CRÓNICA: Facebook: o promíscuo «ouro negro» das novas gerações
É perfeitamente assombroso o império criado por Zuckerberg.
Em termos financeiros o fenómeno não surpreende, simplesmente porque já temos
Bill Gates, Carlos Slim, Warren Buffett ou Amancio Ortega. Já em termos de
influência e domínio das mentalidades e hábitos, o caso daria (e já dá) para
muitas telas de cores ambíguas que tentamos pintar sobre o nosso futuro. Bill
Gates também mudou a nossa vida, mas sem o alcance de mudar tanto a forma como
os seres humanos definem as suas próprias sensações e olham os outros.
Sendo, provavelmente, um dos temas mais mastigados e
debatidos dos tempos correntes, não nos cabe julgar o uso pessoal desta
ferramenta e já todos terão tirado as suas próprias conclusões. Transpondo o efeito
deste fenómeno para a indústria musical... bom, também já muitos terão tirado
as suas ilações - o Facebook é uma autêntica moeda transacionável em forma de
"Likes" ou outra coisa que Zuckerberg terá imaginado numa qualquer noite de sono muito fértil.
Tenho muitos "Likes", sou aceite; não os tenho e
sou quase "marginal". Vamos à forma como os media
norteiam a sua linha editorial - quem não sabe, fica a saber, que o Facebook é
cada vez mais o principal barómetro para que uma banda tenha ou não airplay numa das maiores rádios,
revistas ou sites de música do mundo. O mesmo acontecerá com a maioria dos
outros ramos de negócio - é o poder do marketing
e da publicidade (nada de novo). Se não tiver no mínimo 1.000 "Likes"
poderei perfeitamente ser ignorado por um grande meio de comunicação.
O que acaba por ser verdadeiramente assustador é a forma
obsessiva como se coloca este indicador à frente de qualquer pressuposto de
qualidade. Já não existem regras. Qualquer banda pode colocar-se na "boca do povo" se tiver uma quantidade gorda de "Likes" e para isso não é necessário
apenas um grupo de amigos que devota muito tempo em volta de um
computador. Pode pagar-se por isso, também se sabe.
Perante este cenário, urge recordar às pessoas, sobretudo aos
músicos, que tudo isto degenera num grande embuste se percebermos que em termos
práticos o mercado não se movimenta ou fortalece por via dessa tal moeda ou
pela abundância da mesma. Por mais hipócrita que soe o argumento (até porque
todos temos os nossos perfis e fan pages), a
verdade é que (e atentemos ao mercado nacional) não há qualquer melhoria de
vida para as bandas ou meios de comunicação por via do tal exponencial número
de "Likes". Continuamos a actuar para quantidades diminutas de
público e a venda de discos... bom, nem é preciso dissertar mais.
Continue-se, sim, a primar pela qualidade dos projectos e
pela qualidade do público - e já agora também dos meios de comunicação. Meter
"Like" numa página é hoje um autêntico impulso espástico. Não tem
necessariamente nada de fundamentado. Num mundo de concorrência selvática é preciso
adaptarmo-nos, sem dúvida, e o Facebook nunca será um inimigo; será sim quem o
tiver como bengala para a sua própria afirmação. Não temos 5.000, 10.000 ou
20.000 pessoas a assistirem aos nossos concertos, a comprarem os nossos discos,
a lerem os nossos artigos. Pelo menos é assim em Portugal. O Facebook é um
fenómeno global e as bandas podem e devem utilizá-lo para aspirar a outras fronteiras, mas a
ilusão de que se é popular é muito diferente da certeza de que se é competente.
Nuno Costa