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WELLS VALLEY: entrevista exclusiva com Pedro Mau

TEORIA DO CAOS


Num mundo tão esfíngico e, por vezes, tão caótico, a sua forma de retratação sonora deve estar próxima daquilo que os WELLS VALLEY sugerem na sua ambiciosa estreia. «Matter As Regent» é apresentado a 7 de Fevereiro no RCA Club, em Lisboa, e revela-se um portento de dissonância e acerbidade, sombrio como os mistérios do Universo e claro como a perversidade da nossa natureza. A aventura dificilmente teria este resultado caso não integrassem o projecto Filipe Correia [CONCEALMENT], Pedro Lopes e Pedro Mau [KNEEL]. Este último relata as origens e motivações da banda e explica porque não temem que a genialidade deste disco possa passar ao lado dos mais incautos. 

A data oficial de formação dos WELLS VALLEY é 2011. No entanto, mantiveram tudo num secretismo quase absoluto até finais de 2013. Porquê?
Formámos os WELLS VALLEY em finais de 2011, mas até encontrarmos um sítio fixo de ensaio foi um processo demorado, porque ensaiávamos apenas uma ou duas horas por semana numa sala de estúdio alugada. E ensaiar com material que não é o nosso, é sempre complicado... não temos o mesmo conforto e perdemos muito tempo a montar e desmontar as coisas a cada vez que ensaiamos. As coisas só se desenvolveram mais naturalmente quando encontramos um "ninho". Somos todos da opinião de que mais vale demorar mais tempo e as coisas saírem bem feitas do que fazê-las em "cima do joelho". Daí termos demorado mais tempo a darmo-nos a conhecer.

Como se alinham as "estrelas" para que comece então a trabalhar com o Filipe e o Pedro? Já se conheciam de outras andanças?
Conheci o Filipe quando ainda trabalhava na já extinta More Agency e já tinha tocado com o ele num concerto com os RCA a convite do Sérgio "Animal". Além disso, já era fã dos CONCEALMENT e fiz o design da capa e t-shirts do «Leak». Quando o Filipe decidiu fazer outro projecto além dos CONCEALMENT, ligou-me e disse que queria fazer uma banda, e assim convidou-me para integrar o projecto como baterista. E um convite vindo de um gajo como o Filipe, não se recusa! Quanto ao Pedro (Lopes), só o conheci quando nos juntámos para falar sobre o projecto. Ele e o Filipe já se conheciam há bastante tempo… tocaram juntos, inclusive, numa outra banda - os MUTE.

Já depois de criarem os WELLS VALLEY ainda grava o primeiro disco dos KNEEL. Uma questão de aguardar a oportunidade certa ou a adrenalina de estar sempre a compor?
KNEEL é um projecto que decidi criar principalmente por frustração. Tive os KNEELDOWN por muito tempo - dez anos, se não me engano - e nunca conseguimos sair da "terrinha". Investi muito tempo e dinheiro, e quando os KNEELDOWN acabaram, pensei, "se não consigo com outros, consigo sozinho". E foi aí que a cena surgiu. O "estar sempre a compor" não se aplica a mim. Sou um gajo que trabalha muitas horas por semana, como muita gente, e todas elas fora do âmbito musical, infelizmente. No entanto, quase todo o tempo livre que arranjo é aplicado na música, seja a compor, misturar, ler tutoriais, tocar… Resumindo, KNEEL é a minha maneira de dizer: "Consegui. Bem ou mal... mas consegui." E orgulho-me disso.
Parece-me um pouco egoísta dizer que é um dos projectos mais inovadores já lançados em Portugal. Porém, acredito que conseguimos criar um trabalho que é bastante original e que não segue regras específicas.

Apesar dos WELLS VALLEY seguirem directrizes distintas, parece haver uma herança muito discreta dos KNEEL e dos CONCEALMENT no seu som. Sim ou não? Ou tudo isto foi criado para preencher uma vaga artística que ainda nunca tinham preenchido pessoalmente?
Não, não concordo que haja uma herança musical no que concerne a géneros musicais, mas compreendo a associação. Se em KNEEL estou eu e o Filipe (como convidado na voz), e a voz dos CONCEALMENT é a do Filipe, é normal que hajam algumas referências que se possam apontar aqui ou ali. No entanto, acho que o som dos WELLS VALLEY é bastante diferente do que ouvimos nesses dois projectos.

Muito objectivamente: acha que este é um dos discos mais inovadores já lançados em Portugal? 
Essa pergunta tem rasteira? [risos] Parece-me um pouco egoísta dizer que é um dos projectos mais inovadores já lançados em Portugal… até porque não conheço tudo o que foi lançado no país. Porém, acredito que conseguimos criar um trabalho que é bastante original e que não segue regras específicas. No entanto, não conheço outra banda por cá que se enquadre exactamente no estilo que fazemos, embora haja coisas que se possam associar a isto ou àquilo.

Todo o experimentalismo que pauta este trabalho pode também ser um factor que afaste o ouvinte menos calejado. Temem que este disco possa ser algo incompreendido?
Acho que posso falar por todos na banda, e a resposta é: não. Se estivéssemos preocupados com os ouvintes menos calejados, não tínhamos criado este trabalho. Tínhamos obviamente seguido outras direções. Em primeiro lugar, fazemos música para nós. Se houver pessoal que goste é um bónus muito bem-vindo. E é óptimo poder partilhar o que fazemos com essas pessoas. Vai haver muita gente a associar-nos a esta banda ou àquela, pessoal a dizer bem, pessoal a dizer mal… e isso não nos preocupa ao ponto de querermos alterar o nosso método de criar música só para agradar a mais gente. Todas a críticas serão, com certeza, bem aceites e respeitadas.

O Pedro entra em cena nos WELLS VALLEY também como produtor. Daí se depreende que todo o trabalho de concepção do disco é um esforço muito pessoal e exigente. Como foi escrever e produzir «Matter As Regent»? Deixou-vos espoliados? 
A produção foi partilhada entre todos - eu, o Pedro e o Filipe. Não considero que tenha sido "o produtor" só porque fiquei com a parte da mistura e masterização. Foi um trabalho feito por três pessoas. Quanto à parte criativa, foi absurdamente espontânea. A nossa pré-produção foi feita a partir apenas das gravações dos ensaios e as músicas foram todas gravadas com essa base, à excepção de um tema que alterámos completamente já depois de termos tudo gravado. Isso levou a uma nova abordagem na composição… quase em modo "puzzle".

Com uma sonoridade tão esquizofrénica e electrizante, a mensagem também deve seguir o mesmo contexto. Ocultismo, teologia, condição humana... é mesmo isso que as pessoas podem esperar das letras?
As letras são todas do Filipe. Sou apologista de  que o vocalista deve escrever as letras para poder interpretá-las do melhor modo possível. Deste modo, não posso opinar muito sobre esse assunto, pois embora conheça a mensagem, a interpretação pode variar muito consoante a pessoa. Acho que são temas não muito abordados e que podem pôr-nos a pensar um bocado.
Se estivéssemos preocupados com os ouvintes menos calejados, não tínhamos criado este trabalho.

Algures em nota de imprensa, referem que este disco foca-se na génese do Universo. Até que ponto são interessados por essas questões científicas e metafísicas? Perturba-vos de alguma maneira não sabermos de onde vimos e para onde vamos?
Essa pergunta deve ficar para uma próxima entrevista com o Filipe. [risos] Eu curto mais pastéis de nata! A pergunta é pertinente e posso apenas expressar a minha opinião… Sei de onde venho e sei, pelo menos, para onde quero ir. Se o destino alterar essa decisão, já é algo fora do meu controlo. Acho que o Filipe aborda temas nas letras dos WELLS VALLEY que vão ao encontro da expressão musical. E isso faz todo o sentido mesmo que haja perguntas para as quais não temos resposta.

A música ajuda-vos a encontrar essas repostas?
A música só nos ajuda a seguir em frente. Penso que existem perguntas que não devem ser respondidas… Se soubéssemos o nosso futuro qual era o propósito da nossa evolução? Não íamos lutar por nada porque já tínhamos tudo garantido. A incerteza acaba por trilhar o caminho que percorremos ao longo da vida, porque nos interessamos em saber até onde conseguimos ir. A música é apenas um dos meios que usamos para tentar chegar lá.

Seguindo também a lógica de que este é um disco que tenta unir a matéria e o transcendente, podemos dizer que tem também um forte lado espiritual? Vocês são pessoas "espirituais"? Fazem, por exemplo, ioga ou algo do género para encontrar respostas ou então fugir das pressões diárias?
Eu não, não sou uma pessoa espiritual. Para ser sincero, não penso muito nessas cenas. Respeito opiniões e opções, mas da minha parte não existe nada que me relacione com um lado espiritual, pelo menos a nível consciente. Sei que da parte do Filipe existe um "fascínio" pelo oculto, ou não tocasse ele numa banda chamada CONCEALMENT. Nenhum de nós faz ioga, mas não sei se já praticaram alguma vez. E para fugir à pressão diária nada melhor do que um bom ensaio e umas boas porradas na bateria!

Sente que este foi o trabalho mais exigente que já criou? E será que pode falar pelos seus companheiros?
Penso que sim, embora o «Interstice» [KNEEL] tenha exigido mais de mim enquanto indivíduo, visto que fiz todo o processo desde a composição ao design (excepto a voz). Este primeiro álbum dos WELLS VALLEY foi um processo bastante diferente e desafiador. Sempre fui mais da onda do thrash, hardcore e math metal (dos meus queridos MESHUGGAH), e com os WELLS VALLEY entrei num mundo completamente diferente que exigiu mais de mim como músico criativo. O facto de ser o primeiro disco levou a que o desafio tenha sido geral, porque nos fomos conhecendo à medida que o projecto avançava. Se foi o mais exigente não sei, mas que o foi... sem dúvida.

O que acha que torna os WELLS VALLEY distintos dos seus anteriores projectos? Acha que é o colectivo e as experiências de cada elemento que possibilitam esta identidade tão própria? Por parte do Filipe, já se tornou uma voz quase inconfundível…
É todo um mundo novo para mim. A composição é sempre feita pelos três. Temos um método de composição que é feito apenas nos ensaios. Não temos como premissa delegar a composição a ninguém… simplesmente vamos para o ensaio e deixamos a cena fluir. Pode haver uma ideia ou outra que tragamos de casa, mas o intuito é que as coisas surjam todas durante o ensaio, de modo a que sejamos os três a criar. O Filipe também já anda nisto há muito tempo, por isso é normal que a sua voz já seja familiar. É um prazer trabalhar com estes dois gajos!

Quanto ao Pedro Lopes, creio que pouco se conhece dele. Quer fazer as devidas apresentações?
Como disse, conheci o Pedro apenas quando falámos em criar os WELLS VALLEY. Ele e o Filipe já tinham tocado juntos nos MUTE há uns 10 anos. É uma pessoa humilde e trabalhadora, e encaixa perfeitamente nos WELLS VALLEY. Posto isso, só posso concordar com o Filipe quando o escolheu para ser o baixista do projecto.
 A parte criativa foi absurdamente espontânea. 

Tudo parece devidamente montado para «Matter As Regent» chegar mais longe, até porque estão a trabalhar com três editoras. Quais são as expectativas?
Não gosto de pensar muito no que vai acontecer. Prefiro deixar as cenas fluírem. O facto de termos três selos no disco (Bleak Recordings, Chaosphere Recordings e Raging Planet) não invalida o facto de termos de trabalhar se queremos chegar a algum lado. Sei que vai haver gente a gostar do disco, gente a odiar, gente a opinar, mas isso é o normal em qualquer coisa nova. Damos um passo de cada vez e pouco a pouco lá descobriremos o caminho.

Os WELLS VALLEY são mesmo a vossa prioridade actual e total? Isto porque o Filipe também tem os CONCEALMENT. Digamos que sempre que aparecer possibilidades de actuar, mesmo no estrangeiro, terão toda a disponibilidade para tal? É quase como perguntar: este projecto já marcou o vosso coração?
É uma prioridade, mas não uma prioridade total e absoluta. Vamos ser realistas: ser músico em Portugal é um hobby para 99% das bandas. É impossível dedicarmo-nos a 100% à banda. Temos de trabalhar todos os dias para pagar as contas ao fim do mês, arranjar tempo para estar com a família, com a namorada, sozinho, com amigos... e isso é importante também! Obviamente que pode surgir a oportunidade de irmos lá fora, mas, como tudo, analisaremos a situação e vamos tomar a melhor opção, com certeza. E sim, ir lá fora fazer umas tours está totalmente dentro dos nossos planos. Vamos levar as coisas com calma, como temos feito até agora, e deixar o futuro acontecer naturalmente.

Eventualmente não devia falar em nome do Filipe, mas se lhe for permitido, pedia-lhe um ponto de situação sobre os CONCEALMENT e, da sua parte, sobre os KNEEL.
Pelo que sei, e não falo muito com o Filipe sobre isso, os CONCEALMENT estão a preparar novos temas para um futuro disco! Quem não estiver sedento de novo material dos mestres ponha o dedo no ar. Estamos todos, não é? Espero que não demore! Quanto a KNEEL, está em standby. Estou focado nos WELLS VALLEY, e nos tempos livres que vou tendo estou a preparar uma surpresa que espero ter concluída lá para Abril. Para já, não haverá notícias de KNEEL tão depressa, mas não está em causa pôr o projecto de parte. Sei que um dia, só não sei quando, o "bichinho" KNEEL vai voltar.

Há não muito tempo referiu estar um pouco indignado com a indiferença a que foi votado o «Interstice». Isso restringe-lhe a vontade de voltar ao projecto? Porque acha que isso aconteceu?
Neste mundo, quem não tem "connects" muito dificilmente chega onde quer. Quando o disco saiu foi enviado para vários sítios, mas só depois descobri que grande parte dos media só aceita discos se ainda não tiverem saído. É o modo como as coisas funcionam e eu não sabia. Continuo orgulhoso do trabalho que saiu dali e sei que tem qualidade, mas também sei que o facto de ser um projecto a solo, que não é transposto para um espetáculo ao vivo, torna difícil o interesse alheio. Continua disponível para download gratuito no Bandcamp, por isso, quem ainda não o tiver pode dar uma escuta e sacar à pala. https://kneel.bandcamp.com/

Agora só pensam na estreia ao vivo agendada para 7 de Fevereiro. Como vai ser? Serão só três em palco, mas prometem encher o espaço?
Está prometido. Tocamos bem cedo (às 14h30 em ponto), por isso, se não querem perder a estreia dos WELLS VALLEY é bom que não se atrasem! Temos um dia repleto de boas bandas. São doze motivos que tornam o Burning Light Fest obrigatório.




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