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PROCESS OF GUILT: entrevista exclusiva com Hugo Santos

CENTRO DE BAIXAS PRESSÕES


O tempo tornou-os numa máquina desgovernada de peso esmagador e atmosfera sufocante. Do doom metal da estreia «Renounce» passaram a algo muito mais sinistro, denso e imprevisível em «FAEMIN», num processo profundo de caracterização de uma identidade cada vez mais autónoma. Dois anos depois, o colectivo de Évora aproveita o balanço do seu mais recente álbum e cospe três malhas inéditas num split com os suíços RORCAL, mantendo a mesma linha de negrume mas injectando-lhe novas dosagens de noise e drone. É assim, sem regras, mas com uma personalidade muita própria, que o vocalista Hugo Santos olha para os três "movimentos" que compõem este registo.

Pelo aspecto deste novo registo, a pergunta impõe-se: o que vos faz destilar cada vez mais peso, distorção e caos? Será resultado de ímpetos recalcados por dois anos sem lançamentos com a pacatez de Évora a contribuir também para esta descarga intensa de emoções?
A música que criamos acaba sempre por reflectir um pouco daquilo que somos, embora, neste caso, assuma uma finalidade muito própria, que é a de PROCESS OF GUILT. No entanto, apesar de ser inegável que, para nós, a mesma funciona quase como catarse, a influência geográfica acaba por se diluir no nosso quotidiano, até porque há já uns tempos que três quartos da banda vivem na área metropolitana de Lisboa. Os dois anos que decorreram desde o lançamento do «FAEMIN», apesar de ser um lugar comum, quase que passaram sem darmos por eles. Entre tours, concertos e a composição dos temas do split, que já datam do início deste ano, estivemos sempre com algo entre mãos que não nos deu tempo para recalcamentos de nenhuma ordem. Preferimos pensar que PROCESS OF GUILT é um veículo para expormos a nossa ideia de música que, longe de ser imutável, encontra-se em constante evolução, ainda que, por vezes, a tendência  vigente seja a da procura de uma maior crueza e profundidade de intenções.

Três temas como estes levam muito tempo a compor? O factor tempo justifica, neste momento, o lançamento de um split em vez de um longa-duração?
O conceito deste lançamento já surgiu há algum tempo, desde a primeira vez em que tocámos com os RORCAL na Suíça, em 2012, onde rapidamente concordámos que o split seria concretizado algures num futuro próximo. No entanto, apenas no final de 2013 conseguimos terminar o esboço do tema e iniciar a sua gravação. O nosso processo de composição não é uniforme e, desta vez, demorámos alguns ensaios a atingir um primeiro esboço. Tínhamos um conceito relativo ao tipo de ambiente que ambicionávamos para este trabalho e apenas quando considerámos que todas as partes funcionavam, efectivamente, como um todo é que decidimos que iríamos iniciar a gravação em estúdio.

Qual foi o grande objectivo musical com estas composições? De alguma forma, elas partem de onde «Faemin» terminou, mas injectam-lhe mais desordem e dissonância.
O objectivo foi o de concretizar, apenas num lado de um 12'', um registo que funcionasse de forma individual e cuja identidade fosse distinta o suficiente para se lhe reconhecer uma ambiência própria, ao invés de apenas um conjunto de canções soltas e sem conexão entre si. Partimos, claramente, da base que criámos com o «FAEMIN», mas, simultaneamente, explorámos dinâmicas diferentes que, por enquanto, ainda se compatibilizam bastante com o explorado nesse disco.
Preferimos pensar que PROCESS OF GUILT é um veículo para expormos a nossa ideia de música que, longe de ser imutável, encontra-se em constante evolução.
Apesar da proximidade afectiva com os RORCAL (que até incluem elementos luso-descendentes), será que se pode considerar algum sentido estratégico com este registo na perspectiva de alcançarem públicos distintos? A questão financeira será que também se colocou, uma vez que um lançamento destes é, supostamente, financiado em conjunto?
A ideia surgiu de forma tão espontânea que, de facto, até poderá parecer óbvia demais. O principal foco de atracção para nós foi a hipótese de colaborarmos com um grupo cuja sonoridade, apesar de bem distinta da nossa, muito admiramos e com o qual desenvolvemos uma boa relação. Confesso que quando falámos da questão do split, não pensámos em mais nada - apenas concordámos e acertámos prazos, sem sequer considerar outros objectivos. Penso que, de certa forma, nos identificamos com a filosofia DIY dos RORCAL e a questão da "portugalidade", apesar de reconhecida, nem sequer acaba por ser a mais importante. Em todos os lançamentos há sempre que equacionar a questão financeira, mas, especificamente, no que se refere à edição do vinil, atendendo às editoras que participam nesta co-edição, acabou por ser relegada para segundo plano.

Que movimentos são esses de que falam os títulos deste trabalho?
Os movimentos são os que reconhecemos ao próprio tema após a sua gravação, dado que a diferença de dinâmicas entre os três andamentos permitiram a sua individualização, não apenas enquanto músicas mas também no que se refere à exploração do conteúdo da letra.

A segunda metade deste mês antevê-se intensa para a banda. O que podemos esperar das sete datas agendadas até ao momento? Já estavam com saudades do palco?
As saudades acabaram por ser quebradas do melhor modo no último Reverence Fest [realizado em Setembro no Cartaxo] onde conseguimos "quebrar o gelo" interior após quase um ano sem tocar ao vivo. A partir do dia 15 de Outubro iremos promover o split, juntamente com os RORCAL, ao longo de uma tour ibérica que será complementada com algumas datas em nome individual.

Depois disso, é mesmo altura de se concentrarem num novo longa-duração ou estes temas têm condições para subsistirem mais algum tempo?
Uma vez que estes temas já datam do início de 2014, já começamos a ter uma ideia bem concretizada do que será o sucessor do «FAEMIN», uma vez que ao longo deste ano temos experimentado bastante com novos riffs e diferentes dinâmicas. Apesar de estarmos em pleno processo de composição, faremos, naturalmente, a promoção ao split que se inicia com a tour que já referi e que, muito provavelmente, terá outras datas até ao final do ano.

Técnica ou interpretativamente sentem que deram um passo em frente com este registo?
Nunca terminámos um registo em estúdio sem sentirmos que , de um modo ou de outro, tínhamos conseguido levar a nossa expressão um pouco mais à frente. De outro modo não faria sentido para nós.

Tem sido fácil criar um ambiente tão turvo com apenas quatro instrumentos?
Tentamos sempre explorar uma certa crueza de riffs e ritmos que nos deixem satisfeitos dentro do ambiente particular que ambicionamos. No entanto, desta vez fizemos "batota", dado que o JP [KERNAL, RORCAL] nos deu um precioso contributo ao complementar a nossa música com uma atmosfera ainda mais crua e estranha.
Nunca terminámos um registo em estúdio sem sentirmos que , de um modo ou de outro, tínhamos conseguido levar a nossa expressão um pouco mais à frente.
Se pudessem identificar o caminho artístico em que se dirigem, qual seria? Por exemplo, que bandas vos arrebatam hoje em dia que quando «Renounce» [2006] foi lançado vos passava completamente ao lado?
Sinceramente, não saberia dizer. Apenas temos uma ideia do tipo de ambientes e ritmos que queremos explorar a cada novo registo. Nunca houve uma ideia pré-definida para a música que exploramos e muito menos a tínhamos quando gravámos o «Renounce». Apesar de sermos influenciados por muitas bandas que, obviamente vão mudando ao longo dos tempos, a maior parte acaba por ter pouco a ver com o que fazemos. O que fazemos continua a ter por base uma procura que assumimos como própria mas que não se encontra hermeticamente fechada.

Dos vossos doze anos de carreira o que acham que mudou significativamente no espectro da música pesada? Muitos reclamam que o underground está morto...
Damos mais pela passagem do tempo no nosso quotidiano do que no underground e esse acaba sempre por ser um reflexo do contexto social e económico em que se insere. Em alturas de maior austeridade haverá sempre uma menor disponibilidade para algo que à partida foge à mira do mainstream e que não tem a "rede" de suporte que um meio bem instituído tem. Se a este contexto adicionarmos alguma inércia proporcionada pela facilidade do clique no PC temos as condições perfeitas para uma decadência do underground. No entanto, por antagónico que pareça, continuam a aparecer novas bandas, novos promotores e nova gente com vontade de fazer mais e, muito raramente, algo diferente da norma. Como em tudo, há sempre duas formas de ver o copo e, pelo menos, no que se refere ao underground, continuo a preferir vê-lo meio cheio.



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