Entrevista com Nelson Félix [SANCTUS NOSFERATU, SPANK LORD, PASSOS PESADOS, AMP]
É um dos músicos mais dotados mas também sóbrios e discretos do cenário
açoriano. Com o pai a apadrinhar a sua paixão pela música (foi com ele que
surgiram os primeiros acordes), dos seus 28 anos de vida cerca de metade foram
passados quase religiosamente em torno da música e daí a sua grande intimidade
com a guitarra (e até outros instrumentos). Apesar das contrariedades do
mercado insular, conta no currículo com três discos gravados - com SANCTUS NOSFERATU, SPANK LORD e PASSOS PESADOS -, dois prémios de melhor músico em concursos locais, sendo que não confina
a sua interpretação apenas às sonoridades extremas - o rock dos anos 70 e 80 ajudaram
muito a definir a sua costela artística. O futuro, só aos deuses pertence, mas
NELSON FÉLIX já tem um lugar na música contemporânea açoriana.
Quando e como começou a tocar? O
seu pai também tocava e influenciou-o um pouco, certo?
Comecei a tocar com catorze anos. O meu pai é que me ensinou... bastante
até. Aprendi muito com ele e também com colegas de escola (pois havia sempre
alguém com guitarras) e com as bandas que existiam na minha adolescência.
O seu pai tem formação musical
ou ensinou-o a partir do seu conhecimento empírico?
O meu pai não tem formação, sempre tocou violão em casa e ensinou-me notas, bases, sons, músicas...
ele toca desde muito cedo guitarra clássica. Ensinou-me bastante e acabou por se o
arranque para que eu começasse a desenvolver a minha técnica.
Lembra-se dessas primeiras
músicas que ele lhe ensinou?
Ensinou-me músicas dentro do rock'n' roll antigo, música clássica, música
portuguesa, mas também temas moçambicanos e timorenses, pois ele esteve lá na sua adolescência.
Para mim, o ideal seria continuar a viver nos Açores mas fazer digressões e depois voltar.
E quando é que começa a tocar
metal? Aí o seu pai terá começado a sair de cena...
Sim, ele ensinou-me até ao rock'n'roll old school. A partir daí comecei a tocar metal com elementos de
bandas do género em Ponta Delgada.
Qual foi a sua primeira banda de
metal?
Os SUMMONED HELL foram a
primeira com que comecei a dar concertos. Ainda antes tive algumas, mas nada de
relevante, apenas para desenvolver um pouco. Mas a primeira banda a sério foi
mesmo os SUMMONED HELL. Realizámos o
nosso primeiro concerto em 2004 e permaneci na formação até 2006.
Que guitarrista o levou a ter
vontade de agarrar na guitarra e a soltar umas notas?
Foram vários, não me posso referir apenas a um... O trio dos IRON MAIDEN [Dave Murray, Adrian Smith, Janick Gers], Kirk Hammett e James Hetfield dos METALLICA, Vivian Campbell dos DIO, Mick Mars dos MÖTLEY CRÜE, Slash dos GUNS N' ROSES, Silenoz e Galder dos DIMMU BORGIR, entre outros.
Para além da guitarra, também
toca baixo e bateria e há aquele "mito" de que também canta! De onde
vêm todas essas virtudes?
Em relação a cantar, não é algo para mim. Gosto de cantar em casa mas
não numa banda. Quanto ao baixo e bateria... quando oiço uma banda presto
sempre atenção a todos os instrumentos para perceber a musicalidade no geral.
Nas bandas que tive e tenho sempre gostei de tocar um bocadinho de baixo e
bateria nos ensaios para aprender mais um pouco.
E até por causa dessa
versatilidade, já pensou em criar um projecto a solo?
Já me passou pela cabeça. Talvez faça alguma coisa nesse sentido,
tirando a parte de cantar.
E no caso disso se concretizar,
qual seria a orientação musical? Continuaria pelo metal ou abraçaria talvez as
suas raízes hard rock?
Talvez fizesse algo instrumental. Gosto de muitas bandas e músicos
nesse formato, como o JOE SATRIANI, YNGWIE MALMSTEEN...
Então seria algo mais técnico...
Se calhar um instrumental melódico
mas também com alguma agressividade.
Neste momento, está ligado a uma
banda de covers...
Sim, a um duo que toca música portuguesa, como XUTOS & PONTAPÉS, UHF...
Toca ainda nos PASSOS PESADOS.
Que benefícios entende que tira do relacionamento com outros géneros musicais?
É sempre bom, pois sempre aprendemos técnicas diferentes. Dá sempre
jeito. Quanto mais melhor.
Actualmente, está na base de
muita discussão o excesso de bandas de covers
nos Açores e o facto dessas fazerem sombra às bandas de originais. Como analisa
o assunto?
É um facto que as bandas de covers
estão a tomar conta do mercado, mas continuo a ter bandas de originais.
Sinceramente, comecei a pensar em ingressar em bandas de covers porque a situação estava complicada com as de originais e
também para ganhar algum dinheiro, que é sempre preciso. Tenho pena que esta
seja a situação, mas, por outro lado, compreendo que as pessoas adiram mais a
bandas de covers, pois querem ouvir
temas conhecidos. Ainda assim, continuo a dizer que fico triste que tenhamos muitas
bandas de qualidade a tocar originais na área do metal e rock, e não só, e cada
vez hajam menos oportunidades para tocarem.
E acha que este é apenas um
ciclo que terá um fim à vista? As pessoas começar-se-ão a cansar e a voltar a
interessar-se pelos originais?
Acho que esta é uma fase... espero que sim, pelo menos. Desde 2010 tem
sido muito complicado tocar originais. Cheguei a tocar bastante com as minhas
bandas de originais, mas desde 2010 tem sido complicado. A ver vamos se dentro
de um ano ou dois as bandas de originais ganham novamente expressão. Outro dos
problemas é que as pessoas que normalmente organizavam eventos eram elementos
de bandas de originais e essas agora deixaram de ter possibilidades e apoios
para organizarem esses eventos. Se não houver apoios para as bandas de
originais, as pessoas que organizavam esses eventos ficam sem hipóteses.
Embora faça parte de várias
bandas e consiga ter alguma saída, as dificuldades que o mercado açoriano impõe
já o levou a pensar numa carreira fora dos Açores?
Sinceramente, é complicado. Se
fosse com uma das bandas de que faço parte ou possa vir a integrar, seria óptimo
irmos tocar fora dos Açores, etc. Mas gostaria de continuar a viver cá. É
complicado, porque tal obrigaria a viver noutro sítio. No meu caso, deixar a
família é complicado. Por outro lado, sei que nos Açores é difícil manter uma
carreira musical, por isso, às vezes, sinto-me num impasse.
As pessoas que normalmente organizavam eventos eram elementos de bandas de originais e essas agora deixaram de ter possibilidades e apoios para organizarem esses eventos.
Perante este quadro, embora tudo
pudesse mudar se lhe surgisse uma opção segura, sente-se realizado com o que a
música lhe oferece nos Açores?
Não é uma questão de surgir uma proposta segura e ir para fora. Para
mim, o ideal seria continuar a viver nos Açores mas fazer digressões e depois
voltar. Em relação à minha satisfação com o que atinjo na música nos Açores,
basicamente faz-se o que se pode. Vai-se tentando dar uns concertos e fazer uns
trocos. A base é procurar concertos. Para além disso, estou satisfeito com as
bandas em que toco e seus estilos.
Para todos os efeitos é
autodidacta, mas hoje em dia há as vantagens da internet. Como olha para a
grande quantidade de músicos que se instrui online?
Acha que continua a ser fundamental a formação académica?
A formação é sempre importante, mas também tudo depende do objectivo de
cada músico. Se um músico quer simplesmente criar uma banda, não vejo grande
necessidade de ter formação. No entanto, se um músico quer tocar numa orquestra,
aí penso que é fundamental. Não quer dizer que esse músico formado seja melhor,
é diferente. Depende dos objectivos. No meu caso, aprendi com o meu pai, depois
sozinho, a ver bandas ao vivo, mas a internet também me ajudou. Porém, nunca me
interessei muito em estudar música. É muito importante, mas atendendo aos meus
objectivos, creio que não há necessidade.
Talvez colmate essa
"lacuna" com o facto de ser reconhecidamente muito empenhado. Em
média, quantas horas pratica por semana?
Principalmente nos primeiros anos cheguei a praticar seis ou mais horas
por dia. Depois haviam os ensaios... Há dias em que não toco e há outros em que
passo a tarde inteira a tocar. A verdade é que não passo muito tempo sem tocar
guitarra. Tento sempre praticar exercícios, técnicas novas, o improviso...
Pergunta difícil... Talvez quando ganhei o prémio de melhor músico
no Concurso de Música Moderna da Ribeira Grande por dois anos consecutivos. Foi
excelente, fez-me logo lembrar do meu pai a ensinar-me a tocar guitarra e tudo
o que pratiquei para conseguir os meus objectivos. Foi uma grande satisfação. O
trabalho valeu a pena.
Resumidamente, como está a
agenda de trabalho com as suas bandas? Mais recentemente está envolvido também nos
FINDING SANITY...
Sim, fizemos umas gravações caseiras, temo-nos preparado para um
primeiro concerto (que pode surgir a qualquer momento)... Em relação às outras
bandas, já lancei álbuns com os SANCTUS
NOSFERATU, SPANK LORD e PASSOS PESADOS, entre outras colaborações com A DREAM OF POE.
Infelizmente, não temos tido concertos pelas razões que já falámos, mas
continuamos a compor e a preparar próximas gravações. Com os PASSOS PESADOS e os AMP é que
temos conseguido alguns concertos.