Entrevista Switchtense
SEM
MÁSCARAS
"Muita gente vê a música como um
negócio e uma maneira de elevar o seu status"
Na vanguarda de uma colheita de bandas
nacionais geradas no virar do milénio, os Switchtense são daqueles casos que
dispensam apresentações, quer pela seriedade que emprestam à sua música quer pelo
suor que libertam a cada vez que sobem a um palco. Com doze anos de vida, dois discos, um DVD e uma insaciável vontade de chegar longe, gozam
do respeito e consenso de uma vasta legião de fãs. O último ano foi, por isso, apenas
mais um de grande intensidade, ainda que tenham visto partir o seu
baterista. Por tudo isto e até porque "Switchtense" já foi lançado há
dois anos, convidámos Hugo Andrade para analisar, com a sua habitual frontalidade, os últimos meses da banda da Moita, projectar o seu futuro e ainda discutir
temas sempre tão pertinentes e actuais como o modus operandi da indústria musical e o underground nacional.
Parece
unânime que os Switchtense há já algum tempo que entraram para o leque de
bandas mais trabalhadoras e respeitadas do panorama nacional. Passados doze anos de carreira, sentem-se satisfeitos com os objectivos alcançados?
Há onze anos não imaginávamos, embora
ambicionássemos, como é lógico, que teríamos hipótese de estar aqui nesta
altura e que já teríamos conseguido fazer o que já conseguimos. Passámos as
fronteiras da zona onde vivemos e do nosso país. Tivemos a chance de tocar com
bandas que já têm quase tantos anos de carreira como nós temos de vida.
Viajámos, conhecemos pessoas nos mais diversos locais, trocámos experiências e
crescemos todos com isso. Não éramos as mesmas pessoas se não existissem os Switchtense
e, como tal, só temos que nos sentir agradecidos e satisfeitos com estes onze
anos de vida da nossa banda.
Têm,
porventura, dados sobre a quantidade de concertos já realizados e
cidades/países por onde passaram?
Sinceramente, não contabilizamos isso. Segundo o
nosso site, feito pelo Pedro Mau
[Kneel], que tem um excelente contador dos concertos que já realizámos, e caso não
nos tenhamos esquecido de colocar lá algumas datas, posso dizer que já demos
para cima de 200 concertos. Cidades ou vilas onde já tocámos é um bocado mais
difícil de responder, mas já foram muitas. Lembro-me de contabilizarmos no ano
de 2012, em poucos meses, mais de 30 mil quilómetros.
No
seguimento dessa lógica, é quase obrigatório perguntar se existe algum concerto
particularmente marcante na vossa carreira...
Existem vários, daí seja complicado destacar um
apenas… Desde a primeira vez em que tocámos no estrangeiro, passando pelos
concertos no Moita Metal Fest, no Campo Pequeno, no Resurrection Fest, no Metal
GDL… tantos! Ainda no último fim-de-semana (11 de Janeiro) no Hard Metal Fest,
em Mangualde, foi muito bom! No entanto, posso falar do passado dia 30 de Novembro,
em Aveiro - uma das datas da No Barriers
Tour com os For the Glory. Foi um concerto no bar da Associação de
Estudantes da Faculdade, uma sala onde não havia palco, logo, estávamos a tocar
ali no chão mesmo em frente do público. Estava uma excelente casa e o pessoal encontrava-se
todo a curtir! Até um murro de uma miúda levei na barriga! [risos] Um feeling incrível e uma noite que fica na
memória.
Há quem
entenda que uma banda de metal em Portugal não necessita tocar tanto no seu
país sendo o nosso mercado muito reduzido. Concorda? O que faz, no fundo, os
Switchtense primarem sempre por estar perto do público, nomeadamente a partir
do palco?
Óbvio que não concordo… temos que tocar no nosso
país. Primeiro para ganhar experiência e depois porque é muito mais fácil
conseguir concertos. Fará sentido com o passar do tempo tentar cada vez ir mais
vezes lá fora, mas a base de apoio de uma banda nacional está primeiro cá dentro.
O que nos faz tocar ao vivo é a nossa paixão e o quanto gostamos de estar com
as pessoas que nos querem ver. Simples!
De que forma
se cria a verdadeira mística de uma banda, em particular num mercado muito
pequeno como o português?
Não faço a mínima ideia! [risos] Essas coisas as
bandas têm ou não, não vale a pena teorizar sobre como fazer e o que fazer. Vais,
tocas e és tu próprio… depois ou há mística e empatia com o público ou não. Aí
já não é a banda que decide.
"Não pensamos ainda em nada sobre bateristas para o futuro e esta não é uma situação que nos fará perder grandes energias"
Ao fim de um
percurso que já se torna longo e com muitos momentos marcantes, será que sentem
que ainda é possível a profissionalização? Ou seja, continua a ser sustentável
manter uma banda como os Switchtense sem chegar ao ponto de pensar no lado
financeiro ou tudo será sempre feito segundo o lema "quem corre por gosta
não cansa"?
Quem corre por gosto também cansa e digo-o por
experiência própria, mas isso são outras contas… Não vou ser hipócrita e dizer
que não gostávamos nem queríamos viver da nossa banda. Óbvio que gostaríamos,
mas é de todo impossível, neste momento, ao contrário do que algumas pessoas
possam pensar. Tentamos, e nem temos outra hipótese, que as coisas sejam sempre
sustentáveis, mas não olhamos para isto como uma fonte de rendimento.
Nos últimos
dois meses estiveram empenhados na No
Barriers Tour ao lado dos For The Glory. Como habitualmente, os Switchtense
vangloriam o convívio que resulta de cada concerto. Satisfeitos? Algum episódio
digno de registo?
Sem dúvida que tocar e andar na estrada com os For
The Glory proporciona sempre grandes momentos. Estamos satisfeitos por termos
tido a oportunidade de partilhar essa experiência com os nossos amigos. Apesar
de serem bandas diferentes temos muito em comum na nossa maneira de estar e de
ver as coisas. Por isso mesmo, é fácil e faz todo o sentido que esta tour tenha sido feita em conjunto... e
ainda vai continuar! Nessas datas aconteceu um pouco de tudo e como estamos no
campo do D.I.Y., em que tudo foi feito pelas bandas, é normal encontrar algumas
surpresas pelo caminho. Um dos concertos aconteceu porque todo o pessoal é terra-a-terra,
tem os pés bem assentes no chão e um coração de ouro! [risos] Chegámos à sala e
o “técnico de som”, literalmente, abandonou o local e deixou-nos responsáveis
por usar, vigiar e devolver o material no final da noite. Fomos nós que fizemos
tudo: ligámos os microfones, "fizemos" som, fomos stage managers, etc. Sem esse tipo de
mentalidade o concerto não tinha acontecido. É algo que talvez não se volte a
repetir. Portanto, não voltem a tentar! [risos]
Contabiliza-se
dois anos desde que "Switchtense" chegou ao mercado. Pelo vosso ritmo
de lançamentos esta seria a altura certa para os fãs esperarem novidades. O que
vos é possível adiantar sobre o assunto?
Estamos a trabalhar em novos temas para o nosso
terceiro disco de originais. Se tudo correr bem, este sairá em 2014. Estamos
com saudades de trabalhar no estúdio e excitados por termos já algumas ideias
bem fixes para desenvolver. Vamos continuar na nossa caminhada da mesma maneira
e com a mesma paixão. Posso adiantar que vai ser um álbum com a marca
Switchtense. Não vamos fugir daquilo que fazemos, pois é o que gostamos.
É também
quase inevitável perguntar como se sente a banda depois da perda de um elemento
de longa data. Sem querer entrar em pormenores, como se sentem em termos
anímicos para ultrapassar esta fase e que avanços estão a ser feitos para a
aquisição de um novo baterista?
Felizmente, a banda não parou porque saiu o
baterista e com a ajuda do Rolando Barros fizemos os concertos agendados. Não
há que dramatizar, pois a vida continua e nós adoramos o que fazemos. Estamos felizes porque temos
essa oportunidade e obviamente que não a vamos desperdiçar. É tão simples como
isso! Não pensamos ainda em nada sobre bateristas para o futuro e esta não é
uma situação que nos fará perder grandes energias. Como referi, temos um disco
para fazer e editar este ano e, como tal, não nos parece ser a altura certa
para procurar e escolher alguém para a banda. Eu, o Caria, o Neto e o Pardal já
nos conhecemos bem suficientemente e quase nem precisamos de falar quando chega
a altura de compor. Temos a mesma visão, o mesmo gosto e queremos fazer o mesmo
estilo de música. Como tal, é bem mais fácil sermos só nós nesta altura a
tratar de todo o processo de composição. Depois temos tempo para escolher
alguém que se identifique com o que fazemos e que veja nesta banda uma
oportunidade de fazer o que gosta, passar uns bons momentos e aproveitar tudo o
que a música nos tiver para dar.
Até pela
vertente hardcore da música dos Switchtense, é evidente a postura do Hugo em relação
a muitos aspectos da sociedade e da própria indústria musical, nomeadamente
através das redes sociais. É assim que se identificam como cidadãos e músicos: atentos,
inconformados e rebeldes?
Somos isso tudo… músicos atentos que não fecham os
olhos ao que se passa à sua volta. Não faria sentido nenhum falar e escrever
coisas que não se sentem e que não sejam um reflexo do que vemos. Somos
inconformados, essa é uma característica que mostra que não estamos satisfeitos
com o que temos e queremos sempre mais e melhor. A rebeldia é típica das bandas
de metal, pois, normalmente, desafiam os padrões e não se inserem em meios
ditos “normais”. Como tal, só o facto de fazemos a música que fazemos pode ser
considerado um acto de rebeldia, mas, sobretudo, somos pessoas que gostam do
que fazem e que fazem-no com paixão. Que não existam dúvidas disso!
Recentemente,
insurgiu-se contra o preço cobrado a uma banda de abertura numa digressão com os
Six Feet Under. Acha que é possível atingir-se certos patamares sem ceder a essas
"regras" do mercado ou numa ou noutra ocasião pode ser um investimento
com retorno? Calcularam, por exemplo, o que conseguiriam fazer por conta
própria com os tais 6.000 euros?
Sabemos que é assim que hoje em dia as coisas
funcionam. Muita gente vê a música como um negócio e uma maneira de elevar o
seu status. Há muita gente disposta a
tudo neste mundo e, talvez por isso, seja essa a maneira de pensar mais
frequente… mas não a nossa. Não temos dinheiro para suportar uma situação
dessas e mesmo que o tivéssemos não o faríamos, pois só queremos estar onde nos
querem. Temos ambição de ter uma carreira duradoura, respeitada e na qual
façamos o que mais gostamos sem ter que ceder a certas situações. Nunca vamos "lamber
botas" de ninguém, isso é ponto assente. Temos a ambição de ser mais que
uma mera banda que paga para ser um nome de suporte da tour de alguém. Quando partilhei no meu Facebook a proposta que
recebemos e que mais bandas, obviamente, receberam, foi com o intuito de
mostrar a algumas pessoas, que não conhecem, a forma como estas situações se
processam. Entretanto, foi também para perceber quantas pessoas estariam
dispostas a esta situação para meter a sua banda a tocar… e não me surpreendi:
ainda foram algumas.
O que mais
vos importuna na sociedade e no cenário musical nacional neste momento?
Faz confusão a aversão que muitos meios de
comunicação social têm a um largo conjunto de bandas portuguesas que fazem
música de qualidade. Pura e simplesmente não existem pessoas nessa área que
tenham a coragem de apostar em nomes menos conhecidos e fazer com que o mercado
se abra a mais gente. As grandes rádios continuam ao serviço das grandes
editoras e só funcionam com playlists
onde passam sempre os mesmos artistas. Depois, por acréscimo e porque vivemos
numa altura em que o individualismo impera, as rádios mais pequenas querem ser
iguais às grandes e na sua grande maioria funcionam também com playlists onde muitos dos novos artistas
nacionais, simplesmente, não entram. Pouca gente critica isso, pois cada vez há
menos espaço à diferença. Incrivelmente, aos olhos de muita gente, quando uma
pessoa fala disso e critica estas situações ou é invejosa ou frustrada… Incrível!
Outra das questões que me parece pertinente é a falta de apoio estatal à música.
Não me lembro de bandas de rock, metal ou hardcore terem direito a subsídios
para conseguirem internacionalizar a sua arte com mais facilidade. Cada vez que
se fala em subsídios a música fica sempre de fora em detrimento de outras
formas de arte. Sei, por experiencia própria, que acontece o contrário nos
outros países onde bandas novas têm apoios do Estado que lhes pagam as viagens quando
se deslocam fora do seu país.
"Faz confusão a aversão que muitos meios de comunicação social têm a um largo conjunto de bandas portuguesas"
Teme, por
vezes, que a exposição que já granjearam também vos traga alguns aspectos
negativos? Veja-se os Moonspell - amados pela maioria, é certo, mas nem sempre
consensuais no seu país de origem. Será uma realidade da qual não nos podemos
dissociar, tendo Portugal muitas vezes uma postura de "auto-destruição"?
O nosso meio é outro e a nossa exposição não é, nem
de perto nem de longe, equiparável à dos Moonspell. Porém, respondendo
directamente à questão, não tememos nada disso, pura e simplesmente porque
somos sempre iguais a nós próprios, seja em cima ou fora do palco. Estamos na
música com a maior simplicidade possível, não vivemos disto, não temos motivos
para temer nada desse tipo de questões. Não há ninguém consensual e nós não
fugimos a essa regra. Todavia, vivemos bem com isso e sem qualquer tipo de
problema. Quem gosta de nós, da nossa música e de vir aos concertos, perfeito… quem
não gosta ou deixou de gostar não há muita coisa que possamos fazer em relação
a isso!
Embora se
acredite na coesão do grupo, pedia-lhe uma palavra especial aos fãs em relação
ao futuro da banda, numa altura em que enfrentam, eventualmente, um dos
momentos mais difíceis da vossa carreira. Os fãs podem ficar descansados?
Podem ficar tão descansados como nós. O que nos
aconteceu não é nada que já não nos tenha acontecido. Não é uma situação virgem
para nenhuma banda. Vamos continuar a fazer o que gostamos, da maneira que mais gostamos e sentimos. Não nos regemos por
modas nem por tendências: Switchtense é uma banda de metal rápido, com groove, mensagem,
directa ao assunto… e ponto fina, não há nada que saber! Pior seria se as
coisas não fossem desse modo, aí sim, estaríamos a enganar as pessoas. Pior que
isso, estaríamos, sobretudo, a enganar-nos a nós próprios!
Nuno Costa