BLEEDING DISPLAY: entrevista exclusiva com Sérgio Afonso
A MORTE FICA-VOS TÃO BEM
O tempo pode ser um bom
conselheiro, mas não foi este o principal propósito que afastou estes lisboetas
das edições nos últimos oito anos. Mudanças de formação e compromissos musicais
diversos deixaram esta "besta" sociopata num estado modorrento, do
qual vieram a acordar já em Novembro com o segundo álbum «Deviance». Inspirados em
serial killers e na psique congenitamente
desequilibrada do ser humano, escrevem uma banda sonora bárbara e cataclísmica onde
os pergaminhos do death metal de inspiração norte-americana são decorosamente homenageados.
Uma espera que valeu a pena e que mostra uma banda mais madura, como garante o
vocalista Sérgio Afonso.
O vosso primeiro disco saiu há
oito anos. Muita coisa se passou entretanto, certamente... Como viveram esse período?
Esse período foi vivido mantendo a actividade normal com concertos,
ensaios e algumas mudanças de formação que, de facto, tiveram alguma influência.
No entanto, não foi uma influência muito relevante, dado que alguns de nós
temos outros projectos que, de certa forma, acabaram por contribuir para estes
oito anos entre gravações.
Naquela que é a sonoridade
típica dos BLEEDING DISPLAY, que pontos focaram para tentar dar um passo em
frente em termos criativos?
Temos como principal referência aquilo que fizemos anteriormente com a
banda e focámos a inovação dentro das nossas capacidades técnicas. Não caindo
na tentação de fazer algo descabido ou que não seja adequado para as nossas
capacidades técnicas, tanto de composição como de actuação ao vivo, e
principalmente não tendo como obsessão sermos os mais rápidos ou mais técnicos.
Esse não é o caminho que pretendemos, mas sim algo que se identifique com
aquilo que gostamos e nos sentimos bem a tocar, sempre mantendo a sonoridade death
metal - que nos caracteriza - bem presente e vincada. Se possível trazer também
algo novo mas dentro dos parâmetros anteriormente mencionados, claro.
Qual a influência do Diogo Silva
[baixo] e do Mário Figueira [guitarra] na composição?
Poder-se-á dizer que o Mário veio trazer mais versatilidade em termos
de composição de novos temas. Passámos a ter solos, coisa que não tínhamos até
então, pois tivemos durante alguns anos apenas uma guitarra. E com o acréscimo
de outra guitarra a banda ganhou mais com isso, tanto ao vivo como na
composição de novos temas. Actualmente, o Mário - e após seis anos connosco - já
não faz parte da formação, tendo sido substituído pelo Samuel Trindade que
esperamos dar continuidade - e com o seu cunho pessoal - ao trabalho
anteriormente iniciado pelo Mário. Em relação ao Diogo, e apesar de ter entrado
apenas há dois anos, ganhámos mais coesão e julgamos ser a pessoa certa para o
lugar certo.
Não me parece que alguma vez possamos atingir o "ponto de rebuçado", até porque temos muito que evoluir e explorar e estamos bem conscientes das nossas limitações.
Sentiram uma clara desenvoltura,
chamemos-lhe assim, em termos de composição e técnica para este disco,
comparativamente a «Ways To End» ou mesmo à longínqua demo de estreia, de 2000?
Claro que sim! Apesar de estarmos separados por muito tempo, temos
orgulho nos registos anteriores, até porque fizemos o melhor que sabíamos e
podíamos na altura de cada gravação. Agora, e até porque evoluímos como
executantes e na forma como interpretamos a música, queremos, como todos os
músicos, fazer algo melhor do que aquilo que já fizemos, para além de querermos
pôr em prática a evolução, tanto técnica como criativa, nas nossas músicas.
O que faz uma banda de
death/grind sentir que está no "ponto de rebuçado"? Hoje em dia
estarão num patamar técnico que vos permite "abrutalhar"
completamente no vosso som, mas em termos de composição quais os principais
desafios que se vos colocam?
Não me parece que alguma vez possamos atingir o "ponto de
rebuçado", até porque temos muito que evoluir e explorar e estamos bem
conscientes das nossas limitações. Daí a preocupação de nunca dar um "salto
maior do que a perna" e ser bem realista e honesto em relação àquilo que
fazemos. Também não me parece que alguma vez alteraríamos a nossa sonoridade,
pelo menos de uma forma que pudéssemos perder a identidade que tanto nos custou
a adquirir. Em termos de composição, julgo que os principais desafios que se
colocam à nossa composição é, de facto, mantermos a nossa identidade e trazermos
algo de novo que as pessoas gostem de ouvir. Queremos estar todos em sintonia
com o que fazemos, pois temos os nossos gostos pessoais. No entanto, o produto
final é sempre resultado de uma colaboração e aval de todos os membros.
Neste disco estreiam também uma
nova equipa em estúdio, certo? Como foi trabalhar com o André Tavares?
Certo. Diria que trabalhar com o André é como trabalhar com mais um
membro da banda, pois para além da relação de amizade que temos, o André é um
bom profissional e compreendeu exactamente aquilo que pretendíamos para cada tema,
nomeadamente os ambientes mais sinistros - algo que quisemos acrescentar à
nossa sonoridade. Para além disso, tivemos nesta gravação algo que não tivemos
em gravações anteriores, tais como tempo e ponderação para irmos vendo e
analisando em que ponto estávamos de resultados. Isso, claro, proporcionado
pelo próprio André.
De que forma a evolução
tecnológica tem também contribuído para o aspecto da vossa sonoridade em disco?
Fazem alguma diligência para manter o vosso som orgânico ou fiel ao que
apresentam em palco?
Sim, é claro que as novas tecnologias permitem ter um som mais parecido
com o que pretendemos, tanto a nível de qualidade sonora como de resultado
final - nomeadamente em termos da mistura, captação de instrumentos e som
escolhido. Em relação ao resultado final, tentámos ser o mais fieis possível àquilo
que fazemos ao vivo. Tudo o que temos gravado é executado por nós!
Julgo que os downloads acabam por ser impossíveis de evitar, mas penso que quem compra o disco continuará a comprar e não vejo o download como um inimigo.
Em quase quinze anos de carreira
já assistiram a muitas mudanças no mundo da música e ao surgimento e
definhamento de muitas bandas. Sobretudo em Portugal, como analisam o estado da
música extrema?
Lamentavelmente já assistimos a bandas com muito potencial a acabarem
de uma forma que me deixa bastante desiludido ou projectos que muito prometiam
e nunca saíram da sala de ensaios. Várias modas e tendências mais ou menos
acentuadas... Mas, por outro lado, temos ainda algumas bandas activas, tais
como GROG, HOLOCAUSTO CANIBAL, CORPUS CHRISTII, SWITCHTENSE, RAW DECIMATING BRUTALITY, CONCEALMENT, W.A.K.O. ou NEOPLASMAH,
tendo estes últimos partilhado recentemente o palco connosco no lançamento do
«Deviance». Isto apenas para mencionar alguns nomes. Por outro lado, temos uma
nova vaga de bandas com muita qualidade e potencial. Por exemplo, os ANALEPSY, TREPID ELUCIDATION, DESTROYERS OF ALL, PRIMAL ATTACK, BURN DAMAGE, REVOLUTION WITHIN ou DIABOLICAL MENTAL STATE. Cada um dentro do seu
género - e apenas para mencionar alguns nomes - levam-me a pensar que, sem dúvida,
temos garantida a continuidade com qualidade do metal em Portugal.
Os BLEEDING DISPLAY preenchem
muito tempo das vossas vidas? Será impossível levar uma carreira mais a sério
neste campo musical, sobretudo em Portugal? Até porque acabaram por não ter
muitas oportunidades de ir ao estrangeiro, certo? Alguma mudança prevista nesse
plano?
Relativamente aos dias de hoje, com as nossas novas realidades, tanto a
nível laboral como familiar, não nos é possível dedicar mais tempo à banda do
que o que já dedicamos. Até porque ainda hoje o fazemos numa base semanal, e
mesmo após quinze anos continuamos a fazê-lo de uma forma natural, sem
obrigações e com todo o gosto e vontade semelhantes ao que tínhamos quando
começámos. Relativamente ao estrangeiro, muito sinceramente nunca foi uma
obsessão para nenhum de nós, apesar de termos algumas experiências fora do país
e que sempre nos correu bem. Sem nada poder adiantar de momento, veremos o que
este álbum nos trará em termos de exposição e idas ao estrangeiro, pois, tal
como disse, temos como prioridades as nossas famílias e fontes de rendimento,
onde se for possível enquadrar idas ao estrangeiro óptimo. Se não for,
continuaremos o nosso trajecto natural. Em Portugal, e muito sinceramente,
não me parece que exista ou alguma vez possa existir espaço comercial para este
nosso género musical para além da realidade de hoje.
Acabam por continuar a ter
suporte editorial, nomeadamente nos Estados Unidos, desta vez pela Sevared
Records, para não falar da nacional Vomit Your Shirt. Que resultados podem
apurar da vossa promoção e distribuição? Estão em condições de pensar em vendas
ou até, pela conjuntura actual, quantos mais downloads da vossa música melhor?
Bom, acima de tudo, temos o maior interesse em chegar ao maior número
de pessoas possível, como todas as bandas pretendem. Se for através das vendas
melhor - mais rapidamente podemos investir na banda. Julgo que os downloads acabam por ser impossíveis de evitar, mas penso que quem compra o disco continuará a comprar e
não vejo o download como um inimigo
mas sim como uma realidade à qual temos de nos adaptar. Estamos ainda numa
fase muito prematura do lançamento para fazer balanços ou mesmo apurar
resultados, mas contamos com a Sevared e a Vomit para nos ajudar na promoção,
como é obvio. Senão não teríamos tomado a opção de partilhar a edição do disco,
pois julgamos ter todo o interesse a promoção em diferentes realidades e
mercados.
Ainda sobre o disco, será que
estamos numa fase em que criar música extrema é mais fácil em termos de
motivação? Há mais revolta no ar? Que mensagem passa «Deviance»? Aparentemente
há uma alusão ao comportamento psíquico dos assassinos, certo?
Julgo que a motivação para fazermos musica mais extrema vem com o gosto
que temos pelo metal em si e nunca tive ou tivemos motivações externas
provenientes de crises sociais ou problemas pessoais para servir de desculpa ou
de motivação extra para ter uma banda de metal ou fazer músicas. Sem dúvida que
julgo haver mais revolta social no ar, mas nada tem a ver com o metal. Em
relação à alusão de toda a temática dos comportamentos psíquicos dos assassinos
foi sempre uma temática que gostei e me fascina, mas ainda não tinha sido
possível utilizar. E sendo eu um fã incondicional da série «Dexter», que serviu
de principal fonte impulsionadora para poder, finalmente, explorar e poder aplicar
a temática do serial killer a este
álbum de uma forma mais alargada, explorando os comportamentos e desvios dos
mesmos. De certa forma, a mensagem que tentamos passar é a de que todos temos,
de algum modo, um desvio comportamental e nunca se sabe se nos podemos tornar num
psicopata sanguinário assassino.
De certa forma, a mensagem que tentamos passar é a de que todos temos, de algum modo, um desvio comportamental e nunca se sabe se nos podemos tornar num psicopata sanguinário assassino.
Até que ponto sente dificuldades
para escrever letras neste imaginário?
É bastante fácil, pois são tantos os desvios comportamentais e
negativos que o ser humano tem que basta seguir um tema e as letras aparecem
com naturalidade.
Por fim, há um convidado muito
especial. Mundos aparentemente próximos mas que, eventualmente, não fariam
prever uma sinergia tão bem conseguida...
Sim, escolhemos o nosso amigo mais maléfico e profano - o Nocturnus
[Horrendus, CORPUS CHRISTII] - que foi, de facto, uma boa
aposta e estamos muito satisfeitos com o resultado final. Pretendíamos alguém
com um registo completamente diferente do meu e que trouxesse um ambiente mais
sinistro e maquiavélico, e isso o Nocturnus conseguiu. Diga-se também que teve facilidade
em aplicar e até superar o que pretendíamos como resultado final. Para isso,
contribuiu bastante a experiência dele como vocalista. Independentemente dos
géneros musicais serem bastante distintos entre as duas bandas, nunca houve
qualquer tipo de redundância em relação ao black metal ou outros géneros de
metal. Nem percebo porque existe.
Este mês cumprem mais alguns
concertos. Depois, o que se segue?
O momento actual passa por definir algumas estratégias para o futuro da
banda que não foram pensadas nem executadas no passado, nomeadamente em termos
de acções de promoção e concertos em locais em que ainda não nos foi possível
tocar. Assim pretendemos chegar a mais pessoas.
Nuno Costa