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Tradição académica

A polémica alastrou-se recentemente em torno da XXIV Semana Académica de Ponta Delgada. Comunicados e notícias em sites e jornais circularam alertando para as incoerências da Associação Académica da Universidade dos Açores (AAUA) na estruturação do cartaz da mais importante festa estudantil da região.

Dir-se-ia até que a “bomba” estava para explodir há vários anos. A base para tudo isso: a discriminação do produto local que supostamente sempre caracterizou a política dos órgãos da AAUA e que há muito causa revolta nos inúmeros artistas que essa região sempre teve o privilégio de conceber.

Antes de mais, seria interessante discutir a própria essência de uma Queima das Fitas. Sendo que a sua origem está na celebração do sucesso lectivo e na emancipação do caloiro, através de cortejos e homenagens que se iniciaram em Coimbra em meados do séc. XIX, deduz-se que a sua filosofia não extravasasse o mundo académico ou atingisse objectivos comerciais.

Mudam-se os tempos e as vontades e o que aparentemente era uma nobre exaltação do desenvolvimento intelectual, passou a um programa de actividades lúdicas de importância cultural muito duvidosa e de natureza capitalista. Sejamos honestos e admitamos até que as semanas académicas tornaram-se sinónimo de farra e excessos.

Porém, estatutariamente, uma associação académica defende, acima de tudo, o interesse dos estudantes e associados, e por aí é difícil legitimar a razão das queixas externas, a não ser pelo dito “jogo de mentiras” que terá havido, pela desproporção das condições oferecidas aos artistas locais e pela constatação de que um dos grandes sustentáculos financeiros desta associação é o subsídio estatal, o contribuinte. Espera-se por isso um outro governo dos fundos atribuídos, virado para um interesse mais amplo onde cabe uma sociedade tão prolífera como a nossa em termos culturais.

E é nesta fase que começa a discussão eterna. Os artistas locais terão realmente qualidade e impacto para potenciar uma festa orientada para as grandes massas? Será preferível pagar absurdamente mais a um artista internacional, mesmo que não cubra totalmente a despesa, mas sabendo que vai haver grande impacto mediático?

É imperdoável quando a veracidade falta em qualquer relação interpessoal, mas os artistas locais terão que resignar-se à realidade de que estão subvalorizados e a culpa não é apenas da AAUA – é de uma mentalidade global. Para não falar de que depois tudo entra num jogo de pressões e interesses e é difícil inverter a tradição.

Há ainda que aceitar que a desconfiança existe porque poucos foram os “profetas” que em terreno alheio arrebataram grande sucesso comercial (lembro-me apenas de Nuno Bettencourt e Nelly Furtado). Todavia, falar sobre esse assunto mais a fundo implicaria uma análise rigorosa às contas da associação e particularmente ao orçamento para este evento. Aí poder-se-ia dizer com legitimidade até que ponto foi a arrogância da AAUA.

E posto isto, a mensagem mais honesta que se pode deixar aos artistas regionais é a de que tentem afirmar-se no exterior e depois, eventualmente, ganhar a confiança dos seus congéneres. “Santos da casa não fazem milagres” e, na prática, este não é um mal só português. É uma “lei” subconsciente agravada num país com baixíssima auto-estima como o nosso. Para os mais audazes isto deve servir para estimular a procura de um caminho onde a dependência de terceiros é cada vez menor.

Nuno Costa

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