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MACHINERGY: entrevista exclusiva com Rui Vieira

EXPLOSÃO DE ENERGIA


A ascensão dos MACHINERGY tem sido fulgurante mas criada a pulso. «Sounds Evolution», o novo álbum, assinala um importante virar de página na progressão e exposição do grupo, cujo nome se afigura hoje incontornável no underground nacional. Debitando um thrash poderoso com feeling old school mas simultaneamente moderno, o trio encontra-se em plena fase promocional do novo registo. Foi nesse âmbito que mantivemos um interessante diálogo com o vocalista/guitarrista Rui Vieira, no qual se falou do novo álbum, dos documentários «Uivo» e «Rhythm Between Sounds» e até de política.

Em geral, o álbum tem obtido boas reacções, nomeadamente em órgãos de comunicação social estrangeiros. Que balanço faz desse feedback?
O feedback tem sido, na generalidade, positivo. Investimos muitas horas a enviar o álbum digitalmente para todo o mundo, mas as reviews daí resultantes foram poucas, até porque o enviámos como lançamento de autor. Como se sabe, os álbuns auto-editados são sempre relegados para segundo plano, em detrimento dos títulos das editoras. É a publicidade que os selos discográficos pagam aos órgãos de comunicação social que assegura a sobrevivência de muitas publicações, portanto é normal que façam opções. No entanto, pouco a pouco as críticas vão sendo publicadas. Já tivemos reacções do Canadá, Reino Unido (várias), Chile, Costa Rica, França, Bélgica, E.U.A., México, etc. É curioso verificar que, por vezes, as opiniões acerca do álbum vão de um extremo ao outro. Há quem o adore e quem o ache mau, básico, mediano. Pessoalmente, aceito o que dizem e, inclusive, gosto de reflectir sobre essas opiniões… quando fundamentadas, obviamente. No futuro, durante a fase de composição, terei em conta algumas delas. Vejo sempre as reviews numa perspectiva educativa, de me tornar melhor músico e compositor. Além das críticas, temos passado em muitas rádios um pouco por todo o mundo e isso é excelente. Queremos levar os MACHINERGY a todos!  

Embora mantendo inalterada a sonoridade característica dos MACHINERGY, neste álbum a evolução é notória, quer em termos de composição quer de execução. Como analisa o progresso do grupo, bem patente em «Sounds Evolution»?
Ao longo do tempo adquirimos algum sentido prático, que nos permite eliminar aquilo que não interessa, ou seja, a "gordura musical". Após anos e anos de composição concluí que, por mais voltas que demos, a música tem de soar agradável ao ouvido. Deve ser fluída, simples. Temos de sentir a música como um todo. Por isso, em «Sounds Evolution» há mais objectividade, mais ligação entre versos, pontes e coros. Os refrões estão mais vincados e sentimos o álbum como um todo. Há uma unidade.

Este é um álbum mais directo, in your face. Mais raivoso, diria. Ao que se deve este expurgar de emoções?
Há muita coisa que nos revolta, mas não podemos sair por aí aos tiros… Felizmente, a música (e respectivas letras) é uma forma possível de "vomitar" as frustrações que vamos acumulando no dia-a-dia, assumam elas a forma das injustiças que vemos ao nosso lado ou o "bombardeamento" de más notícias a que não conseguimos fugir. Vejo a música como uma forma de acção directa, não para cantar sobre amor e jardins floridos. O livre pensamento e a livre expressão ainda nos assistem, pelo que temos de aproveitá-los bem.

Apesar de todos os sentimentos negativos expressos no álbum, o comunicado de imprensa deixa aberta a possibilidade de existir esperança. Dado o complicadíssimo contexto actual da economia e política mundiais, a progressiva desagregação europeia e a gravíssima situação socioeconómica em que Portugal se encontra não é fácil ter esperança no futuro. Esse é, hoje, o nosso principal desafio. Como levá-lo a bom termo? 
Não acredito muito no futuro "risonho", mas ele vai acontecer. São ciclos, dizem. Tem sido assim ao longo da história da Humanidade e assim continuará. Haverá sempre guerras, desigualdades, corrupção e mentira, mas o lado bom, a justiça, também existe e vai triunfando, caso contrário, já não existiríamos enquanto espécie. Tomemo-nos a nós, portugueses, como exemplo. Já vivemos em ditadura e Portugal não desapareceu (embora muitos hajam dado a vida); já participámos em guerras e ainda aqui estamos. Faço minha a mítica frase de John Fitzgerald Kennedy "não perguntes o que a tua pátria pode fazer por ti, mas antes o que podes fazer pela tua pátria". Poderíamos expandir esta máxima para "o que podes fazer pelo mundo". Esperamos sempre que alguém faça algo por nós, mas, quando damos por isso, ninguém fez nada, porque todos pensaram de igual forma. Para ser sincero, não vejo grande futuro nas novas gerações. São demasiado individualistas e imediatistas. As suas preocupações resumem-se basicamente ao nível material, querem tudo e naquele preciso momento. As pessoas estão demasiado formatadas, os valores morais encontram-se relegados para segundo plano. Com o passar dos anos tornei-me um bocado niilista, deixei de acreditar em muita coisa. Mas o mundo não vai acabar, isso é certo.

Houve algumas desavenças na busca pelo som final. Obviamente que a banda, enquanto unidade, esteve acima de tudo, mas, por vezes, as coisas aqueceram perigosamente. 

Naturalmente, para gravar e produzir o álbum recorreram uma vez mais aos vossos próprios estúdios, os 15 Steps Up. No entanto, ao contrário do que se verificou no registo de estreia, em que gozaram dos préstimos do Daniel Cardoso na mistura e masterização, desta vez assumiram a responsabilidade de todo o processo. O que vos motivou a tomar essa arrojada decisão?
A decisão de gravarmos tudo foi, possivelmente, por não termos ficado muito satisfeitos com o resultado do primeiro álbum quanto ao som final. A experiência com o EP «Rhythm Between Sounds» foi positiva, pelo que decidimos dar continuidade a esse trabalho. Mas lembre-se que o álbum tem dez músicas distribuídas ao longo de 38 minutos, e isso tem um preço chamado exaustão. Inclusive, houve algumas desavenças na busca pelo som final. Obviamente que a banda, enquanto unidade, esteve acima de tudo, mas, por vezes, as coisas aqueceram perigosamente. Estamos satisfeitos com o resultado final. Fizemos o que queríamos e misturámos as pistas ao nosso gosto, mas todo o processo exigiu muito de nós. Temos feito tudo ininterruptamente de há oito anos para cá. Isso tem um lado bom, mas um lado pesado, também. Já decidimos que, para um terceiro álbum, as coisas terão de ser diferentes. O nosso esforço será investido somente na música e nas letras, sendo o restante processo realizado por uma terceira parte, sob a nossa supervisão, é claro. Temos de mudar a forma de trabalhar, para bem dos MACHINERGY.

Desta vez são quatro os temas cantados em português. Foi uma coincidência ou esta realidade poderá indiciar uma mudança progressiva para a banda assumir, no futuro, a nossa língua como principal forma de expressão?
Não é coincidência, é algo que faz parte do colectivo e que desejamos manter. É curioso que, muito recentemente, em conversa com o Hélder [Rodrigues, baterista], coloquei em cima da mesa a possibilidade de cantar um próximo álbum totalmente em português. Nada ficou decidido, mas nunca se sabe… O Hélder gosta muito da junção do inglês com o português e eu também. De certa forma, essa é uma imagem de marca da banda.

O Nuno Mariano [baixista] já está com os MACHINERGY há quase dois anos. Sentem que foi um regresso a casa, visto que os três já haviam tocado juntos durante os anos 90 nos MORTALHA e nos IMUNITY?
Sim. Nós os três somos o core da cena metálica em Arruda dos Vinhos. Aqui não há mais ninguém, excepto alguns miúdos novos. Começámos por tocar no quarto do Hélder no final dos anos 80, início da década de 90. Por aqui, já se percebe o cordão umbilical que nos une. Os MORTALHA foram a primeiríssima aventura de três jovens inexperientes mas com verdadeiro amor à causa metálica. Lamento não termos conseguido manter-nos unidos num mesmo projecto (neste caso, os MORTALHA) até hoje. Também os MOONSPELL e os R.A.M.P. se formaram nessa época, mas fizeram carreira. Nós também poderíamos ter feito, mas nunca é tarde. Os MACHINERGY são os MORTALHA reencarnados, os três magníficos de Arruda!

O Rui e o Hélder são o núcleo da banda. Nesse sentido, encarregaram-se em exclusivo do processo de composição ou, dada a vossa antiga relação musical com o Nuno, deram-lhe a possibilidade de contribuir?
O Nuno não gosta muito de compor, ele é o primeiro a afirmar isso. É óbvio que colabora e faz as suas observações mas, neste caso - e até porque entrou na banda em plena fase de gravação -, o seu contributo limitou-se ao registo do baixo. A contribuição futura a ele caberá, desde que se insira nos moldes dos MACHINERGY.

 Os MACHINERGY são os MORTALHA reencarnados, os três magníficos de Arruda!

Como funciona o vosso processo de composição?
Normalmente, inicia-se com um par de riffs que levo de casa ou a partir de uma ideia concreta para um tema. Também podem surgir ideias nas jams que fazemos no estúdio, quando tocamos ao acaso, na fase de aquecimento. Gravamos as passagens e depois trabalhamos com base nas melhores partes. Mas talvez a fórmula que mais uso (e isto pode soar estranho) seja a composição mental. Crio regularmente inúmeros esquiços mentais de como poderá ficar determinada música. Imagino que aspectos gostaria de considerar naquele tema em particular – vai ser rápido? Terá uma middle section arrastada? Que linha melódica melhor se lhe adequa? Por vezes, bastam cinco minutos para completar um tema. A «Trapollution» foi composta assim.

Este álbum foi editado pela nacional Metal Soldiers Records e pela grega Secret Port Records. De que forma surgiu esta parceria?
Tudo se deve ao Fernando Roberto da Metal Soldiers. Conhecemo-lo aquando da mini tour de três datas que os brasileiros UGANGA fizeram por cá em 2011. Abrimos essas datas a convite dele. Desde então, a nossa cumplicidade tem vindo a aumentar. O Fernando é um daqueles die hard old school fans, profundo conhecedor do meio e que resiste estoicamente às adversidades do mercado, às grandes editoras e superfícies que tudo varrem. Ele fundou a fanzine Hallucination nos idos de 90 e sempre se manteve fiel às suas raízes. A Secret Port Records surgiu por intermédio dele, pelo que o Fernando Roberto e a Metal Soldiers Records já são parte indelével da história dos MACHINERGY.

Que planos são os vossos em termos promocionais a curto e a médio prazo, nomeadamente no que diz respeito a eventuais licenciamentos e concertos no estrangeiro?
Neste momento, temos as baterias apontadas para a divulgação do «Sounds Evolution» em todo o mundo, seja através de reviews, divulgação nas rádios ou entrevistas e artigos. Temos o auxílio da Metal Soldiers e da Secret Port, o que, para nós, constitui um grande trunfo. É fantástico verificar que o álbum se encontra à venda no Japão, Alemanha ou Brasil. Quanto a espectáculos no estrangeiro, é complicado. Tal objectivo requer um importante esforço financeiro, bem como a disponibilidade de todos os elementos. Todos temos os nossos empregos, o que não simplifica as coisas. Para embarcar numa tal aventura é necessário ter já um certo nome ou um bom apoio de rectaguarda, uma tour como suporte a algumas bandas estabelecidas. Não vale a pena fazer milhares de quilómetros para tocar no chão de um bar para sete pessoas. Isto é ser consciente da realidade, não me venham dizer que "as coisas são mesmo assim". Até podem ser, mas eu dispenso isso.

Entretanto, a 1 de Novembro estreia o documentário «Uivo», que retrata a vida do inigualável António Sérgio, e no qual os MACHINERGY participam com o tema «1988», que já havia integrado o EP «Rhythm Between Sounds». Compuseram a música já tendo em vista a participação no documentário ou a oportunidade surgiu posteriormente?
O tema «1988», de 2012, é a nossa homenagem ao António Sérgio, ao Luís Filipe Barros e à década de 80 em geral. Os anos 80 foram extremamente marcantes no que ao som pesado diz respeito. Lançaram-se álbuns míticos, verificaram-se fenómenos importantíssimos como o tape trading e instituíram-se programas radiofónicos determinantes para a divulgação metálica como o «Lança-chamas» e o «Rock em Stock». O tema faz igualmente parte do nosso documentário, que tem o nome do EP. Não imaginávamos que o «Uivo», do Eduardo Morais, viesse a ser feito, mas ainda bem que há pessoas como ele, que não têm memória curta e prestam este género de tributo. Assim que soube do documentário, informei o Eduardo do nosso trabalho e colocámo-nos à disposição para o ajudar naquilo que precisasse. Passado algum tempo, informou-nos que pensava usar a «1988» para algumas passagens do filme. Demos-lhe logo autorização, obviamente.

O que significa para os MACHINERGY esta participação, dada a imensa influência do Sérgio nos elementos da banda e na comunidade metálica em geral através do mítico «Lança-chamas»?
É uma honra fazer parte deste documento histórico. Sabe tão bem quanto nós a enorme influência que o António Sérgio exerceu na vida do pessoal da "velha-guarda", isto numa altura em que o acesso à música e à informação relacionada era escasso. A Internet era ainda uma miragem. O António Sérgio foi uma espécie de Messias na divulgação do metal por terras lusas, alguém informado e com um vasto acesso às obras. Paz à sua alma e obrigado por tudo, Professor.

Em Agosto passado o documentário «Rhythm Between Sounds», que fez parte do EP com o mesmo nome, arrecadou o prémio de Melhor Curta-metragem Arrudense no âmbito da 1ª Edição do Curt'Arruda - Festival de Cinema de Arruda dos Vinhos. Além de aumentar a exposição da banda, o que é que este prémio significa para vocês?
É um justo reconhecimento do nosso trabalho e, mais concretamente, do documentário, da forma como contamos a nossa história. Digamos que não havia muitas curtas Arrudenses em competição, mas ainda assim foi muito importante. Não pensávamos ganhar nada, queríamos apenas expor este trabalho na nossa terra, mas acabámos por ser abençoados com este prémio simbólico, pelo qual estamos eternamente agradecidos.

[Políticos] Não se esqueçam que também vão morrer.

Este projecto mostrou que você e o Hélder possuem o know-how e os meios necessários à concretização de um documento vídeo com qualidade. Contudo, já pensam no passo seguinte, que poderá ser a gravação de um DVD ao vivo. Já existem planos concretos nesse sentido?
O DVD ao vivo é uma hipótese lógica que acabámos de colocar em cima da mesa e enquadra-se nos nossos planos enquanto não chega um novo disco. Como afirmou, possuímos conhecimento na área e acesso ao material necessário, pelo que a ideia do DVD surgiu naturalmente. Quanto ao local e data, logo veremos. O objectivo é fazer algo quentinho e underground mas com qualidade.

Como contextualiza o actual cenário underground português com a crise em que o país se encontra mergulhado?
Há sempre uma relação, é inevitável. Quanto mais não seja no que diz respeito ao desânimo que se faz sentir na sociedade. Mas não vejo uma ligação directa, sinceramente. Costuma-se dizer que as grandes obras nascem em situações de crise, de momentos conturbados. Portanto, para mim, o underground ou outra coisa qualquer resume-se ao simples facto de ter vontade e dedicação ou de não ter. E, muito importante: respeitar o próximo.

Se lhe dessemos a oportunidade de enviar uma mensagem aos políticos nacionais - tanto do Governo como da Oposição - o que lhes diria?  
Não se esqueçam que também vão morrer.

Dico




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