photo logopost_zps4920d857.png photo headerteste_zps0e0d15f7.png

SIMBIOSE: entrevista exclusiva com Jonhie

RESISTÊNCIA DE AÇO


O calo tem a medida de mais de duas décadas de peso desenfreado e actuações incendiárias. Com a idade a chegar-lhes, a mentalidade irreverente permanece intacta e dá lugar a discos intensos, um atrás do outro. «Trapped» é a mais recente bomba armadilhada que nos arremessam e mesmo se aventurando num som ligeiramente mais higiénico, a essência do seu crust/punk/metal continua sebenta e encardida - sinal de quem não pretende estagnar. Todo o resto é feito com a descontracção de quem tem muita quilometragem e sabe porque ainda anda nisto - o puro gozo de tocar. A prova está no discurso do vocalista Jonhie que explica como o estado da Europa influenciou este disco e como foi trabalhar pela primeira vez com uma voz, para além de sublinhar a honra de colaborar com um ídolo de infância e apelar às novas gerações para não deixarem morrer a "cena" nos Açores.   

«Trapped» surge numa altura em que celebram 24 anos de carreira. Podia-se pensar que a esta altura acusariam algum "cansaço", mas ouvido o novo disco a resposta é um rotundo não. Com que espírito partiram para a escrita deste material?
Não é muito difícil hoje em dia, na situação em que a Europa e o país estão, ter ideias para letras. O nosso estado espírito é um bocado o de observação sobre o que se passa à nossa volta. No que respeita a SIMBIOSE é o que estamos fartos de dizer: enquanto isto fizer sentido e curtirmos estar uns com os outros, as coisas acabam por sair automaticamente. Nunca voltamos atrás, é sempre com entusiasmo.

É no fundo a essência deste género musical - a irreverência -, algo que ainda conseguem manter na vossa idade...
Sim, é aquilo que curtimos fazer, o caminho é este. Já sabemos as fórmulas para chegar lá, cada vez é mais fácil compor e já não precisamos de estar tanto tempo na garagem. Vamos evoluindo. 

Já têm as vossas rotinas, portanto...
Sim, mas o que curtimos mesmo é tocar ao vivo e estarmos juntos. Com isso, vamos também conseguindo ter sempre material novo para nos mantermos activos. A ideia é essa.

Até que ponto o «Economical Terrorism» serviu-vos de inspiração para a escrita de novo material?
Com o «Economical Terrorism» almejámos algo bastante agressivo e sujo, e acho que isso resultou. Entretanto, tivemos um percalço - a saída do André Matias - e precisámos de cerca de seis meses para retomar uma actividade normal. Ainda assim, conseguimos fazer uma tournée e alguns festivais no estrangeiro, outros concertos em Portugal e Espanha, e assim recuperar desse período. Realmente estávamos ansiosos por lançar este disco porque depois da saída do André não tínhamos nada gravado. As novas músicas foram pensadas para uma voz - já têm coros de um dos guitarristas, etc. Houve uma actualização, digamos assim. Era o que fazia mais sentido para este registo.

Foi muito difícil adaptarem-se a uma voz, especialmente para si?
Acaba por puxar mais por mim, mas por outro lado é diferente, porque as músicas já foram pensadas para uma voz. Já não tenho que estar a improvisar e adaptar algo que foi feito para duas vozes, enquanto há músicas que pura e simplesmente não tocamos ou nos obrigaram a fazer arranjos para ficarem melhor com uma voz.
Vínhamos de dois discos com uma produção mais sueca e suja e agora quisemos realmente mudar um bocado.
E o facto de estar agora sozinho na voz, obriga-vos a preencher o palco de outra forma?
Eu tomo bem conta do recado, sou grandinho! [risos] E temos também mais quatro lá atrás. Era o que dizia, estivemos mais de um ano a tocar com esta formação ao vivo e, para além da cumplicidade que temos, já nos habituámos a trabalhar desta forma. Não sentimos a necessidade de adicionar uma pessoa. Resultamos com estas cinco pessoas e acho que a formação é para durar. Se não for, é porque a vida de algum deu uma volta inesperada. A formação neste momento é estável.

Quais foram os motivos para a saída do André?
Basicamente foi ele querer sair um pouco de Lisboa. A vida dele mudou um bocado em termos amorosos e obrigou-o a sair da capital. Mas ainda há poucos dias estive a falar com ele. Ele mandou-nos uma mensagem a dar os parabéns pelo disco. Não houve nenhum atrito. Damo-nos bem, cada um simplesmente seguiu as suas vidas. Ele se calhar não pode estar tão presente nos concertos, mas temos toda a consideração por ele. Foi um membro que foi importante para nós, como todos os outros. Não houve qualquer conflito, estamos nisto para nos darmos bem!

Sobre este novo disco, afirmam ter tentado adoptar uma estética ligeiramente mais limpa e uma escrita mais arrumada, ainda que o peso continue lá. Foi uma forma de se testarem?
É um pouco por aí. Para uma banda com 24 anos, mesmo mantendo o mesmo som, a irreverência e atitude, acho que é sempre bom os músicos inovarem e experimentarem coisas novas. Vínhamos de dois discos com uma produção mais sueca e suja e agora quisemos realmente mudar um bocado. Acho que resultou.

Mas essa mudança não vai ao ponto de ferir susceptibilidades.
Acho que não. A nossa identidade mantém-se. Acho que a malta até agradece este tipo de mistura em vez de uma cena muito suja, porque torna-se menos óbvio. Se calhar com este álbum conseguimos chegar a pessoas que gostam de cenas mais limpas ou mais metal, mais hardcore, etc.

É também uma forma de tentarem renovar a vossa legião de fãs?
Dar um ar fresco, tem que ser. Já começamos a ter duas gerações nos nossos concertos e acho que se não nos actualizarmos um bocadinho as coisas tornam-se um pouco monótonas, tanto para o público como para nós. O disco foi gravado em estúdios de amigos e a mistura foi toda feita pelo nosso guitarrista, com ajuda do Paulão. Dizemos o seguinte há bastante tempo: em Portugal não há um estúdio ou uma pessoa especializada em misturar o nosso tipo de som - ou estão mais virados para o hardcore ou para o metal, e nós andamos ali no meio. Realmente tivemos a facilidade de experimentar a auto-produção e resultou.

Apesar das ligeiras mudanças sonoras, não há um single radiofónico neste disco...
Não, claramente! [risos] Ainda não chegámos a esse ponto e esperamos não chegar. Fazemos neste disco aquilo a que viemos a habituar o pessoal, mas se calhar de forma um pouco mais limpa e madura. Quem compra um disco dos SIMBIOSE sabe que não vamos do oito para o 80.


Como dizia, actualmente não escasseiam tópicos para se abordar no vosso tipo de música. Como é que se traduz um título como «Trapped»? Os portugueses estão, de facto, presos numa espécie de ratoeira ou este título tem um sentido mais abrangente?
Tentamos sempre criar algo que proporcione diferentes pontos de vista. Sim, acho que as pessoas hoje em dia não vêem a luz ao fundo do túnel. É uma fase. Falamos desse conceito das pessoas se esforçarem tanto e não encontrarem uma saída. Em geral, os portugueses estão um pouco desiludidos e sentem-se presos com as suas próprias vidas.

E para a juventude desempregada essa luz ao fundo do túnel parece ainda mais ofuscada...
Sim, até temos uma letra que fala sobre isso e em que vestimos um pouco a pele dessas pessoas. Felizmente não estou desempregado, mas conheço pessoas que estão e infelizmente todos temos um familiar ou amigo que está nessa situação. O tema chama-se «Abismo...» e versa sobre o desespero dessas pessoas que lutam mas acabam por deitar a toalha ao chão.

Ainda acha que um disco, nomeadamente de SIMBIOSE, é capaz de iluminar as mentes das pessoas?
Nós chegámos a uma idade em que damos mais valor a isso - já não existe aquela maluqueira do início - e realmente dá-me um gozo enorme ver putos com menos vinte anos que eu a se identificarem com as nossas músicas e a dizerem que fomos uma influência para eles. É óptimo ouvir isso, mas não sabemos se um disco nosso vai mudar a mente das pessoas. Tentamos transmitir as nossas ideias sobre a sociedade em que estamos inseridos. Os nossos discos não são apenas crítica social, são também um pouco de contra-informação, apesar das pessoas que gostam do nosso tipo de som já se identificarem com as nossas letras. Acabamos por conseguir chegar a outro tipo de pessoas, o que é sempre fixe.

Quem certamente se identifica com o vosso som é o Bri, guitarrista dos britânicos DOOM, que participa na faixa «"Deixós" Falar...»...
Crescemos a ouvir DOOM! É uma daquelas bandas clássicas para nós, tal como EXTREME NOISE TERROR. Felizmente, já tivemos outras participações de pessoas com as quais, há vinte anos, nunca pensaríamos partilhar um palco ou que estariam a participar num disco nosso. Foi uma grande honra, até porque ele é uma pessoa espectacular! Conhecemo-nos na primeira vez em que os DOOM actuaram em Portugal, há cerca de vinte anos. Nas suas últimas datas em Portugal houve uma proximidade maior e eu já conhecia o baterista de quando actuámos no estrangeiro e também a partir de outros projectos que ele desenvolve. Eles respeitam o nosso trabalho e nós respeitamos muito o deles. A partir daí, começámos a manter um contacto mais próximo e esta ideia surgiu. O Bri aceitou e acho que também está contente! [risos]

Ele já ouviu o disco completo?
Acho que ainda não, porque este chegou na sexta-feira, mas vamos mandar-lhe.

Só para saber se já vos tinham mandado uns piropos...
Pois... Bom, está a ser organizado um tributo aos 25 anos dos SIMBIOSE e eles foram convidados. O Bri disse-me que participavam mas o nosso guitarrista é que tinha que gravar o solo! É uma ideia... [risos]

Em termos editorais, «Trapped» assinala algumas mudanças. Deixam a Rastilho e passam para a Anti-Corpos...
Foi um bocado o regressar à base, porque a Anti-Corpos é nossa. Na altura editámos os álbuns «Naked Mental Violence», «Bounded In Adversity» e um split com DRILLER KILLER. Depois houve uma época em que não tínhamos tempo para edições e passámos para a Rastilho e a Major Label Industries. Hoje temos outras condições reunidas e decidimos ressuscitar a editora. É preciso ter tempo, mas achámos que fazia sentido adoptarmos este método. Só temos a agradecer à Rastilho e à Major Label Industries, mas neste momento realmente faz sentido controlarmos os nossos destinos. Na altura editámos muita coisa - ALIEN SQUAD, ALBERT FISH, etc... Neste momento não podemos estar com muitas edições, mas acredito que vamos seguir em frente com a editora.
As pessoas hoje em dia não vêem a luz ao fundo do túnel.
No próximo sábado estão no Beat Club, em Leiria. Este é o primeiro concerto desta fase de promoção?
Fizeram-nos o convite... Trata-se de um concerto integrado no 25º aniversário dos ALIEN SQUAD que se vão juntar de novo na sua terra natal e são grandes amigos nossos. Começamos aí a divulgar o disco.

É a estreia absoluta destes temas?
Não, experimentámos dois temas em dois ou três concertos, mas agora vamos meter bastantes novos a ver se resulta. Acho que podemos contar com casa cheia, até porque os ALIEN SQUAD também são da velha guarda.

Depois segue-se o Reino Unido...
Os nossos discos costumam ser editados em vários países - França, Reino Unido, Holanda, Brasil - por editoras com as quais vamos mantendo contacto. Para além disso, começámos a tocar no estrangeiro bem cedo e assim aproveitamos as nossas edições no exterior para nos promovermos na estrada. Esta será a terceira ou quarta vez que tocamos em Inglaterra. Participámos no Scum Fest, em Londres, com os EXTREME NOISE TERROR, etc.

Essas experiências têm compensado?
Sim, porque as coisas são editadas lá. Somos uma banda com uns anitos e a malta já nos conhece. Também temos a vantagem de ter tantos portugueses em Inglaterra. Mesmo que os ingleses não compareçam podemos sempre contar com os portugueses! [risos]

E há também cada vez mais açorianos lá!
Pois... e isso faz-me lembrar que ainda nunca tocámos nos Açores e na Madeira.

Pode ser que o cenário mude com a liberalização do espaço aéreo local. Os low-costs poderão ser uma vantagem caso os açorianos não tenham perdido totalmente o hábito de consumir música extrema...
O problema é deixarem as coisas morrer, não se deve deixar de promover iniciativas deste género nos Açores. Nem que só estejam lá vinte pessoas, pelo menos estão lá essas vinte! Temos que começar mais ou menos do princípio. A chama é a última a se apagar e nós temos que motivar as novas gerações, porque daqui a uns anos - mais uns 30 - também queremos a reforma e isto tem que ficar bem entregue! [risos] Enquanto pudermos fazer o que gostamos... Às vezes atiramos a toalha ao chão, há momentos de altos e baixos. Temos as nossas vidas, não vivemos disto e isso influencia, e realmente o facto de não sermos reconhecidos é muito ingratificante, mas se calhar as gratificações que o metal ou o rock já nos deram acabam por compensar. Há malta que gosta de ir à pesca e à caça e nós gostamos de abanar o capacete! [risos]

E como está a tua carreira com os ASFIXIA?
Também tenho os CRISE TOTAL. Houve a situação do Rui Rocker [falecido em Novembro de 2013], por isso, decidimos parar com os ASFIXIA. Neste momento, estou só com os CRISE TOTAL. Não tocamos muito regularmente, mas continuo a tocar bateria para não enferrujar. Estou com eles desde 2008.

Mas há algum projecto para disco?
Estamos a fazer dois temas novos. Temos aquela situação do vocalista estar em Inglaterra... este ano está cá, mas pode ir embora a qualquer momento. Estamos um bocado limitados a isso, mas vamos continuar a trabalhar.

Nuno Costa

www.facebook.com/simbiosecrustband

«Trapped» está nas lojas a 15 de Março pela Anti-Corpos


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...