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HOURSWILL: entrevista exclusiva com Nuno Damião

TEMPO, UMA REALIDADE ABSTRACTA


A sua fundação data de 2009, mas a origem deste projecto lisboeta raia no início do novo milénio. Só a dificuldade em estabilizar uma formação empurrou os HOURSWILL para uma longa espera que culmina agora com a edição do álbum «Inevitable». Qual fatalidade, nunca se prostraram perante as adversidades, até porque a convicção na sua escrita híbrida mas tradicional - algo próxima de uns SANCTUARY e NEVERMORE mas com uma amplitude estílistica muito maior - lhes pode fazer perfeitamente recuperar o tempo perdido. Ainda por cima quando no seu staff estão pessoas tão experientes como José Bonito [ex-THRAGEDIUM, DR.SALAZAR e MY ICED BELOVED] ou Nuno Damião [ex-MASQUE OF INNOCENCE], aqui em discurso directo, que não se deixam facilmente amedrontar por qualquer tempestade e são mesmo capazes de transformar dificuldades em oportunidades de vingar.   

Antes de qualquer outro pensamento, o principal que vos ocorrerá neste momento é: finalmente! Foi difícil resistir a tantas mudanças de formação e a um disco que teimava em não sair?
Finalmente, sem dúvida! Foi um pouco complicado, sim. No início foi bastante complicado arranjar elementos para completar a formação, mas nunca baixámos os braços ou pensámos em desistir. O núcleo da banda sempre esteve bastante focado no que queríamos fazer ou era necessário. Foram alturas de mais baixos do que altos porque simplesmente passaram muitas pessoas pela formação que permaneciam durante muito pouco tempo. Felizmente, conseguimos ultrapassar isso e sentimo-nos mais fortes do que nunca com esta formação.

Ao longo desse período, a vossa sonoridade foi alvo de mutações?
Nem por isso. Como o tal núcleo da banda manteve-se desde o início, e nós sempre tivemos os nossos interesses e pontos de vista bem delineados, não houve assim tantas mutações. É óbvio que com a entrada de novos elementos há sempre coisas que se alteram, mas essas alterações ocorreram mais a nível dos arranjos e das partes de cada um dos elementos, não tanto na sonoridade geral da banda.

Apesar de se classificarem como banda de metal progressivo, a vossa sonoridade tende a afastar-se da acepção mais tradicional do termo. Se tivessem que aconselhar o vosso som, a que tipo de fãs o fariam?
Nós não nos classificamos como metal progressivo. Esse rótulo foi-nos atribuído! [risos] De facto, até nem é um rótulo com o qual nos sintamos muito confortáveis. O termo progressivo tem muitas conotações e uma delas é associar-se a músicos virtuosos e de um nível técnico "estratosférico", o que não corresponde à nossa realidade, de todo. [risos] A verdade é que nem nós próprios saberíamos bem como nos classificar se nos perguntassem, por isso, nesse aspecto, o rótulo metal progressivo até acaba por se encaixar naquilo que fazemos. E uma vez que temos algumas influências de metal e rock progressivo, talvez estas tenham ganho algum relevo na atribuição desse rótulo, de alguma forma. Acho que também temos predicados para agradar a fãs de heavy, thrash e death metal, principalmente dos anos 80 e 90, uma vez que são essas as nossas principais raízes musicais, desde que não estejam à espera de algo muito "purista" dentro dos géneros referidos. Acho que, eventualmente, poderemos agradar a uma razoável paleta diversificada de fãs de vários géneros.
A verdade é que nem nós próprios saberíamos bem como nos classificar se nos perguntassem, por isso, nesse aspecto, o rótulo metal progressivo até acaba por se encaixar naquilo que fazemos.

Sendo que, até certo ponto, é difícil enquadrar a vossa sonoridade num só espectro musical, acreditam que acabaram por inovar ou será que essa presumível "ambiguidade" musical até pode ser prejudicial num contexto mercantil?
Não considero que sejamos particularmente inovadores, pelo menos em comparação com os estilos que mais recentemente surgiram no universo do metal. Para quem nunca nos ouviu, não estejam à espera de uma coisa particularmente bizarra e totalmente inovadora. [risos] Quem nos ouvir poderá encontrar muita coisa familiar, uma vez que, tal como já disse, as nossas raízes musicais estão bem vincadas e patentes no nosso som. Talvez o que poderá ser mais inovador na nossa sonoridade será a forma como abordámos certos estilos mais "clássicos", sendo que com clássicos refiro-me aos padrões de hoje em dia. Num contexto mercantil é difícil dizer. Apesar de ser mais fácil para uma banda mover-se num determinado género específico, ao mesmo tempo acaba por ser um pouco limitador. Provavelmente, os mais "puristas" de determinado género poderão torcer um bocado o nariz, mas penso que, em geral, as pessoas interessam-se por coisas diversificadas e não estão muito presas a um único estilo. Nesse aspecto podem encontrar algo em nós que lhes agrade.

A banda possui um contingente humano com largos anos de experiência. De que forma esse "calo" influi no trabalho agora apresentado ou mesmo no meio em que se inserem?
Alguns elementos têm já bastante experiência noutros projectos, mas também temos outros elementos sem tanta experiência quanto isso. É sempre bom ter essa "bagagem" em cima porque nos dá outras perspectivas, mas ao mesmo tempo acabou por ser um desafio para todos nós. O José Bonito, por exemplo, que é o elemento, de longe, com mais experiência, adquiriu-a como baixista, e em HOURSWILL assumiu as guitarras, instrumento com o qual não tem tanta experiência e é, inclusive, o seu primeiro trabalho como guitarrista. De resto, há outras situações na banda que são bastante diferentes do que já tínhamos feito noutros projectos, pelo que essa experiência acaba por se diluir nos desafios a que nós próprios nos propusemos com o «Inevitable». Acaba por influir bastante mais em termos de "ética de trabalho" na forma como nos dedicamos e na seriedade que imprimimos ao nosso trabalho, por assim dizer. De certa forma, algumas situações acabam por já não ser inéditas e, nesse aspecto, já estamos preparados de um ponto de vista mental para ultrapassar as dificuldades com maior facilidade.


Envolvidos que estão no underground musical há mais de vinte anos, como têm assistido à sua evolução? O metal em Portugal está saudável e devidamente apoiado, inclusive pelos meios de comunicação?
Começo por abordar os meios de comunicação. Hoje em dia há cada vez mais meios e, no entanto, dou por mim a recordar os tempos mais antigos com uma certa nostalgia. Dou como exemplo a rádio. Quando comecei a interessar-me pela música mais pesada e alternativa, há largos anos, existiam vários programas de rádio em que era possível ouvir este tipo de som. Eu "devorava" com entusiasmo programas como o «Lança-Chamas», «Metal Radical», «Caminhos de Ferro» e outros que na altura existiam em várias rádios, porque eram a única maneira de estar a par das novidades e ir acompanhando o que se fazia. Hoje em dia pouco disso existe e apenas conheço um programa de rádio desse género aqui na minha zona, que ainda por cima é o único resistente desses tempos e está relegado para horas impróprias para quem tem que acordar cedo para trabalhar ou estudar. Sei que existem outras (poucas) rádios que tentam fugir desse marasmo, mas tenho dificuldade em apanhá-las aqui na minha zona. Se naqueles tempos ouvir rádio era quase como fazer pesquisa, hoje em dia considero que é uma autêntica "lavagem cerebral" onde somos intoxicados com playlists de lixo comercial, repetidas até à exaustão. Felizmente, a Internet veio preencher essa lacuna e outras, tanto a nível de rádios como de imprensa escrita e até televisão. Há várias fontes de informação disponíveis à distância de um simples click. Porém, infelizmente, apesar de ser mais fácil e acessível essa informação do que nunca, ela está demasiado fragmentada para conseguir apelar às massas e tenho a sensação, talvez errada, que acaba por ser restrita a um certo grupo de interessados, sem grande capacidade para atrair "sangue novo", por assim dizer. Os meios existem, sem dúvida, e existem pessoas interessadas em divulgar, mas está tudo tão "enterrado" num excesso de informação e diversos tipos de entretenimento que é quase preciso meter as coisas directamente na cara das pessoas para que elas lhes prestem alguma atenção. Entretanto, as bandas evoluíram bastante ao longo destes anos e tenho assistido ao surgimento de vários projectos com estilos próprios, o que tem contribuído para uma diversidade na cena underground portuguesa que considero muito interessante. Existe bastante qualidade e existem meios para a cena portuguesa crescer. Resta saber se há interesse do público em geral para isso.

O vosso contrato com a Ethereal Sound Works é precisamente sinónimo de que ainda há razões para se apostar nas bandas alternativas nacionais? Como chegaram a este acordo?
Eu penso que as principais razões para se apostar nas bandas nacionais devem-se sempre à qualidade das mesmas. Infelizmente, Portugal ainda se encontra demasiado no "cu" da Europa para que editoras alternativas de maior porte, ou até majors, vejam nas bandas portuguesas um produto aliciante do ponto de vista comercial, embora considere que algumas, noutras condições, teriam qualidade para ombrear com aquilo que se vai fazendo lá fora. É nesse campo que editoras como a Ethereal Sound Works desempenham um papel importante na divulgação dos projectos nacionais. Infelizmente, tendo em conta o estado actual da indústria musical e as limitações inerentes ao mercado nacional, não será certamente no aspecto comercial que reside o principal motivo pelo qual as editoras vão apostando nas bandas nacionais. A nossa ligação à ESW foi bastante simples: quando acabámos o «Inevitable», começámos à procura de uma editora disposta a editá-lo e contactámos várias, enviando músicas em formato MP3 para audição. Uma das que manifestou interesse foi a ESW e acabou por nos fazer a proposta mais vantajosa. Não existia qualquer contacto prévio e foi tão simples como isso.

«Inevitable» é um disco auto-produzido, com ajuda apenas na mistura e masterização, certo? É cada vez mais uma necessidade as bandas desenvolverem os seus próprios meios para se lançarem?
O álbum foi co-produzido pelo Sérgio Melo [guitarrista] - que no início não era ainda um elemento da banda - e por nós, tendo sido misturado e masterizado pelo João César no Wild Goose Studio. Posso dizer que começou por ser a opção monetariamente possível. [risos] Com o passar do tempo e conforme fomos vendo o trabalho ganhar forma, tomámos consciência de ser, sem dúvida, a forma mais vantajosa que poderíamos ter escolhido. Tivemos a sorte de trabalhar com pessoas que, não sendo profissionais no sentido em que não fazem este trabalho exclusivamente para ganhar a vida, deram o máximo por nós e fizeram um trabalho com o qual estamos bastante satisfeitos. Nós próprios tentámos dar o nosso máximo também! De resto, pode-se dizer que foi maioritariamente auto-produzido, até porque um dos elementos envolvidos neste processo acabou por se tornar membro da banda. Entretanto, também o próprio grafismo, tirando o artwork da capa que foi feito pelo pintor Pedro Rego, foi totalmente feito no seio da banda pelo Ruben Chamusca [baixista].
Está tudo tão "enterrado" num excesso de informação e diversos tipos de entretenimento que é quase preciso meter as coisas directamente na cara das pessoas para que elas lhes prestem alguma atenção. 

Olhando para o título deste disco, apetece-nos de imediato perguntar: o que é inevitável? A destruição da sociedade e da raça humana? De que forma a vossa mensagem pode apelar à união das "tropas" e à mudança de um estado algo caótico da sociedade contemporânea?
Não sou pessimista ao ponto de dizer que a raça humana e a sociedade estão para lá da salvação! [risos] No entanto, os temas abordados em «Inevitable» pintam um cenário um pouco perturbador da mesma, em tons de preto e cinzento. O que é de facto inevitável é abordar os assuntos retratados neste disco de uma perspectiva que não seja bastante negativa e crítica. As letras abordam erros do passado, situações actuais um pouco por todo o mundo, algumas nem tão recentes mas que se perpetuam até aos dias de hoje, e bastante incerteza quanto ao futuro. A crise económica mundial teve também uma influência bastante grande em alguns assuntos abordados, tratando-se de um estado que historicamente sempre foi de tensão e ruptura para com os poderes vigentes e a sociedade como um todo. Como autor das letras, não tenho por objectivo andar a pregar seja o que for às pessoas, mas certas situações não me passam indiferentes e há o intuito de pôr um pouco as pessoas a reflectir sobre a actualidade em que vivemos. As respostas ficam por encontrar, mas para que elas surjam é preciso primeiro que haja consciência das situações que nos rodeiam.

Contabilizam-se sensivelmente dois meses da edição de «Inevitable». Que balanço vos é possível fazer em termos de crítica e, já agora e porque não, vendas?
Até agora as opiniões têm sido bastante positivas, felizmente, e assim esperamos que continuem. Ainda estamos numa fase muito embrionária da promoção ao «Inevitable», a qual está a ser feita maioritariamente pelos nossos meios em conjunto com a ESW. Ainda há muito terreno por explorar e é uma incógnita qual será a receptividade de todos os elementos da imprensa especializada por aí espalhados. Em termos de vendas, é um bocado prematuro falar sobre isso e não tenho real percepção das mesmas. Quem terá melhores indicações neste momento será a editora.

Onde estarão os HOURSWILL nos próximos meses? Para além dos concertos com os SACRED SIN este mês (sobre os quais vos convido a fazer uma antevisão), o que podemos esperar? Há algo a ser planeado além-fronteiras, quiçá um videoclip também?... Resumindo, o que farão para evitar a tendencial letargia, sobretudo em Portugal, deste período pós-lançamento?
Esperamos que corram bem os concertos com os SACRED SIN. Vamos ter oportunidade de nos cruzar com algumas bandas com quem já partilhámos palcos, o que é sempre agradável, e reencontrar alguns amigos. Não temos meios para grandes efeitos cénicos, para além dos normalmente disponibilizados pelas próprias salas, pelo que basicamente os concertos de HOURSWILL são cinco tipos em palco a soltar energia "à antiga", tentando que a mesma não chegue ao ponto de prejudicar a nossa própria prestação técnica, e esperando que essa energia se transmita ao público e que este se manifeste aos empurrões e pontapés uns com os outros! [risos] Temos mais alguns concertos a serem planeados que ainda não estão confirmados, mas nada ainda num plano de internacionalização. É nosso objectivo tocar ao vivo o mais possível, de acordo com as nossas próprias possibilidades, durante o próximo ano. Quanto a um videoclip, realizámos recentemente algumas filmagens com esse objectivo, que eventualmente ainda não estarão concluídas, e ainda está tudo do lado da produção, pelo que não sei quando estará pronto para ser lançado.

Nuno Costa



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