MUFASA: entrevista com Pedro Santos
Certamente
que a mítica personagem da Disney nunca imaginaria ter uma homenagem do género.
Não de forma tão travessa - definitivamente uma opção a acautelar aos
menores. Mas assim aconteceu, a partir dos Açores, em 2010, quando o punk/thrash voltou a ganhar nova expressão. Este jovem trio da ilha Terceira, que assina títulos
como «Somos uma Merda» ou «Tira o Pau do Cu», não se está pelos ajustes e é na
atitude, espontaneidade e no espírito retro que cimentam a sua música e mensagem.
Contra todos os preconceitos: a ideia é curtir!
Urge saber: quem é o Ti Alberto? Figura
metafórica ou real? Um chulo, tarado sexual?
O Ti
Alberto existe mesmo! Tenho um tio no Porto Judeu que tem mesmo a alcunha de
Castiço. Sempre foi uma personagem bem humorada e com aquele carisma
tradicional (física e psicologicamente). Um dia acordei a pensar que o nome Ti
Alberto ficaria fixe numa música e então cheguei à sala de ensaio e disse: "Bora
fazer uma música sobre o meu tio Alberto?". O riff foi tirado do "cu
com um pauzinho", naquele exacto momento, e a letra também foi toda
inventada na hora, de improviso... nem a escrevi! Foi um processo de cinco
minutos que se tornou na nossa música mais conhecida! Ah... e para os ouvidos
atentos, o meu tio faz uma participação no EP, mas é mais uma personagem
inspirada nele do que noutra coisa, porque várias partes da letra não traduzem
bem a vida real. Espero é que ele não a leia e pense que sim! [risos]
A boa disposição (sobretudo das vossas letras)
assume papel primordial no vosso trabalho ou a música também é uma grande
preocupação?
Há espaço para
tudo, seja para músicas apenas dedicadas à boa disposição e ao puro sing along do público como para outras
em que já tentamos fazer alguma coisa mais trabalhadinha. Há umas que demoram
dez minutos a fazer, outras que demoram semanas... As letras vão se apenas construindo
a partir do nosso à-vontade uns com os outros, pois somos todos amigos de
infância e família. A vontade de "enriçiá" [termo popular açoriano] já
é natural entre nós. Os dois tipos de composição acabam por dar uma dinâmica ao
vivo, por haver umas que puxam o mosh
fodido e outras que são para o pessoal rir um bocado, levantar a "fresca"
e cantar connosco!
Sendo a mensagem um ingrediente muito importante
na vossa banda, como é que perspectivam a vossa sonoridade no futuro? Pretendem
manter as raízes ou deixam as portas abertas a algum
"experimentalismo"?
Acho que a
música agressiva e rápida vai ser sempre a base do que fazemos. É o que
gostamos de ouvir e de tocar e as nossas influências acabam sempre por descair
para esse lado, especialmente o mais old
school do thrash, death metal, hardcore punk, crust, d-beat e mesmo o rock
n' roll puro... Nunca tocaremos algo só para provar que sabemos tocar. Damos
importância a ser fiéis à nossa maneira de ver a música e à nossa atitude
perante a composição.
Já fomos avisados antes de concertos para termos calma com os palavrões, mas chega à altura e apetece é dizer mais ainda!
Como decorreu a vossa primeira experiência de
estúdio?
Foi confusa!
[risos] Os três, inexperientes, inocentes, a metermo-nos pelo estúdio dentro...
pode-se dizer que o Tiaguinho [Tiago Alves, ANOMALLY, HUMAN HATE] dispensou
muito tempo da vida dele para nos ajudar! E ele sempre foi excelente connosco,
sabia perfeitamente que não somos os melhores músicos e tentou sempre dar a
volta a isso. E como a espontaneidade é uma das nossas características, claro
que houve riffs inventados na hora de gravar, no fim da «Somos uma Merda». O Tiago
gravou-nos todos a partirmo-nos a rir por causa de uma cena que faço com a língua
no final da música, e acabou por ficar no EP. Acabou por se desenrolar tudo num
ambiente amigável e descontraído. Não podíamos ter pedido melhor quanto a isso.
Talvez para a próxima teremos uma abordagem diferente, por termos mais a certeza
do que queremos ou não fazer.
Até ao momento estão satisfeitos com a recepção
ao vosso primeiro trabalho e aos concertos que têm realizado na Terceira?
Sim,
estamos bastante satisfeitos. Quem comprou o CD já sabia o que deveria esperar
de nós, por isso, acho que não houve grandes surpresas quanto ao conteúdo. Apenas
está bem gravadinho e mais bem tocado! [risos] Os concertos são algo que nunca
me deixam de surpreender, por numa ilha tão pequena haverem tantas pessoas a
divertirem-se, a fazer mosh, a
berrar... temos a sorte de ter uma base de pessoas que nos apoia, independentemente
de tudo, como a nossa família e amigos próximos. E se tudo o resto falhar...
eles fazem a festa connosco!
O que é que as pessoas mais comentam sobre o
vosso trabalho? Têm a noção de que algumas das vossas letras já se tornaram
muito populares?
Acho que o
que é mais comentado é a nossa atitude energética e espontânea perante tudo. Já
nos disseram várias vezes que não havia algo como nós na ilha já há uns anos...
deduzimos que seja algo de bom! [risos] Divertimo-nos bastante com o que
fazemos e acho que essa diversão acaba por ser transmitida às pessoas. Mesmo aquelas
pessoas mais "sérias" não conseguem ficar indiferentes ao que
fazemos. Acho que é isso, quer gostem, quer não, ninguém fica indiferente! [risos]
Também nos dizem para aprendermos a tocar e cantar, mas não vão ter sorte com
isso durante uns tempos! As letras são em português e são sempre descomprometidas.
Fazemos de maneira a que sejam fáceis de decorar, por isso, o pessoal apanha-as
rápido!
A espontaneidade é mesmo a palavra de ordem no
vosso universo. Não receiam qualquer tipo de "censura" por causa do
vosso vocabulário?
Nem
pensamos nisso. O vocabulário faz parte da cena e é algo que vem com a pica do
concerto. Não posso com cenas do tipo "Não digas palavrões para não
assustares o público" ou "Tenta mexer-te nesse concerto para o
pessoal gostar mais de nós"... somos assim e pronto. Se não passarmos na
televisão ou na rádio por causa disso... que se foda! Já fomos avisados
antes de concertos para termos calma com os palavrões, mas chega à altura e
apetece é dizer mais ainda! Por isso, acho que não há solução com a nossa
banda. Ah, uma vez uma música nossa passou na rádio enquanto fazíamos uma
entrevista e tínhamos que ir avisando à interlocutora quando devia baixar a
música, para que não estivesse nenhuma criança no carro dos pais a ouvir
"Bichas capadas, mamas arrancadas"! [risos]
«Somos uma Merda» será provavelmente a letra mais
auto-depreciativa da história da música! Porquê a necessidade de mostrar essa
falta de "auto-estima"? Ou será que devemos olhar para a sua mensagem
como algo sarcástico?
É só um reflexo
da nossa personalidade. Sempre tivemos um humor auto-depreciativo quanto à nossa
banda e habilidades musicais e esse tema deixa bem esclarecido que não nos
preocupamos em tocar as escalas todas e acertar em todas as notas. Queremos é
fazer a nossa cena e divertir-nos. Esse tema trata-se de um apelo a entrarem
nessa cena connosco! Fizemos a música para celebrar um ano desde o primeiro
concerto e foi mesmo para dizer "Depois de um ano, ainda não prestamos,
dizem que somos merda, e nós concordamos!". Assim ninguém o precisa dizer,
já dissemos antes de vocês, e abraçamos isso! [risos] Fala sobre a nossa
maneira de encarar o projecto, os concertos e sobre como não queremos saber de
merdas e queremos é curtir. [risos]
Quais poderão ser os próximos títulos dos Mufasa?
Já trabalham em novo material?
Há sempre títulos
a pairar e a serem sugeridos. Escrevi há pouco tempo uma letra chamada «Sangue,
Suor, Cerveja», inspirada num gig na
Casa do Sal que foi um rock n' roll teso. Há sempre ideias para títulos que
podem ou não eventualmente ser usados, desde «Putas do Alto das Covas» até
«Esperma no Sapato» e outras em que possamos criticar algo que nos chateia com
as nossas metáforas habituais, como «Tira o Pau do Cu»... coisas
assim poéticas! [risos] Fizemos recentemente uma cover dos Vai-te Foder e quando voltarmos a ensaiar vai ser para
fazer músicas novas. Descansem que não vão ser sobre amor!
Divertimo-nos bastante com o que fazemos e acho que essa diversão acaba por ser transmitida às pessoas. Mesmo aquelas mais "sérias" não conseguem ficar indiferentes ao que fazemos.
Apesar de muito novos e aparentemente
"amalucados", os Mufasa demonstram grande convicção no seu trabalho e
na gestão da sua carreira - apostaram em merchandise
e num artwork de qualidade. Até que
ponto levam a banda a sério e que trabalho vos tem dado serem os vossos
próprios managers?
Tivemos foi
muita sorte! O artwork foi feito pelo
tio do Flávio, Luís Belerique, e fez mesmo um grande trabalho, tanto para o desenho
da t-shirt como para a capa e
contra-capa do EP. Mandámos-lhe uns posters
de filmes de terror old school, como
o «Maniac», «Re-Animator» e «Video Dead», e ele conseguiu captar perfeitamente
o conceito que queríamos. Mas nada disso tinha sido possível sem o nosso grande
amigo Fábio Couto que lançou o EP pela sua distro
Anoise Recs. Ele fez o interior do trabalho, a edição, tratou das t-shirts e até fez patches. Aquele homem tem uma mente hiperactiva! Ele é quase o
quarto membro platónico da banda, por nos estar sempre a ajudar e a aconselhar.
Sim, acabamos por levar a banda minimamente a sério, pois é algo que gostamos
mesmo de fazer e é o nosso bebé que criámos de raiz. Acaba por ter um lugar
bastante especial entre nós.
Já existe algum plano mais sério para gravarem um
longa-duração ou mesmo tocarem fora da Terceira?
Um longa-duração
não sei se está para breve, mas mais um EP esperemos fazer brevemente, com
músicas novas como a «Tira o Pau do Cu», «Satanás é Rock n' Roll», «Peixe
Podre» e, quem sabe, outras até lá. Tocar fora da Terceira era algo que
obviamente adoraríamos, mas no espaço e na festa adequada. Gostávamos de tocar
nalgum festival punk no Continente ou mesmo saber o quanto nojo conseguíamos
meter aos micaelenses! [risos] Quando surgirem as oportunidades vamos tentar
agarrá-las, nem que nós mesmos as façamos.
Os Mufasa são um trio de jovens com os seus
gostos estranhamente muito ligados à origens do metal/rock/punk. Porque é que
isso se verifica? São revivalistas natos ou também ouvem material mais recente?
Eu sou o
mais entranhado nesse mundo underground, o mais geek, por assim dizer! [risos] É algo que me está no sangue, é o
que adoro e não consigo negar essas influências no que faço. Na minha opinião,
esse som é muito mais orgânico e pareciam humanos a tocar. Davam valor a fazer
uma música com atitude, tanto no death metal como no thrash, punk, crust,
d-beat, rock n' roll e mesmo esta vaga nova de metal/punk com bandas como
Children Of Technology, Inepsy, Toxic Holocaust, Midnight, a irem buscar o som
de quando o pessoal ouvia tanto Discharge quanto Exodus... o som e a produção
quase que se tornam instrumentos em si! Adoro a javardice de Venom, Hellhammer
e Motörhead, mas mal aguento com coisas tipo metalcores cheios de vocais limpos
e breakdowns "lame" pelo meio, som todo digital, triggers... soa-me tão... "manso" e produto de moda. Não
tem a atitude e o perigo que adoro neste estilo de música. Porém, nunca fico só
por aí. Ouço muita coisa, de muitos estilos, e estou sempre à procura de mais.
O ano passado tive dificuldade em fazer um Top 20 de álbuns de 2013 por querer
meter muitos outros. Estou sempre à procura de coisas novas. Bandas como Trap
Them, Kvelertak, All Pigs Must Die, Nails (tudo o que o Kurt Ballou produz,
basicamente), com a sua originalidade também me dizem muito, especialmente a
parte da mistura de influências. Basicamente, atmosfera, crueza e atitude é
algo que tenho que ter quase sempre no que ouço e cada vez mais bandas estão a
começar a perceber isso e a voltar ao som orgânico dos 80s e 70s.
Gosto sempre de ir aos concertos, apoiar e fazer a festa, que talvez seja outra coisa que falte a muito pessoal - a vontade de apoiar em vez de meter para baixo.
Na flor da vossa idade, como vêm o movimento
alternativo nos Açores? Não terão acompanhado de perto o movimento nos anos 90,
mas eventualmente estão a par e terão uma opinião formada sobre a qualidade que
havia e a que existe hoje ou mesmo aquilo que devia ser mudado para
melhorá-lo...
Acho que é
um movimento rico e está cada vez a ficar mais mexido e interessante. Impressiona-me
bastante como temos tantas bandas numa ilha tão pequena, e de tão boa qualidade
técnica. É verdade que é raro o projecto com que me identifique mesmo, por
achar que, no geral, há um bocado falta de atitude na música feita nos Açores e
gente a jogar muito pelo seguro. Falta mais putos novos, cheios de espinhas e
pica para rebentar isto tudo. Acho também que por serem meios pequenos, a
música acaba por perder-se no meio de conflitos estúpidos de ego. Vejo muito
disso no Angra Rock, onde acontecem as discussões mais desnecessárias de
sempre, só por terem vontade de discutir... tirem mas é o pau do cu e curtam a
vossa cena! No entanto, no geral, existe um núcleo de pessoas apaixonado e com
vontade de trabalhar. A minha banda açoriana favorita eram os Resposta Simples,
mas acabaram, com muita pena minha... Identifico-me
mais com os grandes Palha d'Aço e com os Art Capital, mas temos muitas e boas
no estilo que se inserem, comos os Anomally, Human Hate, Eyes For The Blind,
Beyond Confrontation... De São Miguel gosto bastante de Carnification e Sanctus
Nosferatu! Gosto sempre de ir aos concertos, apoiar e fazer a festa, que
talvez seja outra coisa que falte a muito pessoal - a vontade de apoiar em vez
de meter para baixo.
Nuno Costa
Descarregue «A Vingança do Ti Alberto» aqui.