SULLEN - «post human» [review]
Recusam o epíteto de "supergrupo", mas todos
reconhecemos que há um talento apurado por aqui. A definição aplica-se
sobretudo pelo passado de César Teixeira, André Ribeiro, Guilherme Lapa e
Marcelo Aires nos auspiciosos OBLIQUE RAIN. O grupo surpreendeu o underground
nacional em 2007 com a aragem progressiva de «Isohyet», ao que lhe sucedeu
«October Dawn» em 2009. Com uma vasta falange de ouvintes rendida à sua forma de escrita, ninguém
esperava que em 2013 colocassem termo à sua carreira. Porém, foi tudo apenas o fim
de um ciclo, como explicaram.
Faltando apenas Flávio Silva para esta ser uma
verdadeira reencarnação dos OBLIQUE RAIN, é fácil perceber a cumplicidade que
reina entre estes músicos. Injectando a experiência e talento de Pedro Mendes
[W.A.K.O.] numa das guitarras e João Pereira nos teclados, então temos reunidas
as condições para que a aposta seja segura e ganha logo de início.
«Devata», com a sua entrada convicta e elaborada de bateria e
deslumbrante solo de guitarra (com todos os requintes que um solo prog deve
ter), deixa imediatamente a nu as virtudes técnicas dos SULLEN. Na seguinte «Broken
Path» o peso acresce e a escola sueca ganha expressão a nível de melodias e
arranjos, com influências mais vincadas de OPETH. É verdade que mantêm as
devidas distâncias para o grupo de Akerfeldt, mas os teclados vintage deixam óbvia uma inspiração soprada
do norte. Entretanto, alguém já falou nos solos de guitarra? Pois bem, é pérola
que se degusta ao longo de todo o álbum.
Seguindo para «Redondo Vocábulo», a surpresa não vem só do
facto de ser cantada em português e homenagear Zeca Afonso, mas também
do seu astral melancólico e envolvente (os TOOL entram aqui também como foco de
inspiração). O tema faz a ponte perfeita para a igualmente etérea «Ascend»,
onde os sintetizadores dão um ambiente desconcertante, algo sinistro mas cândido.
Novamente a comprovar a mais-valia dos teclados, João Pereira demonstra em
«Become» pormenores subtis mas deliciosos, para além de fulcrais para o
ambiente por vezes psicotrópico do disco.
O semblante transfigura-se completamente em «Exult», com os
compassos intrincados e o peso das guitarras (bem afinadas em baixo) a
enrugarem-nos ainda mais o córtex cerebral e a dizerem descaradamente que os
SULLEN são seguidores dos MESHUGGAH e DEVIN TOWNSEND, sobretudo pelo refrão.
A toada volta a ficar mais arrastada em «The Mounder» e a
voz de César Teixeira continua a dar um sentido antagónico de melodia entorpecida
(muito ao jeito de uns CYNIC) e brutalidade intempestiva. Isto antes de ser
ministrada a maior injecção de relaxamento do disco com «Placid» (o título não podia ser mais adequado). Sem o lado acústico tão vincado, este tema (e o disco em
geral) tem momentos imperdíveis para os fãs da era «Damnation» dos OPETH, com a
seguinte «The Purge» a seguir a mesma filosofia.
O superior ambiente purgativo que geram em vários momentos de
«post human» tem novo expoente em «Tidal», onde até se inclui um saxofone e onde Pedro Mendes demonstra claramente como conferir sentimento a um solo de guitarra
(mais do que debitar notas em catadupa). A cama está feita para um fecho desconcertante
em termos de melancolia, que invoca até um universo gótico, para além de confirmar que o peso
monolítico e a melodia absorvente de uns CULT OF LUNA também são uma inspiração para o grupo do Porto.
A um disco como este só se poderá reclamar um... single.
Todo o resto passa ao lado de uma forma de estar e criar livre e em que cada
pincelada sonora gera imagens nítidas e pluridimensionais de vários estados da vida. Com
base nesse experimentalismo quase selvagem, é verdade que um tema mais redondo
poderia ajudar os mais obtusos a penetrar neste ambiente, mas com tantos
argumentos interpretativos (e sensibilidade) é certo que mais cedo ou mais tarde estes temas causarão forte contágio.
A esta altura poucos já se lamentarão do adeus prematuro
dos OBLIQUE RAIN. Para os próprios SULLEN é a prova clara de que a vida
continua e que há ainda muito por explorar. Para o underground nacional é o saudar de uma das suas melhores formações de sempre e consequentemente um dos seus discos mais envolventes.
Classificação: 8.5/10 [N.C.]
Data de lançamento: 10 de Fevereiro de 2015
Edição: independente
Nota de estúdio: produzido pelos SULLEN; misturado e
masterizado por Pedro Mendes nos Ultrasound Studios, em Braga.
Estilo: metal progressivo/ambiental
Origem: Porto
Formação: 2013
Artwork: J. D. Doria
Alinhamento:
1. «Devata» (3:06)
2. «Broken
Path» (5:20)
3. «Redondo
Vocábulo» (3:21)
4. «Ascend»
(3:09)
5. «Become»
(7:07)
6. «Exult»
(4:00)
7. «The
Mounder» (7:24)
8. «Placid»
(3:51)
9. «The
Purge» (2:29)
10. «Place
Of Time» (4:21)
11. «Tidal»
(3:10)
12.
«Engulf» (5:15)
Duração: 52
minutos
Elementos:
César Teixeira (voz, guitarra)
André Ribeiro (guitarra)
Pedro Mendes (guitarra, segundas vozes)
Guilherme Lapa (baixo, segundas vozes)
João Pereira (teclado, sintetizador)
Marcelo Aires (bateria, percussão, segundas vozes)
Discografia:
«post human» (CD - 2015)