WREK AGE: entrevista com João Medeiros
3, 2, 1... REVOLUÇÃO
Como é recorrente, a discussão sobre a origem de
um género musical estará sempre refém de uma certa subjectividade. A forma como
se recolhem e fundem influências musicais é sempre um exercício de
espontaneidade mais ou menos inconsciente, mas certo é que daí se definem
fronteiras e alargam horizontes. Neste caso em particular não é a criação
propriamente dita que está em causa, mas sim a primeira semente de uma geração
de músicos, abnegados na sua militância insular, que elencaram três décadas de
sonoridades pesadas nos Açores - com ou sem o consentimento de um povo
arraigado noutras tradições. Estávamos em 1985 quando cinco micaelenses se
juntaram para quebrar o verniz que adornava os grupos de baile, ainda que só
mais tarde, então como WREK AGE, assumam uma entidade mais personalizada. Para a
posteridade fica apenas uma demo -
«We Love It Loud» - e uma série de espectáculos que serviram para abrir as
mentes e os ouvidos dos locais à irreverência e distorção do rock. Numa altura
em que se perdeu algum respeito pelas raízes e a história ameaça perder-se num
frenesim de consumismo oco, recordar o percurso
daquela que foi a primeira banda açoriana de hard'n'heavy é mais do que uma homenagem - uma necessidade de nos compreendermos e projectarmos o
futuro. Quase 23 anos depois do seu desaparecimento, aqui fica a entrevista que faltava sobre a origem, os sucessos, os dramas, os sonhos e a personalidade por trás dos pais da música pesada açoriana (com acesso exclusivo a fotos e temas nunca editados).
Em 1985 fundam os BLACK DIAMOND que viriam a
tornar-se nos WREK AGE três anos depois. Quais eram as motivações naquela
altura para se criar um projecto alternativo, não obstante sem ser muito
agressivo? Era um sinal típico de irreverência juvenil?
Na altura, em Janeiro
de 1985, quando formámos a banda, tínhamos a ideia de tocar originais, mas não
tínhamos uma ideia completamente formada do que queríamos tocar, nem do rumo a
dar à banda. Os membros fundadores - o Paulo Jacob e o Zé Manuel Faustino -
convidaram-me para participar e foi com muito gosto que aceitei. As motivações
para tocarmos eram muitas, mas a principal era sermos diferentes do usual.
Existiam principalmente conjuntos de baile e pouco mais e queríamos ser
diferentes. No entanto, chegar a esse objectivo era mais complicado - em 1985
era tudo mais calmo do que agora. Chamar-nos rebeldes era ir um bocado longe.
Ainda não tínhamos chegado lá.
Tinham, em média, que idades?
O mais velho era eu, com vinte anos, e os
restantes com dezassete e dezoito anos, se não me falha a memória...
Uma vez que é praticamente impossível encontrar
um registo musical vosso, peço-lhe uma descrição detalhada sobre a vossa
sonoridade, incluindo da fase BLACK DIAMOND.
No início, embora sendo fãs de hard'n'heavy,
estávamos um bocado
sem saber como começar. Começámos com uma canção marcadamente pop rock, «O Som
da Canção», e fomos gradualmente crescendo para o que queríamos,
ainda na fase BLACK DIAMOND.
Passados três anos, já na fase WREK AGE,
entrámos no nosso melhor período, já totalmente embrenhados no nosso som
hard'n'heavy.
O nome WREK AGE teria alguma inspiração no álbum
de 1985 dos TYGERS OF PAN TANG?
O nome que escolhemos no início da banda foi
retirado do primeiro LP dos KISS,
precisamente «Kiss». O nosso vocalista da altura, o John Almeida, era um grande
fã da banda norte-americana e gostámos muito do nome. Já WREK AGE nada teve a ver com os TYGERS OF PAN TANG. Foi escolhido porque sintetizava a nossa
evolução, tanto no som como na atitude. Achámos que era um nome forte e que
falava dos problemas do nosso mundo - traduzindo, "idade da
destruição". Tão simples como isto!
O que vos levou então a alterar a vossa
designação? As mudanças de formação, a procura por um melhor enquadramento com
a vossa sonoridade?
A mudança de nome aconteceu numa fase em que
decidimos apostar forte no nosso som, decididamente mais pesado e em que a estabilidade
da formação na altura também contribuiu. Anteriormente, aconteceram demasiados
episódios de mudanças de vocalista, de viola solo e de locais para ensaio que
não contribuíram para a desejada estabilidade.
Sabendo que não havia qualquer antecedente local
em termos de metal e/ou referência sobre a possível reacção que o público podia
ter, que aspirações/convicções tinham quando decidiram criar a banda? Era uma
coisa muito levada a sério ou mais na "desportiva"?
No início era ver no que dava. Apostámos
principalmente no nosso prazer em tocar o que gostávamos, tanto a nível de covers como de originais, e nunca
tivemos reacções más, antes pelo contrário. Principalmente, a juventude aderiu
muito bem ao nosso som e às nossas músicas. Posso dizer que fomos ao
encontro daquilo que a pessoas desejavam: alguma atitude e novas sonoridades.
Levávamos muito a sério a nossa música! Tínhamos muitos sonhos e aspirações,
mas os tempos eram difíceis.
E essa boa aceitação estendeu-se à vossa
restante carreira? Ninguém se assustava por serem, eventualmente, muito pesados
para aquela altura?
Numa opinião muito pessoal, acho que sempre
tivemos boa aceitação. Principalmente a juventude da altura parecia desejar uma
banda como a nossa. Havia, como tudo na vida, alguém a estranhar o nosso som,
mas sempre fomos bem aceites, em todos os nossos espectáculos. Corremos a ilha
de ponta a ponta e nunca tivemos muito do que nos queixarmos, antes pelo
contrário.
Fomos ao encontro daquilo que a pessoas desejavam: alguma atitude e novas sonoridades.
Para além das bandas de baile, que tipo de
projectos comandavam o mercado em meados e finais do anos 80?
Bandas de covers,
bandas pimba (termo ainda não usado na altura) e bandas de música de cariz
regional e popular. Nada de muito apelativo para a juventude, diga-se.
Era muito difícil encontrar locais e eventos
para tocar?
Um dos nossos principais problemas era arranjar
sítios para ensaiar. Saltitámos muito ao longo da nossa existência. Só já numa
fase mais adiantada é que conseguimos estabilidade. Sempre fomos fazendo
espectáculos, tanto em Impérios do Espírito Santo como nas festas de freguesia.
O INATEL, pela mão do Sr. Luís Amaral, também contribuiu para muitos dos nossos
concertos e palmilhámos a ilha, dando a conhecer a nossa música.
Como correu o vosso primeiro espectáculo?
Actuámos pela primeira vez no primeiro Festival
da Juventude Comunista Portuguesa e a coisa correu-nos tão bem que ficámos em
primeiro lugar com a música «O Som da Canção». Estávamos a três de Março de
1985, nem tínhamos dois meses de existência. O prémio foi actuarmos na Festa do
Avante e foi uma aventura e uma lição que nos marcou para sempre.
E de entre todos os vossos concertos, qual o que
recordam como o vosso melhor de sempre?
Para mim, o melhor concerto e o mais marcante
aconteceu na Casa do Povo da Ribeirinha. Sala completamente cheia, ambiente
muito bom e algo nos dizia que ia ser diferente. E foi! Quando começámos,
aquilo explodiu. Nem queríamos acreditar. Sentimo-nos quase como vedetas e é
certo que estávamos num dia em que poderíamos tocar toda a noite, tal foi a
recepção. A partir daquele momento, começámos a acreditar muito na nossa
música. Outros elementos da banda podem ter uma opinião diferente, mas este
para mim foi o nosso momento mais marcante.
E no plano negativo ou insólito, algo a registar?
Momentos negativos temos tendência a esquecer,
mas o mais insólito aconteceu, julgo, em Santa Bárbara. Tínhamos um gravador de
bobinas no qual estavam gravados uns efeitos especiais para os nossos inícios
de espectáculo. O nosso técnico de som, o António Fragata, pô-lo a rodar e
iniciámos o show, que correu muito
bem. No entanto, ele esqueceu-se de desligar o gravador e as bobinas rodavam e
rodavam... No final do concerto, houve pessoas que juraram a pés juntos que
estávamos a tocar em playback! Foi
engraçado e ao mesmo tempo um elogio enorme à nossa maneira de tocar e à nossa
música.
No final dos anos 80 e início dos 90, os meios
de promoção locais eram muito limitados para este género em específico. Como
faziam para escoar/promover o vosso trabalho fora dos palcos?
Não
havia Internet ou lojas de música como há hoje, mas havia revistas e jornais e
era através destes meios que nos fomos dando a conhecer na medida do possível. No
entanto, era muito complicado. Com a ajuda de amigos, criámos o Fan Club Metal
Kings II e chegámos a editar a primeira edição da fanzine Chama Eterna. No início era para ser mensal, mas ficou-se
somente pelo primeiro número. Vendemos umas quantas para vários sítios,
incluindo o Continente, e recebemos boas críticas. Era a Internet da altura!
E como conseguiam estar informados em termos
musicais e adquirir os vossos discos preferidos?
Eu
comprava muito o jornal Blitz e toda e qualquer revista de música. Ainda guardo
muitas delas, principalmente a Metal Hammer. Comprava muito por
correspondência. Qualquer loja anunciada no jornal ou nas revistas servia para
entrar em contacto e geralmente adquiria os meus LPs assim.
Que bandas vos inspiravam na altura?
IRON
MAIDEN, WHITESNAKE, AC/DC, KROKUS, DOKKEN, KISS, SCORPIONS, VAN HALEN, DEEP PURPLE, etc. Chegámos a tocar várias covers,
principalmente dos WHITESNAKE, AC/DC, KROKUS, DEEP PURPLE e outros grupos.
Relativamente aos instrumentos, eram também
muito difíceis e caros de adquirir?
Quando
começámos foi muito difícil. Não havia a quantidade que há hoje, tanto a nível
de lojas como de instrumentos, e era tudo muito caro. Para dar uma ideia, não
se comprava uma viola por menos de 100.000 escudos (500.00 euros). Hoje, já se
consegue isso por um quinto do preço.
Chegaram a lançar, pelo menos, uma demo - «We Love It Loud» - em 1990. Quer
recordar-nos como foi o seu processo de composição, gravação e consequente
promoção, com respectivo feedback que
possam ter recebido? Uma review da altura até referia que era pena serem dos Açores...
Já
por diversas vezes tínhamos tentado a gravação de uma demo, mas tal nunca foi possível. Chegou finalmente o dia em que as
condições mínimas ficaram reunidas. O Carlos Frazão, conhecido músico de São
Miguel, tinha material de gravação e teclados. Ele ensaiava por cima de nós,
onde hoje é o Hotel Camões. Falámos com ele e lá montámos um estúdio
improvisado. O processo foi relativamente fácil e rápido. Praticamente foi tudo
gravado ao primeiro take e gravado ao
vivo, sem truques nem nada de especial. O que saiu foi aquilo que se ouve. As
músicas gravadas, das muitas que tínhamos, foram escolhidas por representarem o
nosso som na altura, embora muitas outras pudessem ter entrado na gravação. Quanto
à promoção, foi feita basicamente por conhecimentos, através de fanzines nacionais e contactos promovidos
com as mesmas. Tivemos sempre óptimas críticas, tanto de pessoas como de
revistas, e do Blitz, que escreveu uma crítica particularmente lisonjeira. Devo
ter tudo isso guardado, mas não me lembro onde! Viver nos Açores é muito bom,
mas é um entrave em muitas situações, principalmente na música.
Na época em que surgimos, quando não havia bandas de hard'n'heavy, era tudo ingénuo, mais da alma e dos sentimentos.
Uma das poucas reviews disponíveis online
sublinham o profissionalismo da produção...
Acho
que, para a altura em que foi gravada e nas condições em questão, fez-se um
autêntico milagre. Comparando a nossa demo
com outras que recebíamos, a nossa tinha um som mais nítido e cativante. Devemos
nesse aspecto muito ao Carlos Frazão. Obrigado! É claro que pelos padrões
actuais o som já não é tão bom como na altura, mas é um registo que ficou e nos
marcou muito.
Olhando para a capa da demo, podemos conferir um espírito verdadeiramente underground. Quem
foi o autor?
Quem
fez a capa e todo o trabalho na nossa fanzine,
em termos de ilustrações, foi o nosso conhecido amigo Pedro Andrade, baterista
versátil e que tocou e toca em várias bandas, a mais conhecida das quais os MORBID DEATH. Na altura, as demos
tinham quase sempre algo parecido em termos de ilustrações e nunca nos assustámos
com isso. Fazia e faz parte de nós e continuamos a gostar muito daquela capa.
Ainda é possível adquirir a «We Love It Loud» ou
mantêm-na apenas para consumo próprio?
Já
não é possível adquirir a demo. Ainda
temos exemplares próprios e no computador temo-la guardada em MP3. Caso queiram ouvi-la, podemos
dar um jeito, mas temos que dar um "polidela" no som, já que está um
bocado baixo. Vou tentar dar uma volta a isso.
Está no vosso horizonte alguma reedição?
Não
existem planos para uma reedição, mas num aspecto puramente pessoal estou a
tentar fazer um CD com ambas as nossas demos
(a segunda nunca editada) e fazer algo um bocado mais profissional para vender
por um preço simbólico a todos os que estiverem interessados nas mesmas. Esperamos
reacções da vossa parte! Quanto a essa segunda demo, foi gravada pelo nosso guitarrista solo da altura, o Eduardo
Botelho, hoje conhecido produtor em São Miguel, responsável, entre outros, pelo
primeiro CD dos MORBID DEATH. Essa demo deu muito trabalho. Para a altura, tinha um óptimo som, mas
perdeu-se um bocado da "alma" que nos caracterizava. Não obstante, há
lá momentos fenomenais, modéstia à parte!
Segundo consta, já na altura tinham um manager. Era uma pessoa destacada
exclusivamente para esta tarefa ou tratava-se simplesmente de um amigo com mais
algum jeito para o "negócio"? Estamos a falar do Nelson Neto que
viria a integrar os CLASSIC RAGE?
Era
tudo feito numa base um bocado amadora, mas o nosso amigo Nelson sempre
trabalhou com muito afinco para o engrandecimento dos WREK AGE. Há pormenores
que já não me recordo bem, mas sempre havia algo que ele fazia em conjunto com
outros elementos da banda, que também participavam neste particular da nossa
vida.
Alguma vez abordaram uma editora para fechar contrato?
Era
um sonho que nos movia. Vivíamos para que isso acontecesse. Através do INATEL e
do esforço do Sr. Luís Amaral, praticamente estávamos com tudo pronto para
irmos ao Continente gravar, se a memória não me falha, com a editora
Discossete. Mas a nossa vida sempre se pautou por grandes dificuldades e esse
sonho nunca se concretizou. Se fosse hoje, teria sido muito diferente. As condições
actuais em São Miguel alteraram-se para melhor e já é possível gravar cá e termos
grupos a porem os seus sonhos em CD.
Daquilo que lhe foi possível acompanhar, que
traçado faz do desenvolvimento do rock e metal açorianos até aos dias de hoje,
tanto a nível de bandas como músicos e todos os elementos que possam mover este
presumível circuito/mercado?
Na
época em que surgimos, quando não havia bandas de hard'n'heavy, era tudo
ingénuo, mais da alma e dos sentimentos. Fazíamos tudo conforme ia saindo de dentro. Em
minha opinião, as bandas como nós e duas delas derivaram directamente dos WREK AGE, em épocas diferentes, casos dos
MORBID DEATH (como grandes amigos nossos) e CLASSIC RAGE, que mais
tarde (com o Paulo Melo e o Nelson Neto como antigos integrantes) ainda levaram
esta alma e sentimentalidade, em estilos diferentes, mas com grande qualidade.
Com o surgimento dos MORBID deu-se o
boom de bandas de heavy em São Miguel
e nos Açores, mas mais em quantidade do que em qualidade. Era um ver se te havias
para ver quem berrava mais! Espero não estar a ofender ninguém, mas era o que
eu pensava. Hoje nota-se que há músicos de grande qualidade e talento espalhados
pelos vários estilos de rock, blues e covers.
Não me lembro de nenhuma de heavy. Se há, não me recordo ou não conheço! O
mercado para a gravação de CDs está a anos-luz dos anos 80/90 e qualquer banda
que queira já grava o seu CD. O pior é o circuito de espectáculos que, na minha
opinião, continua a ser muito limitado e mesquinho. Então se for uma banda que
só toque originais, penso que está muito difícil.
Sinto que já não há um verdadeiro gosto pelo heavy metal.
A eterna questão do "os jovens actualmente
não vivem o metal da mesma forma que antigamente" tem algum cabimento no
seu entender?
Tem
algum cabimento. Antigamente para se conhecer uma nova banda de heavy metal
suávamos um bocado - isso sem qualquer favor. Eu e o Paulo Jacob às vezes íamos
a pé de casa, e eu mais vezes do que ele, a Ponta Delgada para poupar uns
trocos para comprarmos os LPs que ouvíamos religiosamente quando chegávamos a
casa. Aquilo era sagrado - era um ritual! Devorávamos até as letras miudinhas
das capas. Hoje, sentam-se a uma secretária e ouvem tudo pelo Youtube ou por
outros meios. Perdeu-se o prazer da descoberta. É tudo facilidades e os jovens
são completamente engolidos no facilitismo e imediatismo. Isso reflecte-se nos
gostos da juventude de hoje, mas sempre se vão salvando alguns - os verdadeiros
amantes de música!
Sente que a música pesada regional perdeu
identidade? Gosta do que foi sendo feito ao longo dos anos, em especial pelas bandas
que despontaram no novo milénio?
Sinto
que já não há um verdadeiro gosto pelo heavy metal - e quem não gosta do
heavy não sabe o que perde -, assim como pelo hard rock, rock, blues, etc. Hoje
há grandes músicos a actuar e há um grupo de que gosto particularmente, os KARPA,
e uma banda de blues excelente que vi actuar no ano passado na Praça do
Município, da qual não me consigo lembrar do nome, e que é muito boa. Estes
músicos dão esperança à música.
Os músicos eram mais sonhadores na sua época? Havia
maior crença de que era possível uma banda açoriana singrar à escala mundial?
Éramos
muito sonhadores. Uns voavam até, caso do nosso baixista, o Paulo Melo. O
vocalista, o Danny Brasil, também era um sonhador e muito lutador. O nosso
guitarrista solo, o Zé Medeiros, e eu, tínhamos os pés mais assentes no chão,
mas a nossa mente voava também. Mais tarde, o nosso outro guitarrista solo, o
Eduardo Botelho, era demasiado perfeccionista para se chegar a alguma
conclusão. O Paulo Jacob, como baterista, estava ali para o que desse e viesse.
Estava numa boa onda! Se chegássemos
a gravar um CD já era o equivalente a um voo muito alto. Não sonhávamos à escala
mundial, o nosso mundo era os Açores!
Faltam competências às bandas locais para almejarem
um sucesso em maior escala - estratégia, espírito de sacrifício - ou o público e
as entidades culturais é que pecam no seu apoio aos músicos?
Vou
responder muito brevemente: faltam, sobretudo, apoios ao talento. Há grandes
talentos na música clássica, no rock, nas bandas filarmónicas, nas artes, em
geral. Quando se fala em música rock então nem se fala em apoios. Têm falhado
no apoio ao verdadeiro talento! Os políticos não estão dispostos a ouvir, querem
ser vistos, principalmente!
Entende que os músicos hoje em dia estão mais
desenvolvidos tecnicamente e/ou conscientes do que é o showbiz em comparação aos de décadas anteriores?
Actualmente
há uma consciência maior do que é um espectáculo, mas também quando se quer
fazer um show não faltam empresas de
som para quem queira fazer um concerto. Antigamente era muito difícil e, como
já disse, há cada vez melhores músicos porque há também maior variedade de
oferta em várias vertentes, tanto a nível de material como de infra-estruturas.
Os WREK AGE cessam funções quando e porquê?
Sempre
fomos uma banda muito "turbulenta", tanto a nível de músicos como de
salas de ensaio. No entanto, o que acabou com a banda de vez foi um elemento -
no caso, eu - pela minha falta de paciência para com o ego do tamanho do mundo
de outro elemento da banda. Tudo chega ao fim, mas ainda tínhamos muito para
dar. Foi pena! Acabámos em finais do ano da graça de 1992. Mas a paciência tem
limites.
Um músico verdadeiro não se move pelas modas, move-se pelo coração.
Alguma vez chegaram a pensar no vosso regresso?
Falando
por mim, durante longos anos não pensei nisso, nem mais toquei nas minhas
guitarras. Agora que a minha filha anda a aprender a tocar e o "bichinho"
voltou, a saudade aperta... Tenho pensado nisso. Porém, se voltássemos seria
numa base de descontracção e divertimento. Não sei o que os outros elementos
pensam, mas quem sabe?
Os WREK AGE compunham exclusivamente originais?
Quando
nascemos, como BLACK DIAMOND, na
nossa mente queríamos fazer originais... e fizemos. Ao longo do tempo fomos
refinando a nossa composição, principalmente na era WREK AGE, mas os nossos espectáculos eram um misto de originais e covers - uma forma de agradarmos a
jovens e menos jovens.
Como funcionavam em termos internos? Havia um
compositor principal ou tudo se traduzia num esforço colectivo?
Era
um trabalho de conjunto. Havia uns que vinham com ideias de riffs, caso do
Paulo Melo, Zé Medeiros e eu próprio e mais tarde o Eduardo Botelho e outros
dando opiniões sobre a melodia, principalmente o John Almeida numa fase inicial
e no final o Danny Brasil, muito bom na melodia e o Paulo Jacob, também
especialista nesta área. Depois era ir acrescentado uma ideia aqui e acolá e a
música surgia. Às vezes, ficávamos felizes com o resultado, outras requeriam
muito mais trabalho. Quando o grupo acabou, havia muitas e boas ideias para
finalizar. Ainda tenho pena de não termos gravado aqueles pedaços da nossa
"alma"!
Naquele tempo conseguiam organizar muitos ensaios
ou a tal problemática com as salas impedia que isso acontecesse? Os vizinhos
eram um problema?
Como
já dissemos, sempre tivemos dificuldades com as nossa salas de ensaio.
Fartámo-nos de chatear vizinhos e familiares. Percorremos, à vontade, seis ou
sete salas... Quando finalmente encontrámos uma sala em condições, só
chateávamos os mortos. Era no campo de futebol da Fajã de Cima, ao pé do
cemitério. Era um espaço pequeno, mas passámos lá bons momentos.
As letras versavam, maioritariamente, sobre o quê?
Falávamos
principalmente com o Danny sobre assuntos do dia-a-dia, problemas amorosos e de
sexo. Acho que a nossa mensagem era a música. Se querem que seja muito sincero,
já nem me lembro bem de quais os assuntos que falávamos nas letras.
Ao vivo tinham alguma virtude que vos distinguia?
Éramos
muito activos, principalmente desde que o Danny entrou e o Paulo Melo, sempre a
correrem pelo palco. Da minha parte, era mais reservado e o Zé também. O
Eduardo, mais tarde, sempre muito técnico e atento aos pormenores. Apesar da
aparelhagem que usávamos não ser topo de gama, conseguíamos tirar-lhe um bom
som, graças ao nosso técnico, o António Fragata.
Alguma vez tiveram que se debater com situações
conflituosas no interior da banda?
Resposta
curta: quase sempre! Resposta longa: a maior parte das vezes!
Os membros que, entretanto, deixaram a banda,
fizeram-no por que razões? Consegue eleger a formação mais coesa dos WREK AGE?
Alguns
saíram por tolices próprias da juventude, outros por incompatibilidades de
feitios, o John Almeida porque emigrou, etc. Há duas formações chave, para mim
as mais importantes: a que dava importância à música e a que dava importância
ao "eu". A primeira, para mim, a que me deu mais prazer era a
seguinte: Danny Brasil na voz, Zé Medeiros na viola solo, Paulo Jacob na bateria,
Paulo Melo no baixo e eu na viola ritmo. A outra formação é a mesma, com a
excepção do viola solo. O Zé sai por problemas de saúde e entra o Eduardo
Botelho. Entrámos numa fase mais tecnicista, mas alguma da chama e da alma que
nos mantinha como unidade foi-se apagando para entrarmos na fase do
"eu". Explicar isto levaria demasiado tempo. Fico-me por aqui...
Ainda mantém contacto com os seus ex-companheiros
de banda? Algum continua ligado à música?
De
vez em quando ainda nos vemos, mas os afazeres do dia-a-dia não propiciam
grandes contactos. O Paulo Melo continua na música, como empresário, produtor e
músico. O Eduardo Botelho continua como músico e produtor de renome. Eu como
músico de sofá e os restantes penso que da mesma maneira - no sofá!
Tirar coisas genuinas de nós é uma boa receita para se ter sucesso.
Sente saudades do palco? Se voltasse a criar uma
banda que género musical tocaria?
Penso
que todos devem sentir saudades, mas a possibilidade de voltar a subir a um
palco é demasiado remota para sequer pensarmos muito nisso. Mas nunca se sabe!
Se
voltássemos, continuaríamos a tocar hard'n'heavy e com a mesma atitude de
sempre.
Actualmente, os MORBID DEATH permanecem como a
face mais expressiva do metal regional. Curiosamente, o Ricardo Santos e o
Dinis Costa foram roadies dos WREK
AGE. Fale-nos dessa relação.
Eles
viram alguns dos nossos espectáculos e começaram a nos acompanhar para todo o
lado. Assistiam aos nossos ensaios e davam-nos uma grande ajuda, mas chamá-los
de roadies já é um bocado demais.
Eles eram simplesmente amigos com os quais nos dávamos muito bem. Para além
disso, não éramos tão importantes assim para termos roadies.
No que concerne às dificuldades que os músicos açorianos
enfrentam para solidificarem uma carreira, recorde-se que os MORBID DEATH estiveram
afastados das lides musicais durante quatro anos, alegadamente por Ricardo
Santos ter sentido o desgaste por mais de vinte anos de luta. Agora que estão de
volta que comentário essa situação lhe merece?
É
sempre bom assistir a regressos, ainda mais ao regresso de uma banda amiga que
deu muito ao metal açoriano e que desejamos venha a dar ainda mais. Para eles,
um grande abraço e toda a sorte do mundo.
Em parte pela crise económica, os concertos de metal
e o próprio número de bandas do género caíram a pique nos últimos anos nos
Açores. Acha que estamos apenas a viver um ciclo dominado pelas bandas de covers e DJs ou este é um
ponto sem retorno?
Como
optimista que sou, acho que é apenas um ciclo. Um músico verdadeiro não se
move pelas modas, move-se pelo coração, não fica à espera que a música
chegue, mas chega-se para a música. Por isso, acho que se pensarem assim há
futuro!
Pela sua experiência de vida e como músico, que
conselho deixaria aos mais jovens que querem ingressar na música nos Açores?
Acreditarem
muito em si, amarem a música acima de tudo e não irem em modas. Se forem atrás
de modas estão tramados. Muitas vezes, ir ao fundo do baú é ir ao encontro de
nós. Tirar coisas genuínas de nós é uma boa receita para se ter sucesso.
Qual foi o último concerto de rock ou metal
regional a que assistiu?
Já
não me lembro. Tenho assistido a poucos concertos e de metal talvez o último
tenha sido algum dos CLASSIC RAGE
nos bons velhos tempos.
E que discos ainda rodam no seu leitor?
No
meu leitor continua a rodar o bom heavy metal. Tudo o que for de qualidade roda
lá. Sou também um grande fã de rock e metal progressivo. Oiço tantos que me
custa a lembrar: KAMELOT, THE FLOWER KINGS, MANOWAR, IRON MAIDEN
antigo... enfim, tudo o que seja de qualidade.
Consegue eleger a sua música favorita dos WREK
AGE? Justifique a escolha.
Todas
as músicas dos WREK AGE têm para mim
muito significado e muita história. Mas se tiver mesmo que escolher, escolho a
«Hellraiser», porque tocá-la ao vivo era sempre um prazer e resultava sempre
bem.
Nuno Costa