promover o trabalho de ambas as bandas que se
encontravam inseridas no cartaz. Foi uma aposta totalmente ganha! Na primeira
das duas sessões de autógrafos que ocorreram durante o festival venderam-se
logo 75 unidades, sendo depois necessária fazer uma reprensagem para satisfazer
alguns pedidos e pré-encomendas adicionais que já tínhamos. Em relação à pro-tape
“Compêndio de Aversões”, lançada pela Larvae Prod., foi a forma de reunir algumas das
covers que fomos gravando ao longo dos tempos, algumas delas integradas em
tributos oficiais às respectivas bandas e outras eternamente à espera de um
dia, efectivamente, saírem nalgum lançamento que tinha sido proposto. É para
nós um lançamento especial pelo formato em que saiu e também pelo objectivo
prioritário dos temas que é o de prestar a nossa humilde homenagem a nomes
marcantes do death/grindcore mundial.
E talvez para espanto de muitos, parece que
o futuro dos Holocausto Canibal não passa por Portugal. Há intenções de se
radicarem noutro país?
Eduardo F.: Intenções de nos radicarmos noutro país não
existem, embora fosse excelente. [risos] Como referi, foram várias as situações
em que vimos as nossas condições desrespeitadas e tivemos, infelizmente, que
fechar os olhos e, ainda assim, tocar para evitar situações menos agradáveis.
Uma banda dá um concerto no Porto e outro em Lisboa e o público-alvo está
praticamente coberto. Tocar mais acaba por levar à exaustão do público e da
própria banda.
António C.: Em Portugal temos o terrível hábito de
confundir trabalho com conhaque e isso traz consequências verdadeiramente
nefastas para as bandas. Para além disso, há esse factor importante que o
Eduardo já fez questão de frisar: o público. As pessoas que, efectivamente,
aparecem nos concertos são tão poucas que, à excepção de zonas estratégicas e
certos festivais, tocar no nosso país para além de Porto e Lisboa acaba por ser
“chover no molhado”.
Diogo P.: A partir do momento em que nos sentirmos indesejados por cá, é uma
opção (ainda que muito remota) a considerar. Contudo, gostamos da
"terrinha" e das gentes da nossa terra. Se muitos gostariam de nos
ver pelas costas, disso não tenho dúvidas, mas para já estamos cá para ficar e
continuar a fazer o de sempre com a qualidade e empenho que já nos são
característicos. Quem quiser "come" e gosta, quem não quiser lá terá
de levar connosco. O Vinho do Porto não deixa de ser fabricado em Portugal para
ter mais qualidade ou oportunidades lá fora, certo?
"Ser português, já por si, não é rentável"
Com o "Gorefilia" acabaram por
injectar alguns elementos mais "polidos/modernos" à vossa sonoridade.
Será essa uma tendência a seguir num próximo registo? Como descrevem o que pode
ter sido esboçado/criado até ao momento para um novo trabalho?
Diogo P.: Se conseguirem definir o "polido e moderno" até posso tentar
comentar. Contrariamente ao que se tem escrito, dito, falado, dissecado,
enfim... nós continuamos a fazer o de sempre. A diferença está na melhor
produção, melhor execução e num processo de composição mais cuidado. Se isso é
moderno é cá pelo burgo porque lá fora já descobriram as técnicas de gravação digital,
metrónomos e demais ferramentas. Posto isto, a tendência é continuar a fazer o
que gostamos e como gostamos com a melhor qualidade que nos for possível sem o
eterno estigma de “soar português”.
Para além disso, um dos maiores temores
para os fãs dos Holocausto Canibal é pensar na possibilidade de terem que
aguardar mais seis anos para ouvir um novo disco de originais, algo pouco
provável até porque já há novo material a ser trabalhado...
Eduardo F.: Como também já dissemos, isso não vai
acontecer. É precisamente por esse motivo que a Gorefilia Tour termina agora e
não daqui a quatro anos. [risos] Temos muito material pronto a ser lançado e
muitos projectos prestes a concretizar. 2014 será, sem dúvida, um ano muito
produtivo para nós.
Nuno Costa