SIMBIOSE: entrevista exclusiva com Jonhie
RESISTÊNCIA DE AÇO
O calo tem a
medida de mais de duas décadas de peso desenfreado e actuações incendiárias.
Com a idade a chegar-lhes, a mentalidade irreverente permanece intacta e dá lugar
a discos intensos, um atrás do outro. «Trapped» é a mais recente bomba
armadilhada que nos arremessam e mesmo se aventurando num som ligeiramente mais
higiénico, a essência do seu crust/punk/metal continua sebenta e encardida - sinal
de quem não pretende estagnar. Todo o resto é feito com a descontracção de quem
tem muita quilometragem e sabe porque ainda anda nisto - o puro gozo de tocar.
A prova está no discurso do vocalista Jonhie que explica como o estado da Europa
influenciou este disco e como foi trabalhar pela primeira vez com uma voz, para
além de sublinhar a honra de colaborar com um ídolo de infância e apelar às
novas gerações para não deixarem morrer a "cena" nos Açores.
«Trapped» surge numa altura em que celebram 24 anos de
carreira. Podia-se pensar que a esta altura acusariam algum
"cansaço", mas ouvido o novo disco a resposta é um rotundo não. Com
que espírito partiram para a escrita deste material?
Não é muito
difícil hoje em dia, na situação em que a Europa e o país estão, ter ideias
para letras. O nosso estado espírito é um bocado o de observação sobre o que se
passa à nossa volta. No que respeita a SIMBIOSE
é o que estamos fartos de dizer: enquanto isto fizer sentido e curtirmos estar
uns com os outros, as coisas acabam por sair automaticamente. Nunca voltamos
atrás, é sempre com entusiasmo.
É no fundo a essência deste género musical - a
irreverência -, algo que ainda conseguem manter na vossa idade...
Sim, é aquilo
que curtimos fazer, o caminho é este. Já sabemos as fórmulas para chegar lá,
cada vez é mais fácil compor e já não precisamos de estar tanto tempo na
garagem. Vamos evoluindo.
Já têm as vossas rotinas, portanto...
Sim, mas o que
curtimos mesmo é tocar ao vivo e estarmos juntos. Com isso, vamos também conseguindo
ter sempre material novo para nos mantermos activos. A ideia é essa.
Até que ponto o «Economical Terrorism» serviu-vos de
inspiração para a escrita de novo material?
Com o
«Economical Terrorism» almejámos algo bastante agressivo e sujo, e acho que
isso resultou. Entretanto, tivemos um percalço - a saída do André Matias - e precisámos
de cerca de seis meses para retomar uma actividade normal. Ainda assim, conseguimos
fazer uma tournée e alguns festivais
no estrangeiro, outros concertos em Portugal e Espanha, e assim recuperar desse
período. Realmente estávamos ansiosos por lançar este disco porque depois da
saída do André não tínhamos nada gravado. As novas músicas foram pensadas para
uma voz - já têm coros de um dos guitarristas, etc. Houve uma actualização,
digamos assim. Era o que fazia mais sentido para este registo.
Foi muito difícil adaptarem-se a uma voz, especialmente
para si?
Acaba por puxar
mais por mim, mas por outro lado é diferente, porque as músicas já foram
pensadas para uma voz. Já não tenho que estar a improvisar e adaptar algo que
foi feito para duas vozes, enquanto há músicas que pura e simplesmente não
tocamos ou nos obrigaram a fazer arranjos para ficarem melhor com uma voz.
Vínhamos de dois discos com uma produção mais sueca e suja e agora quisemos realmente mudar um bocado.
E o facto de estar agora sozinho na voz, obriga-vos a
preencher o palco de outra forma?
Eu tomo bem
conta do recado, sou grandinho! [risos] E temos também mais quatro lá atrás.
Era o que dizia, estivemos mais de um ano a tocar com esta formação ao vivo e,
para além da cumplicidade que temos, já nos habituámos a trabalhar desta forma.
Não sentimos a necessidade de adicionar uma pessoa. Resultamos com estas cinco
pessoas e acho que a formação é para durar. Se não for, é porque a vida de
algum deu uma volta inesperada. A formação neste momento é estável.
Quais foram os motivos para a saída do André?
Basicamente foi
ele querer sair um pouco de Lisboa. A vida dele mudou um bocado em termos
amorosos e obrigou-o a sair da capital. Mas ainda há poucos dias estive a falar
com ele. Ele mandou-nos uma mensagem a dar os parabéns pelo disco. Não houve
nenhum atrito. Damo-nos bem, cada um simplesmente seguiu as suas vidas. Ele se
calhar não pode estar tão presente nos concertos, mas temos toda a consideração
por ele. Foi um membro que foi importante para nós, como todos os outros. Não
houve qualquer conflito, estamos nisto para nos darmos bem!
Sobre este novo disco, afirmam ter tentado adoptar uma estética
ligeiramente mais limpa e uma escrita mais arrumada, ainda que o peso continue
lá. Foi uma forma de se testarem?
É um pouco por
aí. Para uma banda com 24 anos, mesmo mantendo o mesmo som, a irreverência e
atitude, acho que é sempre bom os músicos inovarem e experimentarem coisas
novas. Vínhamos de dois discos com uma produção mais sueca e suja e agora
quisemos realmente mudar um bocado. Acho que resultou.
Mas essa mudança não vai ao ponto de ferir
susceptibilidades.
Acho que não. A
nossa identidade mantém-se. Acho que a malta até agradece este tipo de mistura em
vez de uma cena muito suja, porque torna-se menos óbvio. Se calhar com este
álbum conseguimos chegar a pessoas que gostam de cenas mais limpas ou mais
metal, mais hardcore, etc.
É também uma forma de tentarem renovar a vossa legião de
fãs?
Dar um ar
fresco, tem que ser. Já começamos a ter duas gerações nos nossos concertos e
acho que se não nos actualizarmos um bocadinho as coisas tornam-se um pouco
monótonas, tanto para o público como para nós. O disco foi gravado em estúdios
de amigos e a mistura foi toda feita pelo nosso guitarrista, com ajuda do
Paulão. Dizemos o seguinte há bastante tempo: em Portugal não há um estúdio ou
uma pessoa especializada em misturar o nosso tipo de som - ou estão mais
virados para o hardcore ou para o metal, e nós andamos ali no meio. Realmente
tivemos a facilidade de experimentar a auto-produção e resultou.
Apesar das ligeiras mudanças sonoras, não há um single radiofónico neste disco...
Não,
claramente! [risos] Ainda não chegámos a esse ponto e esperamos não chegar.
Fazemos neste disco aquilo a que viemos a habituar o pessoal, mas se calhar de
forma um pouco mais limpa e madura. Quem compra um disco dos SIMBIOSE sabe que não vamos do oito
para o 80.
Como dizia, actualmente não escasseiam tópicos para se
abordar no vosso tipo de música. Como é que se traduz um título como «Trapped»?
Os portugueses estão, de facto, presos numa espécie de ratoeira ou este título tem
um sentido mais abrangente?
Tentamos sempre
criar algo que proporcione diferentes pontos de vista. Sim, acho que as pessoas
hoje em dia não vêem a luz ao fundo do túnel. É uma fase. Falamos desse conceito
das pessoas se esforçarem tanto e não encontrarem uma saída. Em geral, os
portugueses estão um pouco desiludidos e sentem-se presos com as suas próprias
vidas.
E para a juventude desempregada essa luz ao fundo do túnel
parece ainda mais ofuscada...
Sim, até temos uma
letra que fala sobre isso e em que vestimos um pouco a pele dessas pessoas.
Felizmente não estou desempregado, mas conheço pessoas que estão e infelizmente
todos temos um familiar ou amigo que está nessa situação. O tema chama-se «Abismo...»
e versa sobre o desespero dessas pessoas que lutam mas acabam por deitar a
toalha ao chão.
Ainda acha que um disco, nomeadamente de SIMBIOSE, é capaz
de iluminar as mentes das pessoas?
Nós chegámos a
uma idade em que damos mais valor a isso - já não existe aquela maluqueira do
início - e realmente dá-me um gozo enorme ver putos com menos vinte anos que eu
a se identificarem com as nossas músicas e a dizerem que fomos uma influência
para eles. É óptimo ouvir isso, mas não sabemos se um disco nosso vai mudar a
mente das pessoas. Tentamos transmitir as nossas ideias sobre a sociedade em
que estamos inseridos. Os nossos discos não são apenas crítica social, são
também um pouco de contra-informação, apesar das pessoas que gostam do nosso
tipo de som já se identificarem com as nossas letras. Acabamos por conseguir
chegar a outro tipo de pessoas, o que é sempre fixe.
Quem certamente se identifica com o vosso som é o Bri,
guitarrista dos britânicos DOOM, que participa na faixa «"Deixós"
Falar...»...
Crescemos a
ouvir DOOM! É uma daquelas bandas
clássicas para nós, tal como EXTREME
NOISE TERROR. Felizmente, já tivemos outras participações de pessoas com
as quais, há vinte anos, nunca pensaríamos partilhar um palco ou que estariam a
participar num disco nosso. Foi uma grande honra, até porque ele é uma pessoa
espectacular! Conhecemo-nos na primeira vez em que os DOOM actuaram em Portugal, há cerca de vinte anos. Nas suas últimas
datas em Portugal houve uma proximidade maior e eu já conhecia o baterista de quando
actuámos no estrangeiro e também a partir de outros projectos que ele desenvolve.
Eles respeitam o nosso trabalho e nós respeitamos muito o deles. A partir daí,
começámos a manter um contacto mais próximo e esta ideia surgiu. O Bri aceitou
e acho que também está contente! [risos]
Ele já ouviu o disco completo?
Acho que ainda
não, porque este chegou na sexta-feira, mas vamos mandar-lhe.
Só para saber se já vos tinham mandado uns piropos...
Pois... Bom, está
a ser organizado um tributo aos 25 anos dos SIMBIOSE e eles foram convidados. O Bri disse-me que participavam
mas o nosso guitarrista é que tinha que gravar o solo! É uma ideia... [risos]
Em termos editorais, «Trapped» assinala algumas mudanças.
Deixam a Rastilho e passam para a Anti-Corpos...
Foi um bocado o
regressar à base, porque a Anti-Corpos é nossa. Na altura editámos os álbuns
«Naked Mental Violence», «Bounded In Adversity» e um split com DRILLER KILLER.
Depois houve uma época em que não tínhamos tempo para edições e passámos para a
Rastilho e a Major Label Industries. Hoje temos outras condições reunidas e
decidimos ressuscitar a editora. É preciso ter tempo, mas achámos que fazia
sentido adoptarmos este método. Só temos a agradecer à Rastilho e à Major Label
Industries, mas neste momento realmente faz sentido controlarmos os nossos
destinos. Na altura editámos muita coisa - ALIEN
SQUAD, ALBERT FISH, etc... Neste
momento não podemos estar com muitas edições, mas acredito que vamos seguir em
frente com a editora.
As pessoas hoje em dia não vêem a luz ao fundo do túnel.
No próximo sábado estão no Beat Club, em Leiria. Este é o
primeiro concerto desta fase de promoção?
Fizeram-nos o
convite... Trata-se de um concerto integrado no 25º aniversário dos ALIEN SQUAD que se vão juntar de novo
na sua terra natal e são grandes amigos nossos. Começamos aí a divulgar o
disco.
É a estreia absoluta destes temas?
Não, experimentámos dois temas em dois ou três concertos, mas agora vamos meter
bastantes novos a ver se resulta. Acho que podemos contar com casa cheia, até
porque os ALIEN SQUAD também são da
velha guarda.
Depois segue-se o Reino Unido...
Os nossos
discos costumam ser editados em vários países - França, Reino Unido, Holanda,
Brasil - por editoras com as quais vamos mantendo contacto. Para além disso, começámos
a tocar no estrangeiro bem cedo e assim aproveitamos as nossas edições no
exterior para nos promovermos na estrada. Esta será a terceira ou quarta vez que
tocamos em Inglaterra. Participámos no Scum Fest, em Londres, com os EXTREME NOISE TERROR, etc.
Essas experiências têm compensado?
Sim, porque as
coisas são editadas lá. Somos uma banda com uns anitos e a malta já nos
conhece. Também temos a vantagem de ter tantos portugueses em Inglaterra. Mesmo
que os ingleses não compareçam podemos sempre contar com os portugueses!
[risos]
E há também cada vez mais açorianos lá!
Pois... e isso
faz-me lembrar que ainda nunca tocámos nos Açores e na Madeira.
Pode ser que o cenário mude com a liberalização do espaço
aéreo local. Os low-costs poderão ser
uma vantagem caso os açorianos não tenham perdido totalmente o hábito de
consumir música extrema...
O problema é
deixarem as coisas morrer, não se deve deixar de promover iniciativas deste
género nos Açores. Nem que só estejam lá vinte pessoas, pelo menos estão lá
essas vinte! Temos que começar mais ou menos do princípio. A chama é a última a
se apagar e nós temos que motivar as novas gerações, porque daqui a uns anos - mais
uns 30 - também queremos a reforma e isto tem que ficar bem entregue! [risos]
Enquanto pudermos fazer o que gostamos... Às vezes atiramos a toalha ao chão, há
momentos de altos e baixos. Temos as nossas vidas, não vivemos disto e isso
influencia, e realmente o facto de não sermos reconhecidos é muito
ingratificante, mas se calhar as gratificações que o metal ou o rock já nos
deram acabam por compensar. Há malta que gosta de ir à pesca e à caça e nós gostamos
de abanar o capacete! [risos]
E como está a tua carreira com os ASFIXIA?
Também tenho os
CRISE TOTAL. Houve a situação do Rui
Rocker [falecido em Novembro de 2013], por isso, decidimos parar com os ASFIXIA. Neste momento, estou só com os
CRISE TOTAL. Não tocamos muito
regularmente, mas continuo a tocar bateria para não enferrujar. Estou com eles
desde 2008.
Mas há algum projecto para disco?
Estamos a fazer
dois temas novos. Temos aquela situação do vocalista estar em Inglaterra... este
ano está cá, mas pode ir embora a qualquer momento. Estamos um bocado limitados
a isso, mas vamos continuar a trabalhar.
Nuno Costa