STORMWIND: entrevista com João Pimentel e Fernando Monteiro
VENDAVAL DE IRREVERÊNCIA
Como espaço atlântico
recluso na sua geografia e cultura, os Açores demoraram algum tempo até importar
o peso que brotava da cena alternativa dos Estados Unidos e Inglaterra desde a
década de 70. Pese embora houvesse quem atentasse ao que se passava musicalmente
nesses mesmos recantos, o rock no ponto mais ocidental da Europa só começou a
ser explorado a partir da segunda metade da década de 80, ainda que com a timidez de um restrito grupo de jovens que ainda agora começava a aprender os primeiros acordes. Os BLACK DIAMOND (mais tarde
WREK AGE) são tidos como a primeira banda de heavy metal do arquipélago e pouco
depois os STORMWIND surgiram para ajudar a construir o que a partir da década
de 90 se tornou num movimento realmente amplificado em termos de quantidade e
peso. Da pacata e árida ilha de Santa Maria são arremessadas algumas das primeiras canções rock da região e ainda que escasseiem os registos daquela altura,
é do senso comum que o quinteto de Vila do Porto teve uma influência elementar
na moldagem do público e dos músicos afectos a esta sonoridade. Com os hábitos e costumes a se
alterarem de sobremodo nos últimos anos, a história do rock nos Açores carece cada vez mais de um registo que a imortalize. Daí que o longo e rico
testemunho que se segue - assinado por João Pimentel [vocalista] e Fernando Monteiro [baterista] - se torne absolutamente imprescindível e prometa uma palpável e entusiasmante viagem a outros tempos (de ouro).
Os STORMWIND
formaram-se quando e onde?
João Pimentel: No Verão de 1987 na Baía dos Anjos, em Santa Maria.
Fernando Monteiro:
Na altura, eu, o Carlos [Ribeiro, guitarrista] e o César [Cabral, guitarrista]
tivemos a ideia de criar uma banda e aprender a tocar a música que adorávamos.
Tinham, em média, que
idade quando se formaram?
J.P.: Entre
dezasseis e dezoito anos.
Como descreveriam a sonoridade
dos STORMWIND?
J.P.: Original,
mas era essencialmente um hard rockzito influenciado por GUNS N' ROSES, CULT e IRON MAIDEN. Também gostávamos muito
dos METALLICA, KISS e SCORPIONS.
F.M.: Não nos
comparávamos com outra banda internacional nem havia ninguém que nos dissesse
que o nosso som era parecido a alguém.
Na altura, o cenário
musical local era dominado por que tipo de bandas?
J.P.: Em Santa
Maria, só havia bandas de música tradicional ou uma ou duas que tocavam covers. A nível de São Miguel e Terceira
era o thrash/doom metal.
Sendo os STORMWIND a
primeira banda de rock de Santa Maria e uma das primeiras dos Açores, como
descreveriam as vossas ambições na altura, até porque não tinham dados ou
antecedentes que permitissem antever a reacção do público...
J.P.: Tal como foi referido,
não tínhamos termo comparativo. Por isso, todas as aspirações eram próprias
de quem estava a começar e vive numa ilha.
F.M.: No início,
nem pensávamos em qual seria a reacção do público. Queríamos criar uma banda e
achámos que só o facto de o conseguirmos já era uma cena fixe.
No início, a banda
era uma coisa muito levada a sério ou mais na “desportiva”, até porque quando
pensaram em formá-la nem sabiam tocar, certo?
J.P.: Nem sabíamos
tocar, mas a força de vontade de estar num palco, tal como os nossos idolos,
fez-nos ultrapassar isso com muitos ensaios, ouvindo muita música e tirando
partido do bom ouvido de dois ou três de nós. Para além disso, a participação
dos outros quatro elementos em workshops
da Associação Cultural Maré de Agosto (Hot Club) também ajudou muito.
F.M.: Sim, mas ao
mesmo tempo havia sempre a intenção de progredir e aprender mais. Assimilávamos
tudo o que conseguíamos a partir de revistas, discos, etc.
Onde ensaiavam?
J.P.: Na garagem
do avô do baixista, antiga sala de ensaios dos GENTE NOVA, e depois no palco do cinema da zona do aeroporto.
F.M.: Tínhamos a
melhor sala de ensaios que uma banda podia ter - a casa de cinema. Tinha um
palco à maneira e utilizávamos o sistema de som da casa. Às vezes chateávamos
os vizinhos que também gostavam de chamar o chefe da polícia para nos dar umas
"lições" sobre como tocar música rock baixinho!
Como faziam na altura
para adquirir discos, já que as lojas também eram poucas?
J.P.: Ui, isso
era complicado! Gravávamos cassetes quando algum primo vinha dos Estados Unidos
ou do Canadá, numa ida a Ponta Delgada ou Lisboa ou o mais certo era encomendar
à Discoteca Bimotor nos Restauradores, em Lisboa... Bons tempos!
F.M.: Muita coisa
vinha dos Estados Unidos quando familiares nos visitavam, mas as maiores
colecções de metal/rock estavam nas mãos do João, do César e do Carlos. Muitas
cópias em cassete se fizeram...
E relativamente aos
instrumentos, eram também muito difíceis (e caros) de adquirir, presume-se…
J.P.: Simplesmente não havia lojas de música e as primeiras que apareceram tinham preços impossíveis
para quem começava na altura. Mas fizeram-se concertos para comprar
instrumentos, pagaram-se prestações ou comprava-se material quando viajávamos aos
Estados Unidos ou Canadá.
F.M.: Sim, comprou-se
algum material, como guitarras e baixo, quando o Rui [Batista, guitarrista] e o
Pedro [Resendes, baixista] visitaram os Estados Unidos. Eu trabalhava e tinha
pagamentos mensais para a bateria. Outros equipamentos foram adquiridos com dinheiro
que se fazia em espectáculos.
Da vossa formação até
à estreia ao vivo passaram-se quatro anos [em 1991 na discoteca Chaminé]. Isso
deveu-se ao facto de não terem surgido oportunidades mais cedo ou pela
consciência de que não estavam preparados?
J.P.: Pela
consciência de que não era a altura certa, claramente. Preferimos ensaiar
durante dois ou três anos antes de sairmos da garagem.
F.M.: Não
estávamos preparados e com a saída do César, o Toni [Monteiro] entrou e teve
que se adaptar e aprender o material antes da nossa estreia.
Como recordam esse
primeiro espectáculo?
J.P.: Foi mágico!
Como não havia comparação com mais ninguém, para nós foi o máximo! [risos] O
público também achou o mesmo.
F.M.: Lembro-me
de muita visita à casa de banho antes de tocar. O resto nem me lembro...
Ao vivo tinham alguma
característica especial, já que, inclusivamente, ganharam o prémio de "Melhor
Performance ao Vivo" em 1994?
J.P.: Julgo que ganhámos
esse prémio pelo facto de ensaiarmos no palco de um cine-teatro desde cedo.
Isso retirou-nos o "medo do palco".
F.M.: Tínhamos o
João como vocalista. Ele tem um carácter que atrai qualquer público e sabe
falar com a malta.
O Carlos Ribeiro foi
o primeiro a abandonar a banda. O facto de ele ter ido para Lisboa esteve
relacionado com a dificuldade de vingar na música nos Açores?
J.P.: Não, na
altura ninguém pensava em viver da música. O Carlos saiu porque a empresa onde o
pai trabalhava transferiu-o para Lisboa.
A música dos STORMWIND
sofreu alguma transformação pela inclusão do Rui Batista e, posteriormente, do
António Monteiro?
J.P.: Sim, muitas.
O Carlos saiu ainda antes dos primeiros ensaios e depois o César, com a vida que
tinha, com pouco tempo para se dedicar ao seu instrumento (já trabalhava por
turnos), também acabou por sair. Para além de precisarmos de dois guitarristas
quase de uma assentada, conseguimos dois grandes amigos que com mais quatro
bons ouvidos nos fizeram desenvolver ainda mais e rapidamente.
F.M.: Estes dois
sempre tiveram uma ligação a nível de guitarras que até hoje admiro! Ambas as
guitarras tinham um excelente "diálogo" entre si.
Como funcionavam em
termos internos? Havia um compositor principal ou tudo era um esforço colectivo?
J.P.: A nível
musical era mais o grupo num todo. Quanto a letras, era o Fernando e eu.
F.M.: Na maioria, um esforço colectivo. Às vezes alguém trazia uma letra sem música e
trabalhava-se nisso ou alguém trazia um riff sem letra e escrevia-se qualquer
coisa.
Sobretudo componham
originais, correcto?
J.P.: Correcto,
99%...
Nem sabíamos tocar, mas a força de vontade de estar num palco, tal como os nossos idolos, fez-nos ultrapassar isso com muitos ensaios.
As letras versavam
maioritariamente sobre quê?
J.P.: Guerra,
paz, sexo e festa.
F.M.: Assuntos do
presente. Tudo o que os meios de comunicação punham à nossa frente era motivo
para nos expressarmos da forma que sabíamos, quer fosse guerra, fome, abusos,
tirania, etc. Ao mesmo tempo, tínhamos aquela faceta de boa vida e festa.
Conseguem eleger o vosso tema favorito dos
STORMWIND? Havia títulos provocadores e irreverentes como «Sexual Activities»,
«Crack The Party» ou «Breaking The Walls». Falem-nos também das letras. Eram capazes de ferir susceptibilidades?
J.P.: Nunca
ferimos susceptibilidades. Realmente, as letras e titulos eram um
pouco "provocadores", mas na altura e com aquela idade era sobre festa e gajas
que se queria cantar.
Em 1991, segundo
consta, havia já sete bandas marienses. Mais alguma tocava rock? Acham que os STORMWIND
inspiraram, de alguma forma, o movimento local e mesmo o açoriano naquela
altura?
J.P.: Quero
pensar que sim, pelo menos se inspirássemos uma pessoa já era bom. Os AASVERO e os ORTHODOX também tocavam rock...
F.M.: Pois, havia
os AASVERO e acho que os LENDA VIVA já existiam. Acho que
tivemos essa influência. Muitos adolescentes na altura admiravam o
reconhecimento que uma banda deste tipo tinha.
Um dos grandes
momentos da vossa carreira é quando participam no Concurso Pop
Rock 92, em São Miguel, ainda que não tenham ficado satisfeitos com o oitavo lugar.
Acreditam que se passou algo de anormal durante o processo de votação?
J.P.: [risos] Completamente!
Um Coliseu a abarrotar não se via todos os dias, muito menos em concertos de rock
naquela altura. Continuo a pensar, ainda hoje, que a votação foi manipulada de
forma a que as bandas micaelenses ficassem bem colocadas... o que aconteceu. O
próprio público entendeu isso e disse que tínhamos sido roubados! A dois júris
do fim da votação estávamos em segundo lugar (segundo um dos júris) e depois aparecemos em
oitavo... [risos] Valeu a pena pela festa, pelo grande público micaelense e
pela viagem.
F.M.: Para ser
sincero, nem sequer sabia que havia tanta banda com tanta diversidade musical
nos Açores. Foi nesse concurso que me apercebi da existência de bandas como os MORBID DEATH. Acerca da avaliação ou
votação, não me preocupei muito com isso, já que para uma banda de cinco
rapazes de Santa Maria alcançar essa posição já foi obra.
Depois disso realizam dois
concertos memoráveis em São Miguel - no Largo do Colégio, formando a
tríade do rock/metal da altura com os MORBID DEATH e WREK AGE, e no
Festival Julho com Rock perante uma grande moldura humana. Recordem-nos esses
momentos.
J.P.: Uma vez
mais, mágico! Para mim, foi como ir a Lisboa abrir para uma banda de renome! Talvez
tenha sido o primeiro festival rock. Imaginem naquela altura a partilha de
palco, de experiências, de instrumentos (acontece), a utilização de um P.A. a
sério (a MM Music tinha acabado de receber um monstruoso sistema da Dynacord,
acho)... Enfim, estavamos a viver aquilo para o qual criámos a banda.
F.M.: Sim, foram
dois espectáculos inesquecíveis, sem dúvida!
Sendo que dez bandas
regionais conseguiam chamar 7.000 pessoas em 1992, como se consegue entender que
a música local não seja minimamente auto-sustentável e muitas das bandas daquela
altura tenham desaparecido?
J.P.: Continua a
acontecer esse fenómeno actualmente. Naquela altura, como era novidade, havia
grande apoio do Governo no que diz respeito a eventos. É preciso criar-se um
circuito a nível de ilha e depois a nível Açores para que os músicos locais possam tocar. A inclusão de passagens aéreas com tarifas especiais para artistas locais
(músicos, artistas plásticos, etc.) seria muito benéfico e até decisivo para que sejamos conhecidos a nivel regional, pelo menos.
Algo que pode alterar-se com a implementação dos voos low-cost. Como projectam os próximos anos
para os músicos açorianos e mesmo para as festividades e promotores locais?
J.P.: Acho que
vai facilitar a movimentação de artistas a nivel Europa/Açores, mas
principalmente Continente/Açores. No entanto, acho que primeiro temos de fazer os tais circuitos
dentro dos Açores. Não faz sentido uma banda de Santa Maria, por exemplo, começar
e acabar uma "carreira" sem tocar no resto dos Açores e o mesmo se passa com uma banda das Flores.
1992 foi o ano da
afirmação dos STORMWIND. Actuar com nomes nacionais e internacionais na edição
daquele ano da Maré de Agosto deixa-vos muitas recordações?
J.P.: Muitas!
Naquele ano partilhámos o palco com FM,
INFANTES, ROADHOUSE BAND e em 1993
com NASTY BLACK [Canadá] e MORBID DEATH. Foi a mesma sensação que tivemos
no Largo do Colégio, elevada ao cubo...
F.M.: Sim, o
nervosismo de subir ao palco e depois não querermos sair de lá! A Maré de Agosto
foi e continua a ser um dos mais elevados patamares para qualquer artista
regional.
A gravação da vossa
primeira demo aconteceu em Abril de
1993, em S. Miguel, deduz-se por não haver estúdios em Santa Maria…
J.P.: Bruxo!
[risos]
F.M.: Sim, não
havia nada disso.
Há registo de se efectuarem gravações no Caramba... Tratava-se de um estúdio profissional ou do bar com o
mesmo nome?
J.P.: O estúdio
Caramba era do Magalhães dos BUTEO BUTEO
ROTHSCHILDI [onde também figurava Pedro Andrade, actual baterista dos MORBID DEATH] e o produtor foi o Raul
Resendes da RDP [Radiodifusão Portuguesa].
Era muito caro gravar
na altura?
J.P.: Não me
lembro. Acho que foi de graça e só se pagou ao Raul... não sei.
Recordem-nos a vossa
experiência em estúdio. Foi muito difícil/moroso gravar aquela primeira demo?
J.P.: Foi tudo muito rápido. Chegámos de viagem e fomos directamente para o estúdio deixar as nossas coisas e começámos na manhã
seguinte. Tudo tinha que ficar pronto num dia! Lembro-me de fazer as vozes às
três da manhã, depois de ter esperado por todos os outros... Era rock'n'roll, man!
Esse trabalho tinha
nome?
J.P.: Acho que se chamava «SIXtrackDEMO»
em que acrescentámos uns temas ao vivo.
Para além desse registo gravaram ou lançaram mais
material?
J.P.: Não, apenas participámos numa colectânea de novas bandas portuguesas
chamada «Excedentes» [1996]. Tivemos de ir
a Tomar gravar dois temas nos estúdios Digo Dai.
Que impacto teve essa
demo nos meios de comunicação?
J.P.: Era difícil chegar e vencer, tal como hoje. As músicas eram
tocadas na altura e depois desapareciam. Então agora que as rádios só
trabalham com as estúpidas playlists
(toda a gente sabe que estão viciadas), ainda é mais dificil.
Na viragem para os
anos 90 os meios de promoção locais eram muito
limitados. Que estratégias adoptavam para escoar o vosso trabalho fora
dos palcos?
J.P.: Pois, não havia internet nem MP3 nem telemóveis... Enviávamos uma cassete com fotografia, biografia e carta
de apresentação dentro de um envelope e era... rezar!
Alguma vez abordaram ou
foram abordados por uma editora?
J.P.: Não.
Já em meados da
década de 90 a sonoridade adoptada pelos jovens músicos açorianos era
principalmente o metal. Sentiram uma mudança de atitude por parte do público ao ponto de prejudicar a afirmação que os STORMWIND vinham registando até então?
J.P.: Nunca, sempre fomos bem recebidos nas ilhas em que tivemos o
prazer de tocar - São Miguel, Terceira, Faial...
Ainda em 1993 viajam
para São Miguel para participar no programa televisivo «Novas Ondas». Entre outros aspectos, a situação de terem que viajar regularmente para fora da ilha para cumprir compromissos com a banda era vista
com naturalidade ou gerava transtornos, sobretudo a nível financeiro?
J.P.: Essa situação foi sempre bem aceite por nós. Nunca pagámos para viajar a não ser para irmos aos estúdios Digo Dai. Tínhamos
viagens pagas que incluíam cachets e
outras ajudas.
Essa gravação para o
«Novas Ondas» foi também uma experiência nova e provavelmente marcante. Como
surgiu o convite/oportunidade?
J.P.: Julgo que resultou da boa impressão que deixámos no Concurso
Pop Rock e do trabalho ao vivo que estávamos a desenvolver...
Cantavam mais em
português ou inglês? Alguns concursos, como o próprio «Novas Ondas», exigiam
temas em português... Encaravam essa situação com normalidade?
J.P.: Tínhamos apenas dois temas em português exactamente para participarmos nesses concursos. Mas não, não achávamos bem ou normal.
Falem-nos do impacto que tinham essas iniciativas e outras similares na altura...
J.P.: O «Novas Ondas» foi a única iniciativa que deu a conhecer
aos Açores o que a sua juventude fazia em termos musicais. De outra forma nunca
sairiam da sua ilha.
De 93 a 94 actuaram
várias vezes sem o baixista Pedro Resendes. Havia substituto ou actuavam mesmo sem esse instrumento?
J.P.: O Pedro estava na tropa naquela altura e tivemos de entregar o
baixo aos guitarristas que tocavam alternadamente as malhas que podiam ser
tocadas só com uma guitarra. Até eu toquei baixo uma vez e tiveram de fazer um
arranjo de forma a que eu tocasse só com uma das cordas. Havia até autocolantes no
braço do baixo para que eu não me enganasse! [risos]
1994 abre com o
concerto no Tempestade de Janeiro - foi mais um festival "bandmade". Tal como hoje, eram as bandas que tinham que assumir a
promoção e organização dos eventos para que pudessem ter mais oportunidades? Não
havia esse interesse/apoio por parte das entidades públicas ou privadas?
J.P.: Sim, tínhamos de fazer tudo - o palco, a decoração, tocar,
desmontar, atirar foguetes e recolher as canas.
Era muito difícil encontrar um sítio para tocar?
J.P.: Um pouco. Tínhamos as festas de Verão, da Câmara Municipal
de Vila do Porto, da escola, e quando não havia nada, organizávamos nós.
Sendo o «Novas Ondas»
um projecto criado em São Miguel, estranham que a sua primeira edição ao vivo
tenha ocorrido na ilha Terceira?
J.P.: Se bem me lembro, essa era para ter sido realizada em Ponta Delgada,
mas foi cancelada. Depois, fomos chamados para actuar na Terceira, no Porto das
Pipas. Deve ter sido das primeiras vezes em que se montou lá um palco, pelo menos
naquela posição, e foi um sucesso. Ainda hoje pessoas que não conheço vêm ter
comigo na rua para falar do assunto. Por isso, deve ter marcado...
O último concerto dos
STORMWIND, em maior escala, teve lugar precisamente na segunda edição do «Novas
Ondas», em 1994, em São Miguel. Foram para esse concerto já com a
decisão de encerrarem a carreira? Quais foram as razões para essa "reforma antecipada"?
J.P.: Mal sabíamos nós, mas ainda bem que assim foi. Actuámos
como se se tratasse de outro concerto qualquer e demos o nosso melhor, como
sempre. A banda desfez-se porque o Fernando foi para o Canadá e os dois
guitarristas foram estudar para São Miguel.
Entretanto, haveria
ainda um último concerto na sequência da gravação do tema «Racism Sucks» para a
colectânea «Excedentes», que consta ter ocorrido em Tomar, tal como a gravação do tema. Como foram vividos esses dois momentos?
J.P.: Deve haver alguma confusão, não fizemos nenhum concerto em
Tomar, apenas gravámos. No entanto, para lá irmos, fizeram-se concertos - a Câmara Municipal ajudou e depois pés ao caminho. Alugou-se uma carrinha de
nove lugares e uns quartos numa residencial enquanto lá estivemos e a estadia
em Lisboa foi em casa de amigos. Era sempre tudo contadinho até ao último
escudo.
Quase como que numa onda
revival que despoletou no novo
milénio, também os STORMWIND realizaram um espectáculo comemorativo dos seus vinte anos, em 2008, no salão de festas do Clube Asas do Atlântico. Correu como esperavam? O público ainda reconhece e aplaude os vossos êxitos?
J.P.: Correu muito bem! Estavam todos os membros originais,
incluindo o Fernando que veio do Canadá, bem como as famílias e os filhos de
alguns de nós que ficaram surpreendidos com tamanha surpresa e energia em
palco. Catorze anos e quatro ensaios depois fez-se a noitada de rock.
Esse espectáculo não
aguçou a vontade de voltarem a tempo inteiro?
J.P.: Falou-se em algumas datas pelos Açores, mas é complicado
devido aos empregos de cada um, famílias, viagens internacionais...
Qual terá sido o
momento ou o concerto mais marcante (pela positiva e negativa) ao longo da
vossa carreira?
J.P.: Para mim, foi o concerto da Praia do Pópulo, em Ponta
Delgada, com uma plateia estimada de 7.000 pessoas e um engarrafamento automóvel de
proporções gigantescas! Pela negativa, nenhum.
Éramos mais sonhadores porque tudo era feito com esforço e garra.
Ficou-vos alguma
ideia/projecto por cumprir?
J.P.: Talvez o álbum/CD...
Não existe qualquer hipótese disso ainda acontecer, agora que as tecnologias permitem trabalhar à distância?
J.P.: Temos falado
sobre isso pontualmente, mas sempre de forma muito vaga. Todos temos as nossas vidas e alguns já não vivem a música da mesma forma. O Fernando agora está mais dedicado à
produção musical. Quem sabe um dia...
Alguma vez enfrentaram situações de conflito no seio da banda?
J.P.: Claro, tal como num casamento e com oito pessoas a viajar e a
trabalhar juntas, vão existir sempre alguns "picanços"...
Como definiriam,
musical e pessoalmente, os membros dos STORMWIND?
J.P.: Isso parece a revista Maria! [risos] Não sei... éramos todos
amigos, amantes de música, cerveja e bons momentos. Todos, menos eu, acabámos por ter algum domínio musical em notas, escalas, etc., e, por momentos, falávamos numa linguagem muito própria e que me fazia sentir um pouco à parte, e ainda faz.
Como éramos todos basicamente da mesma idade e com os mesmos gostos musicais,
não havia muitos "choques" no grupo. É claro que numa banda temos
sempre o atrasado (horários), o dorminhoco (por acaso era o mesmo), o que come
mais, o que fuma mais, o que bebe mais (era mais do que um)... Enfim, como os
sete anões! [risos]
Ainda hoje mantêm
contacto regular entre si?
J.P.: Sim, com todos. Trabalho com dois deles e quatro de nós
estão em Santa Maria.
Ainda guarda religiosamente a demo que lançaram
e/ou outros itens relacionados com a vossa carreira?
J.P.: Sim, guardei tudo o que pude - cartazes, bilhetes, t-shirts, fotos, recortes de jornais,
etc.
Tem saudades daqueles
tempos?
J.P.: Muitas, principalmente das viagens e dos hotéis, dos
restaurantes, do tratamento que recebíamos em todo o lado e que nos fazia
sentir bem e dar o máximo nos concertos.
Apesar de alguns membros da banda já não viverem a música como dantes, como se mantêm ligados a esta área?
J.P.: Estou agora numa banda de covers e o guitarrista é o nosso técnico de som. O Fernando, no Canadá, tem várias bandas, incluindo uma de country. Os outros dois deixaram-se disso
completamente.
Daquilo que lhe foi
possível acompanhar, que análise faz do desenvolvimento/evolução do cenário
rock/metal açoriano, tanto a nível de bandas como de todos os elementos/órgãos/entidades
que fazem mover este presumível circuito/mercado?
J.P.: Boa pergunta e que dava para uma boa conversa (e umas
cervejas). Vou tentar ser sucinto. Julgo que muitas coisas deram uma volta de 180
graus, outras nem tanto. As bandas hoje têm acesso a tudo o que não tínhamos
(pareço um velho a falar), tal como lojas de instrumentos com preços para
vários bolsos, lojas de instrumentos online,
instrumentos baratos, DVDs instrucionais, MP3, distribuição online da sua própria música, mais bares onde tocar... Enfim, hoje
em dia existe a possibilidade de se ter tudo o que se quer de forma mais
barata, mais rápida e com maior qualidade. Apesar disso, não se está a utilizar esses meios no seu maior potencial, como, por exemplo, para as bandas divulgarem a sua música. Como
promotor não recebo praticamente contacto algum de bandas regionais a proporem-se
para o festival [Maré de Agosto]. Quanto
aos locais com condições para concertos, julgo que os proprietários dos bares e
afins deviam organizar-se para criar um circuito mensal em que as bandas tocariam/"rodariam" em todos eles. Podia-se criar um site
ou fazer um panfleto de distribuição gratuita para o público poder escolher e
fazer os seus planos. Vi isso na Galiza, em Espanha, onde têm tudo muito bem
organizado. Inclusive, alguns locais têm estadia, caso bebam a mais, ou
transporte para que não conduzam até ao destino. Neste caso, não haveria
concorrência entre os proprietários das casas, porque todas as bandas acabariam
por tocar em todas elas. Quanto a
entidades, julgo que não devem nem podem financiar directamente nenhum
projecto, mas podem criar condições para que estes projectos possam actuar
pelos Açores. Como? Criando eventos para o efeito, convidando as bandas açorianas
para, pelo menos, abrirem as bandas nacionais e internacionais, e, acima de
tudo, criar uma tarifa de grupo/artista (com um regulamento próprio, eficaz e
funcional) que dê a possibilidade, tal como acontece no desporto, de viajarem,
pelo menos entre as ilhas. Não se compreende que grupos com anos de carreira
não tenham actuado em mais de uma ou duas ilhas ou mesmo nenhuma que não a sua.
A eterna questão do
"antigamente é que era" em contraponto com o dito de que actualmente os jovens
não vivem o rock/metal da mesma forma, tem algum cabimento?
J.P.: Algum. Hoje em dia, com tudo o que têm à disposição - internet, estúdios caseiros, MP3, e-mails, etc. - não fazem o suficiente nem o aproveitam.
Sente que o rock/metal
regional perdeu identidade?
J.P.: Não, acho é que nunca saiu da cepa torta.
Entende que as pessoas e
os músicos eram mais sonhadores na altura? Havia aquela crença de que uma banda
açoriana ia gravar e vingar à escala mundial?
J.P.: Éramos mais sonhadores porque tudo era feito com esforço e
garra. Quanto à escala mundial... well,
you never know! Vejam a Susan Boyle [cantora escocesa de 53 anos que se
notabilizou no concurso televisivo «Britain's Got Talent»], todos se riram
quando ela apareceu...
É essa falta de garra
que faz com que as portas estejam ainda fechadas para o rock/metal local?
J.P.: É complicado em ilhas pequenas, mas em ilhas como a Terceira
ou São Miguel poderiam fazer um esforço entre diferentes entidades e criar o
tal circuito.
Acredita que os
músicos actualmente estão mais desenvolvidos tecnicamente e/ou conscientes do
que é o showbiz em relação à década
de 90?
J.P.: Muito mais! Hoje em dia, para aprendermos uma malha vamos à internet buscar a tablatura e com sorte encontramos um filme com um indivíduo a ensinar como fazer tudo passo a passo.
O facto de já ter dirigido o festival Maré de Agosto traduz-se numa extensão da sua paixão pela música?
J.P.: Dirijo-o com outras oito pessoas. Não, não tinha
qualquer pretensão de vir a ser o
presidente. Gosto mais de pôr a "mão na massa" e do backstage. Aconteceu porque era o vice-presidente
e o presidente pediu para sair. Depois, como não apareceu uma nova lista, apresentámos
uma nova para acabarmos o que tínhamos começado. Porém, acho que veio por arrasto,
pois ajudo no festival desde muito novo, para além deste ser o outro lado da
música.
Sente que a
experiência que angariou como músico fá-lo ser melhor promotor de eventos?
Ganha-se outra sensibilidade?
J.P.: Sem dúvida. Saber o que os músicos precisam ou pensam e antecipar certas situações pode evitar algumas ocorrências e fá-los sentir
mais relaxados durante a sua estadia/actuação. Mas atenção, não me considero um
promotor. Faço parte de uma associação que, entre outros eventos, organiza este
festival.
Estará eventualmente em
condições de afirmar que a música regional não atrai muito público, uma vez que esta não tem um contingente substancial na Maré de Agosto? Como se poderia inverter essa
situação?
J.P.: Desculpe, mas não sou eu que o digo. Se estivessem minimamente informados veriam que tentamos ter (e temos tido) pelo menos uma
banda açoriana no cartaz anualmente. O que se passa é que o mercado açoriano é
ainda pequeno e não podemos estar sempre a repetir as mesmas bandas só porque
editaram um novo álbum. Por outro lado, estas bandas têm de ter um grau de
qualidade e som que se integre minimamente no cartaz que está agora mais virado
para a world music. Por outro lado ainda, como já referi, recebemos muito
poucos contactos e os que recebemos são sempre das mesmas bandas, ano após ano,
e se entendermos que nehuma se enquadra no cartaz...
Nuno Costa