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CLUTTER: entrevista exclusiva com Gonçalo Crespo

DESPERTAR SINCOPADO


Já não restarão dúvidas de que Portugal é um viveiro cada vez mais fecundo em quantidade e qualidade no que respeita a metal. E agora em diversidade. O apelidado djent - termo que terá sido popularizado por Misha Mansoor [guitarrista dos PERIPHERY] para designar metal polirrítmico com forte groove e guitarras downtuned - começa agora a ter alguma representatividade em Portugal. Depois dos NEBULOUS e de um ou outro projecto mais underground que nunca chegou a ter grande sequência, os leirienses CLUTTER atiram para o xadrez nacional uma proposta altamente personalizada neste universo musical e quase nos fazem crer que terão nascido noutro ponto do globo. Apesar de todos os maneirismos do género, é a consistência de «Obsidian», álbum de estreia editado em Janeiro, que nos faz crer que o colectivo liderado por Gonçalo Crespo tem um potencial acima da média, ainda mais quando tudo foi concebido pelos próprios meios. Um processo árduo e moroso, mas que valeu a pena, segundo o guitarrista e mentor do projecto.  

A primeira sensação que paira sobre os CLUTTER é que andaram escondidos até quase à edição de «Obsidian». Isto tem que ver apenas com o facto de, tanto quanto consta, ainda não se terem apresentado ao vivo ou simplesmente porque estiveram focados na composição?
Isso aconteceu porque o processo de criação de um álbum como o «Obsidian» é penoso quando cai sobre os ombros de uma só pessoa. Foi o que se passou assim que a formação original se separou. Quando finalmente consegui o grupo necessário para seguir em frente, decidimos focar-nos na finalização do disco ao invés de nos lançarmos ao vivo.

Haverá ainda outra impressão imediata quando ouvimos a banda: não parecem portugueses, de todo (até pela imagem)! Que comentário isto vos merece? É um elogio ou uma mera constatação de que em Portugal esta sonoridade simplesmente não tem raízes? Ou até mesmo que no nosso país nem sempre se trabalha com este profissionalismo?
Eu diria que é uma junção de ambos, tanto um elogio como uma constatação de que este estilo de música não tem raízes por cá. Esse tipo de comentário deriva da forma como a maior parte das pessoas encara a música em Portugal, sobretudo a música mais pesada. Aposto que muita gente ainda acha que METALLICA é um estilo de música e que os vizinhos que ensaiam na garagem estão a testar as colunas com ruído rosa. Sim, fico contente quando alguém comenta que estamos a um nível superior do que aquilo que é feito por cá e que estamos ao nível do que se passa lá fora, mas sei bem que isto não é totalmente verdade e que por cá há malta a fazer muito boa música que as pessoas desconhecem. Isto porquê? Não faço ideia, sinceramente. Acho que em Portugal se trabalha com profissionalismo, o público é que parece ter as "antenas" viradas para fora, algo de que nem sempre têm culpa, visto que muitas vezes é difícil para os artistas fazerem-se ouvir.

Pelo trabalho apresentado em «Obsidian» parece evidente que absorveram até ao tutano o legado de bandas como TESSERACT ou PERIPHERY. Extraíram-lhes completamente o ADN ou foram tentado também conferir alguma identidade à vossa sonoridade?
Sou grande fã de ambas as bandas, mas acho que o «Obsidian» é um disco cuja única relação que tem com o trabalho dessas bandas, para além do óbvio facto de serem coisas que existem no mesmo planeta, é o groove e o peso das afinações graves das guitarras. Ok, talvez eu esteja a exagerar, há certamente uma ligação entre o que fazemos e aquilo que nos inspira, mas creio que quem ouvir o nosso disco se vai aperceber de muitas outras influências e, na minha opinião, acho que neste momento temos uma identidade própria, ainda que sujeita a futuras mutações.

E para se criar uma sonoridade como esta é preciso alguma estaleca técnica. Como é que se colocam a modos de editar uma estreia tão consistente quando, para todos os efeitos, são anónimos da nossa "praça"? Qual é o vosso background, afinal?
Apesar de sermos "canalha" nova, como dizem os elders, nenhum de nós é um daqueles doidinhos que começou a tocar guitarra ontem com o auxílio do Google. Todos tivemos outros projetos musicais, de música original ou covers, projetos de Youtube e afins. Eu tirei um curso de som, o resto da malta virou-se mais para os designs e vídeo, e todos temos rotinas de trabalho nos nossos instrumentos que mantemos diariamente há já vários anos. Completamo-nos uns aos outros de forma a conseguirmos apresentar um trabalho consistente.

«Obsidian» é um disco cuja única relação que tem com o trabalho dessas bandas [TESSERACT, PERIPHERY] é o groove e o peso das afinações graves das guitarras. 

A exigência que este género poderá impor está relacionada com a profunda remodelação que operaram na formação do grupo há cerca de um ano? Alguém não estava à altura ou este é um projecto para ser levado extremamente a sério e alguns não estariam disponíveis para sonhar com voos mais altos? 
Não só mas também. Estamos numa fase e vivemos num país em que para se obter seja o que for dentro da área da música (e nem vou mencionar a área do metal) é preciso imenso esforço e dedicação. Compreendo e aceito que nem toda a gente tenha essa disponibilidade, mas eu tenho que levar o projecto para a frente. Por isso, amigos na mesma, mas preciso de malta que se sacrifique por isto.

Sendo que todo este trabalho foi produzido pela própria banda - ou por si, concretamente -, estão plenamente satisfeitos com o resultado final? Até porque este é um estilo com uma sonoridade muito própria, nomeadamente em termos de guitarras. Foi difícil "sacar" o som certo para este disco?
Este disco foi um autêntico pain in the ass. Em termos instrumentais, o disco está "pronto" há já mais de um ano. A separação dos originais CLUTTER, a troca de vocalistas, o Verão que se passa todo a tocar covers aqui e ali para se ganhar algum dinheiro, tudo isso aumentou o delay deste lançamento. O grande problema é quando uma pessoa está durante tanto tempo a trabalhar num disco como estes, os ouvidos começam a saturar. As coisas que ontem estavam bem, hoje já soam mal; a bateria estava assim mas afinal até soa melhor "assado"; aquele riff que estava bem tocado afinal tinha lá aquele "pregozinho" que só se nota quando se faz mute ao resto dos instrumentos; etc. Isto aliado à troca de vocalistas, que implicou a reestruturação de letras e melodias vocais, tornou o processo bastante penoso, como já referi. Para mim o disco tem falhas que serviram como aprendizagem e a solução seria regravar o disco todo de novo, o que, para o meu bem-estar físico e psicológico, seria impensável e impraticável. Ainda assim gosto muito dele, é um disco que conta uma história de barreiras que, com a ajuda dos "clutterianos" que trabalham comigo, consegui ultrapassar.


Acham que este é um produto, indiscutivelmente, para ser consumido mais no estrangeiro do que em Portugal? Como antevêem o vosso futuro agora que é preciso promover o disco? Como será arranjar concertos, especialmente em Portugal?
Creio que é um disco acessível, muito graças à voz do João, mas sei que estamos num negócio complicado. Estamos a tentar "vender" metal com vozes clean, num país em que os poucos metaleiros que existem são, na sua maioria, conservadores. No entanto, acredito que, com trabalho e actuações bem preparadas, os CLUTTER chegarão aos ouvidos de mais pessoas. Quanto à promoção do disco e concertos ao vivo, estamos em fase de estudo. Sim, nós estudamos e trabalhamos diariamente! Todos os dias nos reunimos por Skype para discutir este tipo de assuntos e em breve haverão novidades da nossa parte!

Muitas vezes se levanta a crítica de que este é um género fértil em arranjos e técnica, mas parco em estruturas que fiquem facilmente na memória. Concorda? É fácil criar um "hino" dentro deste género ou é tudo apenas uma questão de gosto?
Pois, essa é uma questão um pouco subjectiva. Eu sempre gostei de melodias que ficassem no ouvido e o meu objectivo para este álbum foi criar uma sonoridade pesada com riffs elaborados aliada a refrões orelhudos com letras profundas. Agora se isso funcionou? Veremos como o público reage quando tocarmos os novos temas ao vivo. Pelo menos eu sei as letras de cor!

Como classificam a importância do EP «Emergence» no vosso trajecto? Aparentemente também passou algo despercebido ao público nacional. Mais uma vez, foi uma aposta com a mira no público estrangeiro? E quais foram as reacções internas?
O «Emergence» foi uma espécie de teste com o objectivo de ver o que conseguíamos fazer com um computador, uma guitarra de sete cordas barata e uma interface da Line6. A aceitação ao disco foi algo mind blowing, visto que foi produzido em condições quase hilariantes, com um portátil velho e a "crashar" por todo o lado. A diferença do processo de gravação do anterior EP para o novo álbum foi a aquisição de um computador decente. Em relação à divulgação desse EP, nós não pensámos bem nisso sequer, foi quase uma brincadeira no computador que começou a soar bem e nós, todos contentes, íamos ensaiar aqueles grooves malucos para ver o que acontecia. Entretanto, começámos a dominar o esquema dos contratempos e estávamos com muita vontade de tocar por aí, o que, infelizmente, durou pouco tempo devido à separação. No entanto, não acho que o «Emergence» tenha propriamente passado ao lado de toda a gente, visto que tivemos excelentes críticas em várias publicações, incluindo na portuguesa LOUD! onde fomos considerados uma das cinco melhores bandas não assinadas, e no site Got-Djent.com, onde o nosso EP foi considerado, pelos editores, um dos melhores lançamentos do ano 2012.

Apesar de estarmos a falar várias vezes na suposta impermeabilidade do público nacional ao vosso som, a verdade é que até cantam em português!
A ideia original era isso ser uma participação do João [Vendeirinho, vocalista] enquanto músico convidado, que na altura era vocalista dos BRAÇODEFERRO, uma banda de rock/metal portuguesa e em português. Entretanto, o Ricardo [Duarte] abandonou a posição de frontman, o João ficou com esse papel e a parte em português manteve-se.

O conceito que abordam no álbum tem algum paralelo com a realidade actual? Falem-nos da sua concepção. Quem foi o autor da ideia? Algum filme ou série vos inspirou, por exemplo?
Há já muito tempo que queria escrever um álbum conceptual, for the fun of it. O álbum começa com a nossa heroína de um futuro não muito distante a ser presa, condenada a ser adormecida, petrificada num sonho induzido para toda a eternidade. A narrativa do álbum passa pelo processo de aceitação do seu destino cruel até à sua libertação à lá chosen one. Eu sou um consumidor assíduo de séries e filmes, e sim, fui um bocado influenciado por várias coisas que vi, sendo que a maior inspiração talvez tenha sido a saga dos livros de «The Hunger Games», cujos filmes me desiludiram um bocado!

Estamos a tentar 'vender' metal com vozes clean, num país em que os poucos metaleiros que existem são, na sua maioria, conservadores.

Com tanta consistência, nunca colocaram a hipótese de lançar este disco por uma editora?
Chegámos a ponderar algumas propostas que nos foram feitas mas achamos que, por enquanto, há algum trabalho que temos de fazer por nós próprios até que o assinar de um contrato seja rentável para ambas as partes. É algo que tem de ser bem pensado.

Facilitar o acesso das pessoas aos discos hoje em dia é a solução mais favorável para se tentar irromper num mercado tão denso, sobretudo para as bandas mais jovens? Recorde-se que Misha Mansoor e o Alec Kahney fizeram um pouco desse burburinho no underground - através de fóruns e sites - quando se formaram há cerca de uma década - altura em que estavam a lançar as primeiras "pedras" sobre este género. É esse o espírito? 
Foi mais ou menos assim que o «Emergence» teve a sua antecipação que o levou a esgotar os downloads gratuitos disponíveis na página do Bandcamp nas primeiras horas após o seu lançamento, o que também aconteceu com o «Obsidian». Na altura, andava pelos fóruns há procura de dicas e a partilhar alguns sons que andava a gravar que eventualmente se tornaram no EP. Porém, hoje em dia já não estou tão presente em fóruns e sites como gostaria de estar.

A banda aposta em três guitarras, não se sabendo ao certo qual será o vosso formato ao vivo. Porquê esta opção? Muitos até dirão que é mais uma forma de se aproximarem do universo PERIPHERY.
Repare-se que os IRON MAIDEN já fazem isso há anos! Coitados, estão a ficar "velhotes" e já ninguém nos quer comparar a eles. Trata-se de tentar reproduzir ao vivo aquilo que se ouve no disco, o mais fielmente possível.

Por fim, já que têm um estilo tão "estrangeirado" (sempre no bom sentido), há alguma banda nacional com a qual se identificam ou apreciam?
Neste momento, sei que há por cá malta a praticar metal síncope com alto nível de complexidade, tal como os NEBULOUS que penso já terem terminado a sua actividade mas que ainda chegaram a lançar um disco altamente elaborado. E dentro de um estilo mais agressivo, os nossos amigos THE VOYNICH CODE que lançaram agora um EP demolidor. Really good stuff!

Nuno Costa


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